Wednesday, August 30, 2023

QUE NUVEM RARA ERA AQUELA?

Que nuvem rara é aquela que apareceu em Lisboa ao crepúsculo? 


 

 

HÁ LULAS A MAIS ENTRE NÓS

"As lulas têm na sua pele células que permitem mudança de cor dependendo do ambiente em que se encontram, o que caracteriza sua capacidade mimetizante."

Lula da Silva, nascido Luís Inácio da Silva, tem o epíteto que se revê no comportamento do cefalópode homónimo. É uma casualidade, porque de seres humanos miméticos está o planeta excessivamente povoado.
Lula da Silva já considerou que, da guerra na Ucrânia, tanto é culpado Putin como Zelensky. 
Chamaram-lhe a atenção para o defeito de visão e Lula corrigiu a direcção do olho esquerdo (ou do direito, para o caso tanto faz) e condenou a invasão russa.
E disse que a guerra tem de acabar e a paz alcançada.
Como é que se alcança a paz, senhores lulas?
Respondem as lulas em coro: com negociações e disponibilidade de cedências das partes. Quer dizer: a Ucrânia deve ficar mais pequena, talvez desaparecer, porque não? Há muitos países no mundo, menos um ninguém dará por isso. Do que o mundo mais precisa é de paz, não de mais ou menos países. Aliás, não pode o mundo inteiro arriscar que o senhor Putin, num dia em que se levante ainda mais mal disposto, carregue num botão e faça desaparecer, num instante, a Ucrânia, a Finlândia, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia, a Alemanha, a França, a Espanha, Portugal  ... por aí fora, incluindo o  Brasil, o que seria uma chatice para os brasileiros no Brasil. Portanto: querem saber qual o caminho para o fim da guerra? para a paz? não tem nada que saber, deixem entrar o senhor Putin antes que ele se chateie. E pronto! Quem é pode discordar dos lulas, e de Putin, evidentemente? 

Zelensky? Zelensky é um chato, está convencido que quer ganhar uma guerra que Putin não pode perder, é o que dizem os lulas. Putin não pode perder esta guerra e pode ganhar as guerras que quiser porque tem poder nuclear capaz de arrasar tudo o que é vivo. Não percebem isto? É preciso fazer um desenho? Se for preciso o senhor Lula da Silva faz um. É especialista em desenho à vista.

Tuesday, August 29, 2023

SOMOS UM PAÍS DE BÊBADOS

Às seis e vinte da manhã de hoje, no IC19, pouco depois da saída de Sintra, via-se no lado contrário, sentido Lisboa-Sintra, um carro de pneus para o ar. Aquela hora o trânsito ainda era escasso, não provocava congestionamento de trânsito nem de um lado nem do outro da via rápida. A polícia já estava junto da viatura capotada. No IC19, o anormal é não haver frequentes acidentes de trânsito.
Três horas depois, o carro capotado estava na mesma, o congestionamento de trânsito provocava a perda de milhares de horas de trabalho. 
Porquê? Haverá várias razões, algumas das quais só não vê quem não quer ver. 

A intensidade do tráfego, porque o comboio não é alternativa para muita gente que se faz transportar de pópó com uma média de ocupação de menos de 1,2 passageiros por automóvel circulante naquela via rodoviária. Aliás, o comboio, que deveria ligar em triângulo circulante, Lisboa - Sintra - Cascais, ou no sentido inverso, é impossível porque não há ligação ferroviária entre Sintra e Cascais. Porquê? Nunca vi esta pergunta em nenhum lado e, não havendo pergunta, não há resposta. A qualidade do transporte ferroviário em Portugal coloca o nosso país abaixo do nível dos mais atrasados na União Europeia. O transporte ferroviário suburbano não escapa à situação geral.

Tanto tráfego automóvel não impede, provavelmente até incentiva, muita rapaziada a ziguezaguear, talvez para lhes manter em níveis elevados os depósitos de adrenalina. 
O respeito pela sinalética de velocidade máxima só é, em geral, respeitada, se o volume de tráfego não permitir gincanas.
 
