Tuesday, September 09, 2008

ESTE PAÍS TAMBÉM NÃO É PARA OS NOVOS

Rui,

Quando "resolvi" optar pelo curso de economia, atraía-me a perspectiva de compreender fenómenos que mexem com a nossa vida de todos os dias e para os quais não tinha resposta ou, se julgava que as tinha, não percebia porque razão não eram postas em prática.

Logo que comprei o livro de Economia I, lancei-me com sofreguidão às páginas do Professor Moura e não precisei de ler mais de meia-dúzia de linhas para experimentar o primeiro sobressalto: os recursos são escassos!Rapidamente refeito desse susto, não tardei a encarar essa afirmação não como uma ameaça mas como um desafio: mais à frente, alguém me iria decerto explicar como é que a Economia se propunha lidar com esse problema, a bem da humanidade.

Mais tarde, a propósito da espiral preços-salários, nova inquietação: sendo os assalariados também consumidores, não estariam os patrões a ser incongruentes ao condicionarem os aumentos salariais, limitando desse jeito o poder de compra e o crescimento da procura? Para quê preocupar-me? A resposta estaria decerto exemplarmente contemplada nalgum capítulo sobre a formação do preço, numa das muitas sebentas que, passe a ironia, haveriam de me ensaboar o juízo até ao fim do curso.

Passou o tempo que o meu tempo tem e hoje sei que esses e outros conceitos paralelos que fui acumulando se converteram em axiomas que a Economia interiorizou e se limitou a gerir a favor dos suspeitos do costume.
Vem isto, meu caro Rui, a propósito da Conversa de Velhos que teve lugar na Figueira da Foz e que te mereceu a surpreendente quão lapidar conclusão de que não há trabalho para todos e que, nesta matéria como em muitas outras, prevalece a lei da oferta e da procura. Mais um axioma a enriquecer a minha colecção.

Eu sei que este país não é para velhos (infelizmente parece não ser também para novos), mas gostaria de pensar que poderia sê-lo e assim contrariar o determinismo das teses axiomáticas.Como sei que os recursos são escassos, mas gostaria de pensar que poderiam ser suficientes, se não nos resignássemos a catalogá-los e arquivá-los como uma espécie de "colde case".E também sei que as limitações salariais são a primeira prioridade de qualquer reestruturação empresarial, mas gostaria de admitir que há formas socialmente mais equilibradas de repartir o sacrifício, quando este se justifique.

Dito de outro modo, gostaria de pensar que ao "escolher" a Economia, no pressuposto de que esta se preocupa com o estudo dos meios de satisfação das necessidades humanas, optei pelo primado dos problemas das pessoas e das condições para os resolver sobre a vacuidade dita científica de certas teses economicistas.
Um abraço
AM
PS-Usei as expressões "resolvi" e "escolher" porque me dão a ilusão de ter sido uma opção pessoal. Pu-las entre aspas para significar que, em rigor, à época não tinha alternativas. Daí talvez esta visão "bizarra" sobre o papel da Economia.
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Caro Artur, Meu Velho Amigo,
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Gostaria, antes de mais, agradecer-te o tempo que dedicaste a comentar umas divagações internéticas minhas. E também a clareza e a clarividência com que sempre abordas as questões que discutimos, qualidades que em ti não irão nunca esgotar-se, nem todos os recursos, afinal, são escassos.
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Meu Caro Artur: O que posso eu acrescentar ou contraditar aquilo que escreveste? Nada de novo.
O mundo seria uma maravilha se o pudessemos endireitar dos entorses que apresenta desde que lhe apareceu à superfície o primeiro ser inteligente. O problema é que não sabemos como isso se faz. Mesmo os profetas que têm aparecido em palco propondo-se corrigir a rota deste combóio meio caótico em que seguimos entre duas estações, o mais que têm conseguido é ampliar-lhe os balanços.
Eu também penso, e referi isso no meu post, que acerca da bondade da utilização das competências, quaisquer que sejam as suas idades, ninguém discorda. O problema coloca-se, no entanto, de forma inultrapassável, pela afluência de candidatos que excedem as vagas disponíveis. Daí também a tua conclusão desanimada de que ... "este país não é para velhos (infelizmente parece não ser também para novos)".
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Nada a fazer, portanto?, perguntas-me tu, sempre que chegamos a um beco sem saída.
Este problema não é exclusivo deste país. A história demonstra e as leis da economia comprovam que o homem caminha, se entretanto não fizer desaparecer o caminho, para uma sociedade global onde o trabalho, no sentido tradicional do termo, será um bem cada vez mais escasso. E digo um bem no sentido não figurado do termo. O homem tem impregnada no seu ADN a necessidade de produzir. Sem trabalho o homem marginaliza-se e destrói-se. Antes de ser uma forma de sustentação e de sobrevivência, o trabalho é uma necessidade primária da espécie humana. Não é por acaso que se fala do "direito ao trabalho" em vez da "obrigação de trabalhar".
Sendo ilimitadas as capacidades de produção são limitadas as capacidades de consumo. Numa economia cada vez mais global (e seria pior se o deixasse de ser) a competitividade promove a aceleração da produtividade e esta a dispensa de trabalhadores. As saídas possíveis são a produção para desperdício (que já é muito frequente) ou a destruição (guerra) para recomeçar de novo. Nada aconselhável, portanto.
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Claro que não vivemos, felizmente, num mundo acabado e mesmo os arredores mais próximos (a África, por exemplo) só agora começam a despertar para o desenvolvimento. E, nem precisamos de ir mais longe, mesmo em Portugal há muita coisa por fazer.
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Nada disto, contudo, contraria as consequências que a habilidade humana consegue: produzir cada vez mais com menos esforço. Assim sendo, os horários de trabalho tenderão a reduzir-se, os períodos de férias a aumentar, as reformas a anteciparem-se.
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Até que um dia, quem quiser trabalhar tem de pagar.
Aqui e ali, já vai acontecendo.

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