"Aparentemente agora estamos em guerra com o mundo inteiro, como na Segunda Guerra Mundial. Toda a Europa está contra nós. Nunca gostaram da Rússia", disse Minnekaev, comandante do Distrito Central do Exército.
Miguel Sousa Tavares desabafava aqui, no Semanário Expresso da semana passada, que se sentia sufocado com os comentários contraditórios suscitados pelas suas suas posições (foram várias, evoluindo semanalmente) relativamente ao arrasamento da Ucrânia e, pateticamente, repetiu cinco vezes, entre cada parágrafo do seu texto:
- A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
Sousa Tavares podia ter ficado por aqui mas (sempre o mesmo renitente mas) repetiu, evoluindo nos repetidos argumentos, razões que o levavam a considerar que, se a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação, havia razões ... e explanava razões que, queixava-se ele, eram alvo de contraditórios sufocantes que, do seu ponto de vista, não são admissíveis num país de liberdade de expressão.
Não foi o único, houve e ainda há muitos outros, a apontar o dedo acusador aos discordantes. Condenam, sim, mas ...
No
Expresso Semanário deste fim-de-semana, Sousa Tavares não voltou ao
assunto, mas Francisco Mendes da Silva, que escreve ao sábado no
Público, - aqui - não deixou cair a acusação de falta de liberdade de opinião, nestes termos
Miguel Sousa Tavares sente-se sufocado por mim. Sim, parece caricato que o maior produtor de opinião livre da democracia portuguesa, talvez o jornalista mais icónico da nossa televisão e imprensa, um dos polemistas mais “lá de casa” da nossa vida colectiva em liberdade, se sinta sufocado pela opinião dos outros, mais ainda pela minha. Mas foi isso que Sousa Tavares disse na sua coluna do Expresso, onde há anos se espraia ao longo de vários milhares de caracteres semanais numa página de formato “berliner” reservada só para ele, presumivelmente sem freios editoriais, na boa velha tradição do jornal que o acolhe.
Num texto com um grito de revolta no título (“Para acabar de vez com este sufoco”), afirmou que é vítima de “uma campanha ostensiva de apelo ao silenciamento e ao linchamento moral”, e que “estamos a viver num clima de intimidação concertada sobre o pensamento como nunca vivi em 30 anos de escrita em jornais”. Palavras pesadas, essas, que Sousa Tavares dirige especialmente a dois culpados: a António Barreto e a mim.
Desconheço se António Barreto se tem reunido com outros conspiradores, em caves lúgubres e secretas, para “concertar” as estratégias de silenciamento de Miguel Sousa Tavares. Eu cá nunca fui convocado para tais urdiduras. Mas reparem: de nós, Sousa Tavares diz que recorremos à “absoluta falta de seriedade intelectual e a argumentos de puro terrorismo e delação pública”. É uma entrada a pés juntos? É. Passa-me pela cabeça que Sousa Tavares tenha escrito esta e outras coisas para me intimidar? Não. Por muito erradas que estejam, este tipo de tiradas hiperbólicas faz parte do debate normal em qualquer democracia adulta, civilizada e vibrante. A liberdade dos outros não me intimida.
Mas, afinal, pergunta o leitor desprevenido, acabado de chegar a esta minipolémica, o que é que eu fiz para que Sousa Tavares se sentisse atingido na sua liberdade de pensamento com tanta precisão e violência? Num artigo nesta coluna (com o título “Sejam adultos, assumam que querem a vitória da Rússia”), limitei-me a formular um raciocínio simples: se há pessoas que se manifestaram sempre a favor de todas as posições da Rússia sobre a Ucrânia, desde Maidan até à Crimeia; se, perante a revelação das atrocidades do seu exército, assobiam para o lado e pedem mais jornalismo do que propaganda; se defendem que se deixe de ajudar militarmente a Ucrânia para se chegar à paz; então o que essas pessoas querem é que a Rússia consiga a vitória. Não se trata de delatar ninguém. Trata-se de dizer que o debate só é útil se for totalmente claro quanto à ligação entre premissas e conclusões.
Quando compus na minha cabeça o ramalhete de autores em que baseei o artigo, não pensei propriamente em Sousa Tavares. Pensei nos subscritores dos manifestos sinuosos e sem nexo que por aí apareceram. Porém, fui agora ler ou reler o que tem escrito sobre o tema, para tentar perceber o que o terá levado a assentar a carapuça. Reparei que os factos se têm fartado de desmentir as suas opiniões e preconceitos. Até à eclosão da guerra, dizia que ela nunca aconteceria, porque a Rússia não a desejava. Agora, diz que a guerra aconteceu porque interessa aos EUA, à sua indústria militar e ao reforço da NATO.
O que tem vindo a sufocar Sousa Tavares, neste assunto, não é bem a opinião de quem quer que seja. É a própria realidade
Como se os EUA não andassem há anos a querer fugir da Europa para o Pacífico. Como se isto interessasse a um Presidente americano em ano de intercalares. Como se não estivesse profusamente documentada a ideologia imperialista que comanda o Kremlin (é preciso lembrar o ensaio de Putin em Julho último?). E como se os países da NATO não dessem provas quotidianas da sua compreensível relutância em serem arrastados para a guerra, perante a exasperação da Ucrânia.
Quando todo o mundo via já em Volodimir Zelenskii um exemplo inspirador de coragem moral, que todos os dias justificava o apoio à sua resistência, Miguel Sousa Tavares chegou ao ponto de insinuar que aquele só não se rendia porque é um vaidoso armado em Churchill. O que o tem vindo a sufocar, neste assunto, não é bem a opinião de quem quer que seja. É a própria realidade.
No comments:
Post a Comment