O que terá provocado uma capotagem, aquela hora, quando o trânsito era mínimo, num troço recto da via?  Excesso de velocidade animado por excesso de alcool emborcado durante uma noite de pândega? É uma hipótese possível mas não passa de hipótese. A qualquer um que ande na estrada, pode acontecer um acidente. Mas que a incidência de acidentes na estrada provocados por elevados níveis de alcool no sangue de condutores de veículos em Portugal é elevada parece indesmentível.
 
Mas os portugueses não se embriagam apenas com vinho. Pelo contrário, os mais jovens, os que mais gostam de ziguezaguear, emborracham-se com cerveja e, pior que isso, com bebidas de elevado teor alcoólico, whisky sobretudo. É difícil desanimar o consumo de vinho porque isso desafiaria a fúria de produtores e distribuidores portugueses. Mas o whisky, porque não se limitam as vendas em espaços concessionados para o efeito e se enchem prateleiras de whisky nos supermercados? Pelo Natal, então, é um festival!
Sobre o assunto, anotei neste caderno de apontamentos, além de mais, em fevereiro de 2011: Continuamos a beber demais, em agosto de 2013: Quanto mais bêbado melhor. Valeu alguma coisa? Não valeu nada. Faço o que posso.
 
(Declaração de interesses - Não sou, nunca fui abstémio, filho de um pequeno vitivinicultor, se tivesse tido oportunidade e meios teria gostado de prosseguir e alargar o mais possível o nosso interesse familiar pela vinha. Encanta-me, sempre me encantou e continua a encantar ver uma vinha bem tratada) 
 
--- Correlacionado 
 
Do Semanário Expresso desta semana, retiro daqui, de uma prosa espirituosa e bem esgalhada,
 
" Nos últimos cinco anos, o consumo de álcool e tabaco aumentou em Portugal. Em contraciclo. É o país do mundo que mais consome vinho per capita e tem vindo a aumentar. Bem sei que somos um país produtor de vinho, mas não pode ser bom. Os mais velhos consomem vinho e os mais novos, cerveja. Ao falar dos dados da década 2012–2022, há dois meses, João Goulão, subdiretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, disse que “quando falamos de embriaguez, as coisas pioram em todos os grupos etários”. E nos grupos etários mais baixos, dos 13/14 anos, “os consumos das raparigas ultrapassam os dos rapazes e são muito altos”. E ainda: “Nestes dez anos, em vez de ganharmos, perdemos para as questões de saúde relacionadas com álcool.” Mas nem tudo são más notícias. Portugal é, segundo o Eurostat, o país da UE onde se bebe mais álcool, mas não é dos países onde há mais episódios de binge drinking, de beber à bruta num dia. Era suposto isto alegrar-nos.

O álcool é um problema grave neste país. Fingimos que não. Cada português consome mais de 12 litros de álcool puro por ano. E já se sabe como são as médias. Se eu não bebo, alguém está a beber 24 litros. Mas, acima de tudo, está inculcado no inconsciente nacional. Ao longo destes anos que não bebo (às tantas tornou-se uma teimosia engraçada), não consigo contar quantas pessoas ficaram verdadeiramente chateadas, aborrecidas, indignadas, desapontadas e muito desconfiadas por eu ter recusado simpaticamente o copo de vinho, licor, aguardente — ou por eles feitos, ou para acompanhar a refeição, ou o champanhe para celebrar o momento —, apenas e só pela justificação que me parece justa: não bebo. Ali, a indignação do momento foi sempre o meu desrespeito pelo anfitrião. E não o facto de ele estar a exigir que quebrasse um princípio de vida. Sei que nem se apercebia. Mas, sim, quem era o merdoso da situação? “Custava alguma coisa fingir que bebias?” É apenas #anossaCultura.

 

Friday, August 18, 2023

E, A FACTURA?

Anda por aí, mais uma vez, a discussão sobre a carga fiscal. Não porque não haja também outro assuntos importantes a discutir, mas porque este é o mais fácil de transmitir em mensagens curtas, numa época em que qualquer explicação com mais de vinte palavras adormece os destinatários. É a época das redes sociais de mensagens curtas mas de longo alcance, que colocam quase todo o mundo à volta agarrado ao telemóvel, desafiado pelo Facebook e derivados. 

