Que nuvem rara é aquela que apareceu em Lisboa ao crepúsculo?
Palavras cruzadas para entreter a viagem. "Não há questões filosóficas, há questões de linguagem." - Wittgenstein "Insanity is doing the same thing over and over again, expecting different results" - Albert Einstein
"As lulas têm na sua pele células que permitem mudança de cor dependendo do ambiente em que se encontram, o que caracteriza sua capacidade mimetizante."
A intensidade do tráfego, porque o comboio não é alternativa para muita gente que se faz transportar de pópó com uma média de ocupação de menos de 1,2 passageiros por automóvel circulante naquela via rodoviária. Aliás, o comboio, que deveria ligar em triângulo circulante, Lisboa - Sintra - Cascais, ou no sentido inverso, é impossível porque não há ligação ferroviária entre Sintra e Cascais. Porquê? Nunca vi esta pergunta em nenhum lado e, não havendo pergunta, não há resposta. A qualidade do transporte ferroviário em Portugal coloca o nosso país abaixo do nível dos mais atrasados na União Europeia. O transporte ferroviário suburbano não escapa à situação geral.
O álcool é um problema grave neste país. Fingimos que não. Cada português consome mais de 12 litros de álcool puro por ano. E já se sabe como são as médias. Se eu não bebo, alguém está a beber 24 litros. Mas, acima de tudo, está inculcado no inconsciente nacional. Ao longo destes anos que não bebo (às tantas tornou-se uma teimosia engraçada), não consigo contar quantas pessoas ficaram verdadeiramente chateadas, aborrecidas, indignadas, desapontadas e muito desconfiadas por eu ter recusado simpaticamente o copo de vinho, licor, aguardente — ou por eles feitos, ou para acompanhar a refeição, ou o champanhe para celebrar o momento —, apenas e só pela justificação que me parece justa: não bebo. Ali, a indignação do momento foi sempre o meu desrespeito pelo anfitrião. E não o facto de ele estar a exigir que quebrasse um princípio de vida. Sei que nem se apercebia. Mas, sim, quem era o merdoso da situação? “Custava alguma coisa fingir que bebias?” É apenas #anossaCultura.
Anda por aí, mais uma vez, a discussão sobre a carga fiscal. Não porque não haja também outro assuntos importantes a discutir, mas porque este é o mais fácil de transmitir em mensagens curtas, numa época em que qualquer explicação com mais de vinte palavras adormece os destinatários. É a época das redes sociais de mensagens curtas mas de longo alcance, que colocam quase todo o mundo à volta agarrado ao telemóvel, desafiado pelo Facebook e derivados.
Quanto à carga fiscal, incentivou-me este blog, que cita um estudo da Universidade do Porto - Economia paralela em Portugal representa quase 35% do PIB - a voltar ao assunto depois de ter contribuído para este peditório, na medida das minhas possibilidades, neste caderno de apontamentos, desde há quase dezoito anos. Além do mais, aqui:
O EXEMPLO VEM DE BAIXO, de 2 de Maio de 2010
E, A FACTURA? , de 15 de Maio de 2011
DISCRIMINAÇÃO FISCAL, de 1 de Maio de 2015
Mais de 11.000 pessoas assinaram petição contra nome da Ponte D. Manuel Clemente
Chovem as petições de um lado e do outro, uns a favor outros contra, a maioria, como sempre, ignora e abstém-se.
Este atavismo de dar nomes a tudo o que é construido com o dinheiro de todos, ao sabor das circunstâncias políticas preponderantes de cada momento, é reflexo de uma cultura social habituada a gerar e adorar ídolos de barro, que o tempo se encarregará de desmoronar.
Construiu-se uma ponte pedonal sobre o Rio Trancão. É a ponte do Rio Trancão, um rio que todos os que, ainda há poucos anos, se aproximavam da entrada de Lisboa reconheciam pelo fedor nauseabundo com que a mínima brisa intoxicava o ar. O Trancão, que desagua no estuário do Tejo, chegou a ser considerado um dos rios mais poluídos da Europa.
Já não é, e na ponte sobre o Trancão, construída a jusante do viaduto sobre a auto-estrada, ligando, naquele ponto, os concelhos de Lisboa e Loures, e por onde ainda não passei, pode agora, certamente, respirar-se ar quase puro. Esta é uma boa notícia, sem ela a travessia pedonal sobre o Trancão seria atravessar um esgoto intenso a céu aberto.
A Ponte do Trancão é um nome que deixou de envergonhar o rio. Porquê mudar-lhe o nome e gerar discussões que não servem para nada nem para ninguém? Ficará o nome de Dom Manuel Clemente mais limpo se a Ponte do Trancão passar a ser a Ponte Dom Manuel Clemente? A Ponte do Trancão será sempre a Ponte do Trancão como o aeroporto de Lisboa, ali tão perto, será sempre o aeroporto da Portela até que o tirem de lá; como a Praça do Areeiro será sempre Praça do Areeiro e o Terreiro do Paço o Terreiro do Paço; o Rossio será sempre o Rossio, quem passa pelo Rossio quer lá saber quem é aquele que colocaram em cima de um pedestal, só as pombas o mimoseam no cocuruto com defecações por turnos; se à primeira Ponte sobre o Tejo tivesse sido dado o nome de Ponte de Almada, os nomes que lhe deram não se apagariam com o tempo como já aconteceu ao primeiro e, possivelmente, acontecerá ao segundo.
A espécie humana, e nisto também se distingue dos outros seres vivos, parece não poder viver sem ídolos, incensa-os nos coliseus, nos estádios e em toda a parte para onde as convicções de cada momento os convocam e, mais tarde ou mais cedo os derrubam ou, mais desprezivelmente, os ignoram.
Nós, portugueses, temos uma tradição, congénita talvez, de idolatrar em grande. Um exemplo, entre vários à escolha, a estátua do Marquês de Pombal, com 55 metros de altura total, uma dimensão claramente excessiva para a dimensão daquela rotunda, compete em grandeza de pedra e bronze com a de Nelson em Trafalgar Square.
Num ranking de estátuas equestres, Lisboa pede meças a qualquer capital do mundo porque certamente ficará bem alto, se não pelos feitos que celebram, pelos números.
--- Bom senso às 13:45 de hoje : O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, pediu para que o seu nome não seja atribuído à ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, na sequência da polémica gerada nos últimos dias.
- Altice contrata Vieira de Almeida e Uría e admite processar suspeitos do caso Picoas
O Público, vd. aqui, entrevistou Garcia dos Santos, que, dentro de dias, completará 88 anos de idade, contava 39 anos anos no dia 25 de Abril de 1974, e fizera parte do grupo de militares que na véspera, comandado pelo major Otelo Saraiva de Carvalho, instalou secretamente o posto de comando do movimento revolucionário no quartel da Pontinha, em Lisboa. Entre esses militares estava o então tenente-coronel Garcia dos Santos, responsável pelas transmissões (vd. Cronologia da Revolução dos Cravos, aqui).