Monday, December 11, 2006

QUEM PROTEGE O CONSUMIDOR?

Milton Friedman dedica um dos capítulos de “Freedom to Choose” aos direitos do consumidor e conclui, coerentemente com o seu pensamento e as suas propostas, de que qualquer intervenção do Estado no sentido da protecção dos direitos do consumidor redunda, sempre e necessariamente, em prejuízo do consumidor.

“Existe”, diz ele, “uma maneira simples de acabar com a crise de energia e as faltas de gasolina amanhã (dizemos amanhã e não daqui a seis meses ou um ano): eliminar todos os controlos sobre os preços do petróleo bruto e de derivados do petróleo”.
O livro é de 1979, estavam os norte-americanos espantados com as filas que a crise do petróleo tinha conseguido, e Friedman veio a ajustar mais tarde as suas perspectivas. No essencial, contudo, a teoria mantém-se válida e é quase tautológica: realmente se nenhum entrave existir à fixação de preços, a lei da oferta e da procura encarrega-se de dosear o consumo em função das disponibilidades. E não haverá filas, alguém terá de parar. O problema está na remoção dos controlos que nem sempre são os controlos estatais, que Friedman condena. Remover a OPEP, por exemplo, tem que se lhe diga, ainda que Friedman tenha desvalorizado a capacidade de intervenção do cartel do petróleo. Quantos aos controlos não estatais de preços, que decorrem de práticas explícitas ou dissimuladas de cartel, Friedman é muito mais benevolente.

Em matéria de protecção dos direitos do consumidor, entre o mercado e o estado, escapa-se a liberdade de escolha.

Recentemente, ergueram-se, indignadas as vozes liberais contra a intromissão despropositada do governo português na actividade bancária, regulamentando os critérios dos arredondamentos das taxas de juro dos empréstimos bancários, que a banca vinha a efectuar de forma não sentida pelos seus clientes até ao momento em que uma associação de defesa o consumidor de produtos financeiros conseguiu que o governo interviesse.

Que o governo andou mal ao imiscuir-se no negócio, é uma conclusão que não parece muito controversa: o governo podia e devia há muito ter retirado a Caixa Geral de Depósitos do alinhamento de condições e falta de transparência que é corrente na banca. O Presidente do Montepio Geral disse uma coisa e outra e ele sabe bem do que fala.

O que já não se entende, pelo menos se atribuirmos isenção de interesses aos que defenderam a banca da opção estatizante do governo, é que as mesmas vozes liberais não se tenham dado conta de que consumidores somos todos nós e de que esses interesses, por serem difusos, só podem ser defendidos se as leis da concorrência não forem bloqueadas por acordos de cartel.

E, em Portugal, não está provado que não estejam.

Invoca-se, em contra argumento, que os clientes são livres de contactar os bancos que entenderem, negociar com eles, abandonar uns e preferir outros, sendo tudo isto visível nos milhões gastos em publicidade para captação de clientela. É certo que os contratos, como é uso e costume, têm as cláusulas no verso em letra miúda, e as condições propagandeadas não são um esmero de transparência. Mas esse é um problema que o Estado deveria ter
resolvido antes, quando os consumidores de hoje andaram ontem na escola e o nível de literacia ficou pelas ruas da amargura.

Mas tudo considerado, ou quase, por que se arreliam tanto os bancos, e os seus liberais advogados de defesa, se mais arredondamento menos arredondamento, serão sempre os clientes consumidores dos produtos a pagar?, segundo eles dizem.

O cartel, se não existe, aparece.

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