Quanto à carga fiscal, incentivou-me este blog, que cita um estudo da Universidade do Porto - Economia paralela em Portugal representa quase 35% do PIB - a voltar ao assunto depois de ter contribuído para este peditório, na medida das minhas possibilidades, neste caderno de apontamentos, desde há quase dezoito anos. Além do mais, aqui:

O EXEMPLO VEM DE BAIXO, de 2 de Maio de 2010

E, A FACTURA? , de 15 de Maio de 2011

DISCRIMINAÇÃO FISCAL, de 1 de Maio de 2015 

Alterou-se alguma coisa nestes últimos 15 anos em matéria de evasão fiscal, não só pela via estreita da economia paralela mas sobretudo pela via larga da via clandestina?
Parece que sim, a julgar pelo estudo citado e pela opinião da autora (economista portuguesa, há muito anos residente nos EUA) do artigo no blog citado.

Se o cidadão comum (ou incomum!) precisa de um serviço de electricista, mecânico, pintor de paredes, enfim, de um topa-a-tudo, no fim do serviço prestado a conversa que segue, quando não é, normalmente, esta?

- Quanto devo?
- São XXX, se precisar de factura.
- Hum! XXX mais IVA ... , não, não preciso de factura.
 
Nos restaurantes continua a mesma borga de sempre. 
No fim da refeição:

- Quanto devo?
- Aqui tem a continha. (o documento não apresentado não é factura)
- Preciso de factura.
- Vem já, vem já ...
 
Demora sempre a chegar.
Cliente português em restaurante, em geral, é mal visto pela gerência do estabelecimento. Impingiram-lhe a ideia do "peça factura e deduza no IRS" e é uma complicação. Cada conta obriga a dois documentos.
Se for estrangeiro, é geralmente mais generoso na gorjeta e não precisa da factura para nada.
 
Não há nada a fazer? 
Claro que há. Mas seria impopular, na via estreita; na via larga seria chocar com intocáveis. 
Quem é que se vai meter nisso?

Wednesday, August 16, 2023

EDUARDO SÉTIMO

 

No dia 11 de Janeiro de 1890, o governo britânico da Rainha Vitória, chefiado pelo seu primeiro-ministro Lord Salisbury entregou um "memorando" que exigia a Portugal a retirada das suas forças militares do território entre Angola e Moçambique, uma zona (Mapa cor-de-rosa) que Portugal havia reclamado como sua na Conferência de Berlim (de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885), invocando a facilitação do intercâmbio comercial entre as duas colónias. A Conferência de Berlim destinara-se a regular o Direito Internacional Colonial. Cinco anos depois, apesar de todos os participantes na Conferência de Berlim terem dado o seu acordo ao projecto apresentado por Portugal, a Inglaterra, subvertendo o acordo de 1386 no Tratado de Windsor, entre os dois países, ameaçava no ultimato declarar guerra a Portugal se a proposta portuguesa apresentada na Conferência não fosse retirada. Portugal cedeu e retirou a proposta, seguramente por inferioridade de capacidade militar.
A cedência de Portugal ao ultimato britânico foi vista como uma humilhação nacional pelos republicanos e a mais escandalosa e infame acção britânica contra o seu antigo aliado.
 
Em resposta ao ultimato nasceu uma canção de protesto patriótico, A Portuguesa, composta em 1890, com letra de Lopes de Mendonça e música de Alfredo Keil, uma marcha que, na segunda estrofe, apelava às armas! às armas! pela Pátria lutar, contra os canhões marchar! marchar! (carne para canhão marchar!marchar!)
O apelo inicial seria contra os bretões, o que faria todo o sentido se houvesse com quê; mudou para a ordem mais absurda de suicídio colectivo para marchar contra os canhões!
 
