A coragem política do Governo e o crescimento da economia - aqui
No programa do Governo apresentado à Assembleia da República — o único indicador objetivo sobre a política futura disponível — não se detetam sinais de um ímpeto reformista nas áreas em questão, com a exceção da Administração Pública.
Numa entrevista recente, afirmei que a economia portuguesa foi conduzida a uma tal situação pelos governos do Partido Socialista, que só um Governo com forte coragem política conseguirá inverter a tendência de empobrecimento relativo em que o país se encontra mergulhado. Portugal foi já ultrapassado pela maioria dos países da Europa de Leste que aderiram à União Europeia (UE) com um nível de desenvolvimento muitíssimo inferior.
Quis com isso dizer que as medidas necessárias para colocar a economia portuguesa a crescer a uma taxa superior ao grupo dos países da Europa comunitária nossos concorrentes e aproximar-se dos países mais desenvolvidos exige um poder político liberto de preconceitos ideológicos, com visão de futuro, preparado para enfrentar os obstáculos das forças defensoras do statu quo e determinado a realizar reformas estruturais profundas, sem medo de impopularidade no curto prazo.
Sem isso, continuaremos a ser um país de salários mínimos, de emigração dos jovens mais qualificados com ambição de subir na vida, uma classe média empobrecida, pensões de reforma que não permitem uma vida digna, elevado risco de pobreza e exclusão social e serviços públicos de baixa qualidade. Será assim, independentemente das promessas e ilusões criadas pelos governos e partidos políticos. A retórica e a mentira não produzem riqueza.
O objetivo deve ser o de, dentro de dez anos, trazer Portugal de volta à 15.ª posição entre os 27 países da UE, em termos de rendimento per capita, em que se encontrava em 2002. Se este objetivo não for alcançado, tendo o país recebido da UE um montante de fundos elevadíssimo, nunca antes verificado, pode dizer-se que o poder político falhou.
Quais são as principais áreas em que o Governo tem poder para tomar medidas com forte impacto positivo no crescimento da economia?
De entre as várias áreas que têm sido identificadas por economistas de reconhecida competência, saliento quatro, pela sua especial relevância e por exigirem forte coragem política: a Administração Pública, o sistema fiscal, a justiça e o mercado de trabalho. Ficam de fora aquelas medidas que, sendo também relevantes, não requerem um elevado grau de coragem.
Na administração pública, está em causa a sua independência em relação aos partidos políticos, a simplificação administrativa e a redução da burocracia, a descentralização para os níveis municipais e intermunicipais, a transparência, a celeridade na aprovação de projetos, a qualificação e capacitação digital dos servidores do Estado, o contributo para a redução da despesa pública corrente primária, o pagamento a horas das aquisições de bens e serviços ao sector privado. No fundo, tudo aquilo que facilite a vida dos cidadãos e das empresas, em benefício do desenvolvimento económico e social do país.
Como escrevi há 30 anos, precisamos de “menos Estado e mais sociedade civil, melhor Estado e uma sociedade civil livre, democrática e dinâmica”.
A regionalização, que alguns políticos insistem em levar a cabo apesar da pesada derrota no referendo de 1998, traria uma nova burocracia e mais despesa pública. Como escreveu António Barreto, em 22 de Janeiro: “A regionalização é, em Portugal, nos tempos atuais, o maior embuste político que se possa imaginar.”
No sistema fiscal, está em causa a sua simplificação, a equidade, a transparência e a redução da carga fiscal, substituindo a autêntica manta de retalhos de impostos em vigor.
Trata-se da realização de uma profunda reforma visando dotar o país de um conjunto coerente de impostos competitivo a nível internacional, compreensível pelos cidadãos, que satisfaça os critérios de equidade e de eficiência, incentive a inovação e o aumento da dimensão das empresas nacionais através de fusões e aquisições, não seja permeável à fraude e à evasão e em que as regras fiscais se caracterizem pela estabilidade e baixo custo do seu cumprimento.
