Tuesday, September 16, 2008

O CU E A SERINGA


O presidente da Associação Sindical dos Juízes partilha da opinião do senhor Juiz Conselheiro Noronha do Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Consideram ambos que a possibilidade de, nos estritos limites da lei, um magistrado poder ser responsabilizado pelos prejuizos que cause a um cidadão por erro grosseiro (avaliado e declarado como tal por outro juiz), incapacita o magistrado de tomar uma decisão em consciência.
Esta afirmação, que tem vindo a ser repetida com insistência nos últimos dias (porque será?), é uma lamentável confissão de algo que não escrevo aqui. E não o faço porque a generalização é injusta e certamente teria por efeito a falta de respeito a muitos juizes que ao longo da minha vida conheci. Magistrados cuja consciência nunca cedeu a medos e a sua coragem e isenção nunca enfraqueceram perante quaisquer ameaças, muito mais sérias do que a exigência de assumir a responsabilidade pelos seus actos.
Resisto a dizer algo mais, mas confesso que não é fácil parar por aqui perante a face mais triste do corporativismo. Limito-me a deixar esta singela pergunta. Que sociedade estamos nós a construir quando quem é investido num mandato soberano que lhe confere a autoridade de exigir ao cidadão que preste contas e pague com a privação do bem mais sagrado que é a liberdade os erros cometidos, sinta que as suas decisões de consciência são condicionadas pela lei (que nem necessitava de ser escrita) que o não o isenta de responder pelos seus?
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Percebo que se o cirurgião corta uma coisa em vez de outra, o erro tem uma avaliação objectiva, não há dúvida.
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Mas se um juíz comete um erro grosseiro, eu entendo que esse erro não resultou de uma interpretação menos correcta de uma lei ambígua mas objectivamente da aplicação grosseiramente errada da lei. Se não, não pode ser grosseiro. Será um erro no entender de uns, nem tanto no entender de outros, erro nenhum segundo alguns. Mas erro grosseiro não pode ser outra coisa se não um erro objectivamente decorrente de uma interpretação completamente afastada da lei interpretada.
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Se do recurso para o MP resultar a confirmação da sentença em primeira instância (erro grosseiro) sobra alguma margem de desculpabilização (não reembolso do Estado) para o juíz que julgou grosseiramente? Não deveria sobrar.
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Mas, se pelo contrário, os desembargadores julgarem que o erro ou não existiu ou não foi grosseiro, há lugar a indemnização ao preso temporário sem retorno para o Estado? Não deveria haver.
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Eu percebo bem que o objectivo do seu post se situa noutro patamar. Acontece que não vejo como possa apreciar-se a responsabilização dos juízes sem escalpelizar que graus assumem e que consequências têm as suas decisões. O juíz presidente do Supremo faz coro corporativo com a Associação de Juízes. Pretendem o quê? A imunidade sem reservas.
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Se apenas o erro grosseiro dá cabimento a uma reclamação de indemnização por responsabilidade extra contratual do Estado, esse erro deve ser pago por quem grosseiramente o cometeu. Se decorre de um erro não grosseiro, que pode ocorrer em qualquer actividade humana, não deverá haver lugar a indemnização alguma.
Isto é o que pensa o homem comum. Há razões para a justiça se situar para além do entendimento comum. Nesse caso, serve quem?
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Em matéria de responsabilidade extra contratual do Estado a subjectividade termina se o erro for pago por quem o cometeu de forma grosseira, por interesse próprio ou falta de capacidade profissional elementar.

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