No dia 2 de abril de 1903 entrava no Tejo o iate Victoria and Albert, trazendo o abordo o rei de Inglaterra Eduardo VII. Subiu a bordo para receber o monarca britânico o seu primo, o rei Carlos de Portugal. Quando subiu ao trono Eduardo já era sexagenário, a mãe Vitória durara que se fartara; o primo Carlos, vinte e um anos mais novo que o Eduardo, já era o rei há um ano quando Portugal fora obrigado a ceder ao ultimato do reino do Eduardo, ainda este reinava mas como libertino. 
Um dia deu ao Eduardo a vontade de ganhar alguma experiência  nas forças armadas e integrou manobras militares na Irlanda, durante as quais passou três noites com uma conhecida actriz irlandesa, que tinha sido introduzida no  campo de manobras por oficiais seus amigos. O escândalo deu que falar, Vitória ficou furiosa e o marido, o Príncipe Alberto, foi dar uma reprimenda ao filho, morrendo duas semanas depois, em dezembro de 1961. Ficou Vitória viúva durante quarenta anos, inconsolável nunca deixou as roupas de luto, acusou Eduardo da morte do pai. Considerou-o, com desgosto, frívolo, indiscreto e irresponsável. Escreveu para a filha mais velha: "Eu nunca posso, ou devo, olhar para ele sem estremecer" 

O Parque da Liberdade já era naquela época o maior parque de Lisboa. 
Foi rebaptizado em 1903 como Parque Eduardo VII. em honra de Eduardo VII do Reino Unido, que havia visitado Lisboa no ano anterior para reafirmar a aliança entre os dois países.
 
Dom Carlos foi morto em 1908. 
A República foi proclamada dois anos depois. 
O Parque Eduardo VII continua o Parque Eduardo VII; o Parque da Liberdade sumiu-se para sempre.
Da marcha "A Portuguesa" fez a República hino nacional, contra os canhões marchar!, marchar!, ouvido sobretudo nos estádios, cantado pelas selecções nacionais, talvez ignorando o sentido do que estão a cantar.
Em conclusão: como (quase) sempre, neste país, das revoluções resulta pouco mais que a mudança de nomes.

A ponte ciclopedonal do Trancão aguarda rebaptismo.

 

Monday, August 14, 2023

PONTES QUE DESUNEM

Mais de 11.000 pessoas assinaram petição contra nome da Ponte D. Manuel Clemente 

Chovem as petições de um lado e do outro, uns a favor outros contra, a maioria, como sempre, ignora e abstém-se.

Este atavismo de dar nomes a tudo o que é construido com o dinheiro de todos, ao sabor das circunstâncias políticas preponderantes de cada momento, é reflexo de uma cultura social habituada a gerar e adorar ídolos de barro, que o tempo se encarregará de desmoronar. 

Construiu-se uma ponte pedonal sobre o Rio Trancão. É a ponte do Rio Trancão, um rio que todos os que, ainda há poucos anos, se aproximavam da entrada de Lisboa reconheciam pelo fedor nauseabundo com que a mínima brisa intoxicava o ar. O Trancão, que desagua no estuário do Tejo, chegou a ser considerado um dos rios mais poluídos da Europa. 

Já não é, e na ponte sobre o Trancão, construída a jusante do viaduto sobre a auto-estrada, ligando, naquele ponto, os concelhos de Lisboa e Loures, e por onde ainda não passei, pode agora, certamente, respirar-se ar quase puro. Esta é uma boa notícia, sem ela a travessia pedonal sobre o Trancão seria atravessar um esgoto intenso a céu aberto.

A Ponte do Trancão é um nome que deixou de envergonhar o rio. Porquê mudar-lhe o nome e gerar discussões que não servem para nada nem para ninguém? Ficará o nome de Dom Manuel Clemente mais limpo se a Ponte do Trancão passar a ser a Ponte Dom Manuel Clemente? A Ponte do Trancão será sempre a Ponte do Trancão como o aeroporto de Lisboa, ali tão perto, será sempre o aeroporto da Portela até que o tirem de lá; como a Praça do Areeiro será sempre Praça do Areeiro e o Terreiro do Paço o Terreiro do Paço; o Rossio será sempre o Rossio, quem passa pelo Rossio quer lá saber quem é aquele que colocaram em cima de um pedestal, só as pombas o mimoseam no cocuruto com defecações por turnos;  se à primeira Ponte sobre o Tejo tivesse sido dado o nome de Ponte de Almada, os nomes que lhe deram não se apagariam com o tempo como já aconteceu ao primeiro e, possivelmente, acontecerá ao segundo. 

A espécie humana, e nisto também se distingue dos outros seres vivos, parece não poder viver sem ídolos, incensa-os nos coliseus, nos estádios e em toda a parte para onde as convicções de cada momento os convocam  e, mais tarde ou mais cedo os derrubam ou, mais desprezivelmente, os ignoram.

