Monday, February 08, 2016

PEQUENAS HISTÓRIAS CONFISCAIS

Liguei para o F., estava ele a apanhar laranjas.
- Este ano é o ano dos citrinos. As laranjas, então, são muitas e boas, disse-me ele, contente com a prodigalidade de meia dúzia de árvores que plantou no quintal, ali para os lados de Sesimbra.
Quando se consegue evitar que a mosca do mediterrâneo, a cochonilha, e outros assaltantes, não nos derrubem os frutos, a laranjeira é a mais fiel e formosa das árvores fruteiras, e o limoeiro a mais pródiga.
Há quem não lhe apanhe os frutos, ou porque não goste de fruta ou porque prefere o gosto de as ver sempre de verde e dourado.

Já o A., apanha apenas algumas laranjas de muitos milhares que crescem numas largas centenas de árvores na sua propriedade no Baixo Alentejo. E quase nenhuma azeitona de algumas toneladas que crescem para lá do laranjal.
- Não apanhas as laranjas A.?
- Nem as laranjas nem a azeitona? E sabes porquê? Para não perder mais dinheiro. Se arranjo pessoal para a apanha tenho de lhes pagar sem recibo porque é malta que não tem emprego certo, vive do subsídio de desemprego, se passa recibo perde o subsídio. Depois, o que as fábricas pagam por quilo é pouco mais que o custo da mão-de-obra. Sem recibos não poderia contabilizar custos e pagaria impostos sobre lucros iguais às vendas. 

O A.J., por outro lado, hesita em vender uns eucaliptos que plantou há quinze anos porque o fisco não quer saber de custos e tributa como matéria colectável 15% do valor das vendas, talvez presumindo que se trata de um negócio chorudo. Se vende passa de escalão de IRS, e lá se vai o débil rendimento de um investimento a quinze anos.

O R. tem um terreno que não cultiva há largos anos, mas o imposto fundiário é reduzido. Apareceu um comprador e o preço era razoável mas o imposto do rendimento englobado leva-lhe mais de metade do valor acordado. Não vende.

O fisco premeia a inactividade.


Meio quilo de laranja

3 comments:

Francisco Carvalho said...

Sendo eu o F. congratulo-me com o teu post e concluo: mais vale não vender (não se ganha para a mecha da candeia!). Por mim cultivo para usar e para dar...os limões é que são tantos que não consumo e ninguém quer...para quando 'obrigar' a cultivar a terra?...

iv said...

Qualquer atividade economica só deve ser empreendida se os retornos ultrapassarem os custos. Mas é preciso contabilizar todos os retornos e todos os custos (e sim, incluindo custos fiscais, e já agora, custos de oportunidade). Não é sério dizer que qualquer um deles "está a impedir a produção".

Se alguém for apanhar os frutos ao pomar do seu amigo (sem lhe dar qualquer compensação) e os vender, suponho que ele tente impedir isso? Será que o seu amigo estaria assim a implementar uma politica "anti produção"?

Rui Fonseca said...


Iv, obrigado pelo seu comentário.

Iv afirma que é preciso contabilizar todos os retornos e todos os custos, incluindo os custos fiscais. Tem toda a razão.

Acontece que há, ainda há, pequenas produções agrícolas que não deveriam ser tributadas. A agricultura em geral é uma actividade que em muitos países é até subsidiada. Na Suiça, p.e., o subsídio atinge valores muito elevados. Acontece que esses subsídios em Portugal dirigem-se sobretudo para um restrito número de explorações com grande dimensão.
Castigar fiscalmente as pequenas produções é um erro enorme porque destrói uma parte, ainda que relativamente pequena, da economia. E promove o aceleramento do abandono da terra.

Por outro lado, a tributação de transacções de pequenas parcelas de terreno desincentiva o emparcelamento, impedindo uma reestruturação da propriedade que permita a racionalidade económica que o Iv. começa for referir.