Já foi dito e demonstrado que o actual primeiro-ministro é mui hábil manobrador.
Mas não há habilidade que chegue se o espaço de manobra se estreita e deixa o manobrador sem margem de manobra.
Depois da tragédia de Pedrogão Grande e arredores percebeu-se muito nitidamente que, para além das circunstâncias naturais excepcionais, a protecção civil do território estava entregue a um conjunto de gente geralmente incompetente. A ministra da Administração Interna, soube-se esta manhã, pediu a demissão, mas o primeiro-ministro sempre confiante no seu jeito e na boa estrela procurou safar-se entre a chuva de sangue que caiu naquela noite de um Junho normalmente tórrido. E não aceitou o pedido de demissão da ministra obrigando-a a desempenhar um papel que ela não queria continuar a exercer.
Terá o ministro da Defesa, embrulhado em discursos contraditórios no caso de Tancos, também visto recusado pedido de demissão que o mais elementar sentido de Estado impunha? Não sabemos, mas as dúvidas levantam-se e não se dissipam porque o primeiro-ministro insiste em refugiar-se atrás das atribuições do Ministério Público ignorando o óbvio: independentemente da identificação dos larápios e eventuais coniventes, em Tancos havia, e continua a haver, cadeias de comando com responsabilidades fixadas que já devem ter identificado, mas não dizem, quem não estava onde devia ter estado e porquê. Não dizem esperando que o tempo passe e a memória colectiva se esqueça. *
Ontem, não tão inesperadamente quanto as memórias curtas terão sido levadas a supor, o Presidente da República, interpretando o espanto e o desespero dos portugueses foi claro e disse e fez o que se impunha, impedindo que a habilidade do primeiro-ministro pretendesse continuar a escapar intocado entre os pingos grossos de uma segunda chuva de sangue. Ordenou-lhe que revisse os quadros e os esquemas e apresentasse desculpas aos portugueses, assumindo, reconhecendo, que, entre outros, os serviços de protecção civil tinham provado que não tinham protegido o que deviam ter protegido.
E agora, sr. primeiro-ministro, como se despe a soberba e veste a dignidade de obedecer e pedir desculpas? Logo, veremos.
E agora, srª Catarina Martins, como sustenta a continuidade deste Governo, que circunstâncias inevitáveis obrigaram a tergiversar quando prosseguia uma caminhada de sucesso que parecia imparável? Não tem alternativa, tem de garantir-lhe o voto de confiança que os comunistas não garantirão nem negarão.
Ou caem todos sem se saber quem se levanta.
---
* Segundo notícia de última hora, "Armamento roubado em Tancos foi recuperado pela Polícia Judiciária Militar O material de guerra foi encontrado esta noite na região da Chamusca."
A polícia fez o que lhe competia. Falta ao Governo fazer o que lhe compete. Há responsabilidades políticas a que não pode esquivar-se. Caso contrário, para que serve o Ministério da Defesa?
---
Correl. -
Ontem, não tão inesperadamente quanto as memórias curtas terão sido levadas a supor, o Presidente da República, interpretando o espanto e o desespero dos portugueses foi claro e disse e fez o que se impunha, impedindo que a habilidade do primeiro-ministro pretendesse continuar a escapar intocado entre os pingos grossos de uma segunda chuva de sangue. Ordenou-lhe que revisse os quadros e os esquemas e apresentasse desculpas aos portugueses, assumindo, reconhecendo, que, entre outros, os serviços de protecção civil tinham provado que não tinham protegido o que deviam ter protegido.
E agora, sr. primeiro-ministro, como se despe a soberba e veste a dignidade de obedecer e pedir desculpas? Logo, veremos.
E agora, srª Catarina Martins, como sustenta a continuidade deste Governo, que circunstâncias inevitáveis obrigaram a tergiversar quando prosseguia uma caminhada de sucesso que parecia imparável? Não tem alternativa, tem de garantir-lhe o voto de confiança que os comunistas não garantirão nem negarão.
Ou caem todos sem se saber quem se levanta.
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* Segundo notícia de última hora, "Armamento roubado em Tancos foi recuperado pela Polícia Judiciária Militar O material de guerra foi encontrado esta noite na região da Chamusca."
A polícia fez o que lhe competia. Falta ao Governo fazer o que lhe compete. Há responsabilidades políticas a que não pode esquivar-se. Caso contrário, para que serve o Ministério da Defesa?
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Correl. -
O PINHAL DO REI
Catedral verde e sussurrante, aonde
A luz se ameiga e se esconde
E aonde, ecoando a cantar,
Se alonga e se
prolonga a longa voz do mar:
Ditoso o «Lavrador»
que a seu contento
Por suas mãos semeou este jardim;
Ditoso o Poeta que lançou ao vento
Esta canção sem fim ...
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Rei Dom Dinis, bom
poeta e mau marido,
Lá vêm as velidas
bailar e cantar.
Encantado jardim da
minha infância,
Aonde a minh'alma aprendeu
A música do Longe e
o ritmo da distância,
Que a tua voz marítima
lhe deu;
Místico órgão cujo
além se esfuma
No além do Oceano, e
onde a maresia
Ameiga e dissolve em
bruma,
E em penumbras de
nave, a luz do dia.
Por este fundos
claustros gemem
Os ais do Velho do
Restelo ...
Mas tu debruças-te
no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos troncos
de saudosos fremem .
Ai flores, ai flores
do Pinhal louvado,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal louvado,
São as caravelas,
teu corpo cortado,
É lo verde pino no
mar a boiar.
Pinhal de heróicas
árvores tão belas,
Foi do teu corpo e
da tua alma também
Que nasceram as
nossas caravelas
Ansiosas de todo o
Além;
Foste tu que lhes
deste a tua carne em flor
E sobre os mares
andaste navegando,
Rodeando a terra e
olhando os novos astros,
Ó gótico Pinhal
navegador,
Em naus erguida
levando
Tua alma em flor na
ponta alta dos mastros!...
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que grande saudade,
que longo gemido
Ondeia nos rames, suspira no ar!
Na sussurrante e
verde catedral
Oiço rezar a alma de
Portugal:
Ela aí vem, dorida,
e nos seus olhos
Sonâmbulos de surda
ansiedade,
No roxo da tardinha,
Abre a flor da
Saudade;
Ela aí vem, sozinha,
Dorida do naufrágio
e dos escolhos,
Viúva de seus bens
E pálida de amor,
Arribada de todos os
aléns
De este mundo de dor;
Ela aí vem, sozinha,
E reza a ladainha
Na sussurante
catedral aonde
Toda se espalha e
esconde,
E aonde, ecoando a
cantar,
Se alonga e se
prolonga a longa voz do mar…
In "Ilhas de Bruma", de Afonso Lopes Vieira,
(1878-1946)
D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Fernando Pessoa
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