Nós, portugueses, temos uma tradição, congénita talvez, de idolatrar em grande. Um exemplo, entre vários à escolha, a estátua do Marquês de Pombal, com 55 metros de altura total, uma dimensão claramente excessiva para a dimensão daquela rotunda, compete em grandeza de pedra e bronze com a de Nelson em Trafalgar Square.

Num ranking de estátuas equestres, Lisboa pede meças a qualquer capital do mundo porque certamente ficará bem alto, se não pelos feitos que celebram, pelos números.

 --- Bom senso às 13:45 de hoje : O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, pediu para que o seu nome não seja atribuído à ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, na sequência da polémica gerada nos últimos dias.

Friday, August 11, 2023

MEO, NINHO DE CUCOS, TÍPICAMENTE ATÍPICO

O sr. Armando Pereira, não há dúvida, é um espertalhão.
Era, mas deixou de ser accionista da MEO, e da Altice, ou vice-versa, por obra e graça de engenharias de advogados, também eles espertalhões, especialistas em assuntos escuros. Agora é só conselheiro do seu amigo Drahi. Em contrapartida, segundo o que se deduz das notícias de hoje, passou agora a ser apenas beneficiário de 20% dos lucros pessoais do seu patrão, Patrick Drahi. 

Do mesmo ninho já voaram outros cucos, entre outros, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, e o maior deles, mas também o mais desastrado, Ricardo Salgado.
 
No meio do turbilhão de tantos voadores atípicos que esvoaçam, a gozar o voo, rente ao Ministério Público, não é fácil apanhá-los à mão.  E o Ministério Público, já está há muito demonstrado, é geralmente inábil a apanhá-los no ninho.

Obs. - Cuco é uma espécie parasita: não constrói, ninho deposita os seu ovos nos ninhos de outras aves.

"Contrato que Drahi fez com Armando Pereira é “atípico” - vd aqui
 Armando Pereira tem direito a uma fatia de 20% dos lucros pessoais do patrão da Meo, Patrick Drahi. Acordo não é habitual, mas também não é “ilícito”, pelo menos aos olhos da lei portuguesa, garante advogado. 
Motivo do pagamento a Pereira não foi desvendado por Drahi. Benoit Tessier/Reuters 
Armando Pereira, que está indiciado de 11 crimes de corrupção ativa e passiva, não detém qualquer ação na Altice, mas tem direito a 20% “do interesse económico pessoal” do maior acionista do grupo, Patrick Drahi. A informação foi divulgada pelo próprio Drahi, numa conversa com atuais e potenciais. investidores."

Altice contrata Vieira de Almeida e Uría e admite processar suspeitos do caso Picoas

Wednesday, August 09, 2023

PERFIL DE UM MILITAR DE ABRIL

O Público, vd. aqui, entrevistou Garcia dos Santos, que, dentro de dias, completará 88 anos de idade, contava 39 anos anos no dia 25 de Abril de 1974, e fizera parte do grupo de militares que na véspera, comandado pelo major Otelo Saraiva de Carvalho, instalou secretamente o posto de comando do movimento revolucionário no quartel da Pontinha, em Lisboa. Entre esses militares estava o então tenente-coronel Garcia dos Santos, responsável pelas transmissões (vd. Cronologia da Revolução dos Cravos, aqui).

O general Garcia dos Santos já concedeu outras entrevistas, nomeadamente ao Público em 18 de Maio de 2001, ao Observador em 18 de Junho de 2014, à revista Sábado em 11 de Agosto de 2019. Não me teria a minha paciência consentido observar o percurso deste "militar de Abril" se a mais recente entrevista concedida ao Público não me tivesse suscitado alguma reflexão sobre um golpe militar que imediatamente suscitou adesão pública generalizada e provocou inequívocas alterações na sociedade portuguesa sem, contudo, erradicar alguns dos seus  atavismos.
 
