Wednesday, October 04, 2006

JOVENS & LIBERAIS, Lda

Comentário colocado em My Guide, a propósito de "O exemplo de Antuérpia".

Caro Sérgio,

Li o seu artigo no "Dia D" e alinhavei mentalmente umas reflexões que ele me sugeriu. Aqui lhe deixo, com o atraso que outros entretenimentos me impuseram, essas cogitações passadas a escrito.
O liberalismo foi plantado, em Portugal, de estaca, sem raízes, e nunca enraizou bem. A revolução industrial nunca por aqui passou, aliás por aqui nunca passou nenhuma revolução, digna desse nome, depois de 1385. De modo que passámos directamente de uma economia agrária de subsistência para outra de subsistência estatal. Por falta de engenhos para produzir coisas produzimos burocratas.
Ajudou muito nesta transferência a índole individualista do português. À maneira de uma glicínia que encostei à parede e amarinhou por ela até me escavacar o telhado, o português adora o Estado para se apoiar e são os ramos que crescem lá em cima que vão dando cabo do edifício.
É neste contexto que aparecem na blogosfera os jovens liberais. Com pelo menos tanto vigor como a insinuante glicínia.
O que não deixa de ser curioso num país em que os dois principais partidos têm o mesmo nome, ainda que o de um deles seja alcunha, mas nenhum outro se reclama ou já reclamou de liberal.
Eu vejo este movimento jovem-liberal com a maior atenção e grande curiosidade de saber quando é os cronistas vão voar do poleiro para a ribalta política. Porque esse voo é, do meu ponto de vista, importante para mexer águas paradas e discutir algumas questões na praça pública. Porque a intervenção bloguística ou nos jornais atinge a sério apenas meia dúzia de carolas.Os jovens liberais são mais dados ao proselitismo da sua fé do que a obras nesta terra.
Explico-me:O subsídio, em princípio, distorce e enfeza. Estamos de acordo. A intervenção estatal na economia é bastas vezes perversa.Mas, à semelhança do que dizem os homens das mulheres, e vice-versa, não podemos passar sem ele. O que podemos, e devemos, é discutir e acertar o tamanho que nos convem.E é dessa discussão que poderá nascer, deveria nascer, um consenso alargado acerca das linhas mestras da nossa vivência em sociedade. Porque dessa discussão nasceria, virtuosamente, a discordância alargada que poderia remeter alguns jovens irredutíveis liberais para as alturas a que chegaram as abusadoras pontas mais altas da tal glicínia.
Quantos jovens irredutíveis liberais beneficiaram do subsídio de uma Universidade Pública quase gratuita?
Quantos se doutoraram ou estão a doutorar-se, com subsídio?
Quantos estariam dispostos a repô-lo se fossem convocados?
Quantos se empregam no Estado e blogam nas horas de serviço?
A lista é enorme e as interrogações, que ela suscita, infindáveis e muito diversas.
Já agora, e a propósito, termino para comentar o título da sua crónica. Aliás, tinha inicialmente pensado não passar daí. Porque ele sugere um mundo de questões que estão do outro lado da sua perspectiva.
Se não, vejamos:
Imaginemos que os líderes da cidade tinham dado aos mercadores inteira liberdade de acção. Em situação de cidade sitiada a escassez de recursos exacerba-se. Os preços teriam subido mais alto que a glicínia, a breve trecho só comprava alimentos quem tivesse a arca cheia. Os outros iriam morrer de inanição segundo uma incontornável lei de resistência marginal. A breve trecho, até as arcas repletas teriam passado de mãos para os mercadores e a cidade sitiada, de qualquer modo, seria tomada por falta de gente convenientemente sustentada.
Aliás, o (mau) exemplo de Antuérpia, precisamente por isso, nunca aconselhou ninguém a colocar nos mercadores o abastecimento público em tempos de racionamento.
O que não quer dizer que muitas fortunas não tenham sido acumuladas pela prática da candonga.

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