Saturday, October 09, 2010

BASE ZERO

O coordenador do BE, suponho não estar equivocado com a designação do cargo, dizia há dias que o Orçamento de Estado deveria ser construido a partir de uma base zero porque só desse modo se evitaria que se prolongassem anualmente as distorções  e se criticassem as razões dos valores orçamentados pelos serviços. E tem toda a razão. Aqueles que mais se alambazaram no passado são os que continuam a reclamar mais no futuro. É sobejamente conhecida a preocupação dos (i)responsáveis pelo esgotamento das verbas orçamentadas num ano com o objectivo de garantir a sua repetição majorada no ano seguinte.

Louçã, no entanto, sabe, e aliás reconheceu, que a construção de um OBZ requer um prazo (um ano, disse ele) que não se compadece com a dramática urgência que os credores impõem à aprovação do OE para 2011. O que não impediria que a proposta não fosse válida e recomendável para os anos seguintes. 

Há no entanto um pressuposto crítico que, propositadamente ou não, não ocorreu a Louçã: A construção de um OBZ sobre a actual arquitectura, central e local, da administração pública poderia quanto muito rebocar a fachada mas não reequilibraria o edifício em vias de derrocada. Um OBZ construido sobre os mesmos órgãos locais e centrais do Estado (desde as juntas de freguesia, os concelhos, os governos civis, as direcções gerais, as comissões, os institutos públicos, as empresas municipais, os ministérios) e as mesmas conivências (assessores, consultores, gabinetes de advocacia, compadrio partidário, financiamento dos partidos, etc) seria um arremedo de um OBZ, porque o sustentáculo da base seria o mesmo. 

Ora Louçã sabe muito bem que uma tal reestruração global do Estado implicaria, antes de mais, de um governo sustentado por uma maioria parlamentar clara, capaz de explicar as razões das medidas tomadas e negociar com os sindicatos. Acontece que nem temos esse governo nem tem havido essa vontade. A intenção de concentrar alguns institutos públicos é pressionada de fora porque os juros ameaçam e o FMI está à espera que o mandem entrar.

Quanto ao OE 2011, o mais provável é que venha a ser aprovado com a abstenção, tardia, do PSD.
Não há alternativa, a menos que o líder do PSD insista em querer desbaratar o benefício da dúvida que os portugueses sempre têm de entregar a alguém. Apostar neste momento em eleições gerais antecipadas seria um sucídio político porque seria uma calamidade ainda maior para o país e o PSD, justa ou injustamente, co-culpado dela. Quanto mais tarde for conhecido o sentido de voto do PSD mais cresce a desconfiança dos credores na solvência das nossas finanças públicas e a desconfiança dos portugueses numa alternativa ao actual governo. Há vários deputados do PSD a dizer mais ou menos isto.

Bastará, no entanto, a abstenção, ou mesmo o mais que improvável apoio do PSD, à proposta de OE do Governo, eventualmente ligeiramente alterada, para "acalmar os mercados" e reduzir o défice para a barreira dos 4,6% no fim do próximo ano? Oxalá que sim. 

Mas creio que não. Porque os credores não se convencerão com uma votação tirada à força e continuarão a julgar que a instabilidade política e social não darão tréguas ao Governo. E o cerne do problema está aí: num Governo minoritário, liderado por um homem obcecado em governar sozinho, usando todos os estratagemas para se manter na corda bamba enquanto o país de afunda porque não há condições mínimas para reformular a administração pública. 

Entretanto, o PR, prisioneiro de uma constituição que não previu a eventualidade do desastre, acredita que o OE passará nem que seja com um efeito "queijo limiano". Estaria a pensar numa indisciplina generalizada de voto na bancada parlamentar do PSD? Ou de cedências recíprocas à última hora?
Prováveis mas insuficientes para mudar o rumo errático do País.

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