O quinquagésimo aniversário do 25 de Abril de 1974 acontecerá dentro de cerca de nove meses, até essa data e depois dela haverá celebrações de enaltecimento de uma data que será sempre um marco histórico neste país. Daqui a cerca de 3 meses será o 49º aniversário do 25 de Novembro de 1975, uma data maldita para aqueles, militares ou civis, que após o 25 de Abril de 1974 quiseram que o país percorresse um caminho para outra ditadura que o 25 de Novembro de 1975 barrou com a participação do general Garcia dos Santos, e permitiu que a libertação sentida a 25 de Abril de 1974 finalmente acontecesse. 
 
Há várias afirmações de Garcia dos Santos na atrás citada entrevista de Ana Sá Lopes, claramente benevolente,  que mereciam contraditório esclarecedor, tanto mais que algumas das afirmações do entrevistado já tinham sido passivamente recolhidas em entrevistas anteriores:
 
" Um dia perguntaram-me se eu queria participar numa dessas reuniões com os capitães. “Tenho muito gosto nisso, muito prazer.” Comecei a assistir às reuniões que ele faziam…. sobretudo discutiam sobre o seu estatuto político e militar. Nunca na altura falaram da hipótese revolucionária...
...(hipótese) que veio mais tarde. Fui a várias reuniões até que um dia, numa reunião, houve alguém que disse “isto só vai” — desculpe o termo — “só vai à porrada”. Foi o termo utilizado no sentido de resolver os problemas que estavam a acontecer. E quais eram esses problemas? A guerra estava a avançar cada vez mais na Guiné, Angola e Moçambique. O pessoal não chegava. Nessa altura, o Governo resolveu fazer uma coisa que não lembrava ao diabo. Promover os milicianos que ficavam voluntariamente no serviço militar a oficiais do quadro permanente e a capitães! E inclusivamente a ficarem com uma antiguidade maior do que os do quadro permanente, os profissionais militares."
"Isso deu origem a que o pessoal do quadro permanente reagisse. Havia capitães com o grau de capitão e que eram mais antigos dos que os do quadro permanente e não tinham, de facto, as qualificações que tinham os do quadro permanente. E então começou a discussão de que isto tem de se resolver de qualquer maneira. Inclusivamente “à porrada”, como já tinham dito."
 
É muito evidente a conclusão que pode retirar-se destas palavras de Garcia do Santos: o 25 de Abril de 1974 consagrou um golpe militar germinado por interesses corporativos, pela exaustão e pela saturação dos quadros profissionais qualificados nas academias militares mas o parto da democratização teria de aguardar cerca de dezanove meses pela passagem de confrontos entre facções militares que atravessaram o "verão quente de 1975" e só em 25 de novembro desse ano começaria a estabilizar-se. 
 
Muito relevante para as razões que inquestionavelmente forjaram o golpe  é a afirmação de Garcia dos Santos "o Governo resolveu fazer uma coisa que não lembrava ao diabo. Promover os milicianos que ficavam voluntariamente no serviço militar a oficiais do quadro permanente e a capitães! E inclusivamente a ficarem com uma antiguidade maior do que os do quadro permanente, os profissionais militares."
Ainda bem que, não lembrando ao diabo, lembrou ao governo, donde se conclui que o diabo esteve, no momento daquela decisão do governo, do lado do parto da liberdade: Se o governo não tivesse tido aquela ideia não diabólica, se os oficiais profissionais não tivessem visto aos seus camaradas milicianos sido garantidos direitos que, do ponto de vista dos oficiais profissionais, prejudicavam as carreiras destes, não teria havido uma sublevação determinada por aquela opção do governo. E não teria havido o 25 de Abril de 1974!
 
Teria havido, certamente mais tarde. Se o levantamento das Caldas, a 16 de Março, não determinou que o governo tivesse garantido a lealdade dos quartéis é porque o regime já não estava condições para se aguentar com um abalo melhor preparado. "A guerra estava a avançar cada vez mais na Guiné, Angola e Moçambique. O pessoal não chegava", reconhece Garcia dos Santos. Os profissionais estavam exaustos com tantos anos de guerra e a guerra tinha, naturalmente, desmotivado a adesão de mais milicianos, as academias militares não eram atractivas em tempos de guerra. 

