Mais de 11.000 pessoas assinaram petição contra nome da Ponte D. Manuel Clemente
Chovem as petições de um lado e do outro, uns a favor outros contra, a maioria, como sempre, ignora e abstém-se.
Este atavismo de dar nomes a tudo o que é construido com o dinheiro de todos, ao sabor das circunstâncias políticas preponderantes de cada momento, é reflexo de uma cultura social habituada a gerar e adorar ídolos de barro, que o tempo se encarregará de desmoronar.
Construiu-se uma ponte pedonal sobre o Rio Trancão. É a ponte do Rio Trancão, um rio que todos os que, ainda há poucos anos, se aproximavam da entrada de Lisboa reconheciam pelo fedor nauseabundo com que a mínima brisa intoxicava o ar. O Trancão, que desagua no estuário do Tejo, chegou a ser considerado um dos rios mais poluídos da Europa.
Já não é, e na ponte sobre o Trancão, construída a jusante do viaduto sobre a auto-estrada, ligando, naquele ponto, os concelhos de Lisboa e Loures, e por onde ainda não passei, pode agora, certamente, respirar-se ar quase puro. Esta é uma boa notícia, sem ela a travessia pedonal sobre o Trancão seria atravessar um esgoto intenso a céu aberto.
A Ponte do Trancão é um nome que deixou de envergonhar o rio. Porquê mudar-lhe o nome e gerar discussões que não servem para nada nem para ninguém? Ficará o nome de Dom Manuel Clemente mais limpo se a Ponte do Trancão passar a ser a Ponte Dom Manuel Clemente? A Ponte do Trancão será sempre a Ponte do Trancão como o aeroporto de Lisboa, ali tão perto, será sempre o aeroporto da Portela até que o tirem de lá; como a Praça do Areeiro será sempre Praça do Areeiro e o Terreiro do Paço o Terreiro do Paço; o Rossio será sempre o Rossio, quem passa pelo Rossio quer lá saber quem é aquele que colocaram em cima de um pedestal, só as pombas o mimoseam no cocuruto com defecações por turnos; se à primeira Ponte sobre o Tejo tivesse sido dado o nome de Ponte de Almada, os nomes que lhe deram não se apagariam com o tempo como já aconteceu ao primeiro e, possivelmente, acontecerá ao segundo.
A espécie humana, e nisto também se distingue dos outros seres vivos, parece não poder viver sem ídolos, incensa-os nos coliseus, nos estádios e em toda a parte para onde as convicções de cada momento os convocam e, mais tarde ou mais cedo os derrubam ou, mais desprezivelmente, os ignoram.
Nós, portugueses, temos uma tradição, congénita talvez, de idolatrar em grande. Um exemplo, entre vários à escolha, a estátua do Marquês de Pombal, com 55 metros de altura total, uma dimensão claramente excessiva para a dimensão daquela rotunda, compete em grandeza de pedra e bronze com a de Nelson em Trafalgar Square.
Num ranking de estátuas equestres, Lisboa pede meças a qualquer capital do mundo porque certamente ficará bem alto, se não pelos feitos que celebram, pelos números.
--- Bom senso às 13:45 de hoje : O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, pediu para que o seu nome não seja atribuído à ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, na sequência da polémica gerada nos últimos dias.
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