Há uma dívida do país aos "Capitães de Abril"?
Talvez, mas, sinceramente, não sei porquê.
Em 28 de Maio de 1926 os militares derrubaram a Primeira República Portuguesa e completaram, com a Igreja e o Partido Único,  o tripé que sustentou a ditadura durante 48 anos, treze dos quais queimados numa guerra que não podia ser ganha pelos portugueses. Decorreram entretanto outros tantos 48 anos durante os quais o país, nem sempre sem sobressaltos mas em democracia, progrediu, ainda que com notórias insuficiências, em todos os vectores do desenvolvimento humano  - educação, saúde, paz social - , tornou-se membro de pleno direito da Comunidade Europeia. 
Não são estes 48 anos suficientes para serem ser consideradas saldadas as contas com os militares?
Até quando têm de continuar ritos de agradecimento a quem devolveu o que retiraram?
Por que devemos continuar a pagar tributo por um direito restituido na sequência de razões, provavelmente respeitáveis mas iniludivelmente corporativas?
 
Tanto mais que nas palavras de Garcia dos Santos ressoam ressentimentos castrenses relativamente a quem, para o bem ou para o mal, foi eleito democraticamente. Não me cabe a mim julgar até que ponto Garcia dos Santos tem razão quando acusa ou denuncia nas entrevistas  que pesquei na net. Mas posso avaliar o temperamento de um militar envolvido no golpe de 25 de Abril e na contenção do contra golpe a 25 de Novembro, e a minha avaliação perscruta um carácter ressentido de má consciência. Reflecte este perfil, ainda que aproximadamente, os dos que foram seus companheiros na guerra e nas revoltas? Espero que não mas receio que sim.
 
Na entrevista do Público de Agosto de 2001, João Cravinho, então ministro que tutelava a Junta Autónoma da Estradas  é considerado como "parvo" e "traidor"; o anterior ministro das Finanças, Sousa Franco, que numa carta enviada a Garcia dos Santos terá dito "saber dos problemas de corrupção e quem são as pessoas envolvidas", é acusado de ser "cobarde", uma vez que "manda as bocas e depois não sabe assumir a responsabilidade das coisas que diz";  traça o perfil de António Guterres, considerando-o como "o espelho do país" e caracterizando por andar "um bocado ao sabor dos interesses"; Em relação ao financiamento dos partidos, Garcia dos Santos considera que, "por muitas leis que se façam, continuará a existir por debaixo da mesa", referindo que este financiamento se faz "através dos empreiteiros".
Na entrevista do Observador de 18 de Junho de 2014, Garcia dos Santos acusa o Presidente da República Cavaco Silva de ser cobarde e o principal culpado da situação do país. Num almoço comemorativo dos 40 anos do 25 de abril, na sede da Associação 25 de abril, o general afirmou que “Portugal anda sem rumo” e acusou Cavaco de ser “um cobarde e uma nulidade completa”. Lembrando o percurso académico e político de Cavaco Silva, Garcia dos Santos defendeu ainda que o Presidente “sabia perfeitamente como devia pôr cobro à situação que o país atravessa”: há cinco anos “devia ter dado dois murros na mesa” e chamado os partidos para se entenderem a fim de resolver os problemas do país. 
Na entrevista dada à revista Sábado, em 11 de agosto de 2019, Garcia dos Santos garante, em título não confirmei no texto completo, apenas disponível para assinantes,  que “sempre fui de resolver os problemas à facada”. Deixou Mário Soares de mão estendida, disse a António Ramalho Eanes as queixas que tinha, deu ordem de prisão a um general e a um amigo, usava a bofetada como disciplina. Uma vez exoneraram-no, noutra bateu ele com a porta. Nunca deixou nada por dizer."
Na entrevista do Público, ontem,  que transcrevo, afirmou que não gosta de Cavaco Silva nem pintado. "Disse-o mais do que uma vez. Houve uma vez, eu já estava na reserva, fui a uma cerimónia fardado de propósito. E no fim da cerimónia havia a sessão dos cumprimentos. O Presidente da República estende-me a mão para me cumprimentar e eu fico a olhar para ele e ele de mão estendida. Aquilo foi um silêncio de morte. O Presidente da República de mão estendida e eu a não ligar-lhe nenhuma. A certa altura, faço direita volver e cumprimento o militar que estava lá. No almoço a seguir discutiram se haviam de me mandar prender por desrespeito ao Presidente da República."