Para o nosso nível de desenvolvimento e poder de compra, Portugal tem, indiscutivelmente, uma das cargas fiscais mais altas da UE, mais inequitativa e de maior ineficiência económica.
Na área da justiça, está em causa a reforma do funcionamento dos tribunais, principalmente dos administrativos e fiscais, a digitalização dos serviços, a simplificação dos processos e a reorganização e modernização da administração judiciária. Importa fazer de Portugal um país dotado de um sistema de justiça eficiente, previsível e credível, em que os problemas dos cidadãos sejam resolvidos em tempo útil.
No que se refere ao mercado de trabalho, domínio em que Portugal se compara mal na captação de investimento estrangeiro, trata-se, em primeiro lugar, de resistir às pressões para reversões da legislação vigente no sentido da sua rigidez, de valorizar a concertação social e reforçar as políticas ativas de qualificação digital dos trabalhadores, em particular das pequenas empresas.
Por outro lado, é importante que a regulamentação do mercado de trabalho não impeça as empresas de realizar os ajustamentos exigidos pelas alterações das condições de mercado e a adoção de inovações tecnológicas e não desincentive o investimento em formação e educação.
Como é que um choque reformista nestas quatro áreas influencia o crescimento da economia?
A redução da carga burocrática e dos impostos sobre as empresas, a eficiência da justiça económica e fiscal e a flexibilidade da legislação laboral têm uma influência significativa sobre o dinamismo do investimento produtivo e inovador nos sectores abertos à concorrência externa e sobre as exportações de elevado valor acrescentado, variáveis que são decisivas para a modernização do sistema produtivo e para a aceleração do crescimento da economia.
O investimento internacional, para além de compensar a escassez de capital nacional, traz consigo inovação tecnológica, novas técnicas de gestão, capacidade de exportação acrescida, penetração em novos mercados e acesso às cadeias globais de valor, gerando melhores empregos.
Um nível de exportações de bens e serviços de 60% do PIB deve ser assumido como objetivo a alcançar até 2030...
O crescimento da produtividade goza de unanimidade entre os economistas como fator decisivo do crescimento da nossa economia, em particular no contexto de declínio demográfico em que o país se encontra. Atualmente, a produtividade, medida pela produção por hora de trabalho, situa-se, em Portugal, a um nível muito inferior à média europeia. Falar de aumentos salariais esquecendo o crescimento da produtividade é um absurdo.
As medidas do Governo nas áreas da administração pública, do sistema fiscal, da justiça e do mercado de trabalho que exigem coragem política fomentam a melhoria da eficiência na afetação dos fatores produtivos e contribuem para o crescimento da produtividade e da competitividade da economia.
Como avaliar o grau expectável de coragem política do Governo que emergiu das eleições legislativas de 30 de janeiro para concretizar as reformas nas quatro áreas selecionadas de forte impacto sobre o crescimento da economia e, consequentemente, sobre o nível de bem-estar dos portugueses? Numa escala de zero a dez, será o grau de coragem muito baixo (de zero a dois), baixo (de três a quatro), médio (de cinco a seis), elevado (de sete a oito), ou muito alto (de nove a dez)?
Neste início de vida do novo Governo, em que é escassa a informação objetiva sobre o seu comportamento futuro, qualquer avaliação será sempre muito subjetiva e pouco fiável.
Se fosse tomado como indicador o perfil político do primeiro-ministro, com base na análise da sua atuação nos seis anos de chefia do Governo, em que sobressaiu a aversão a políticas de cariz estrutural, obter-se-ia um grau de coragem política muito baixo, com exceção do mercado de trabalho, em que revelou resistência às pressões da extrema-esquerda
Se fosse tomado como indicador o perfil político do primeiro-ministro, com base na análise da sua atuação nos seis anos de chefia do Governo, em que sobressaiu a aversão a políticas de cariz estrutural, obter-se-ia um grau de coragem política muito baixo, com exceção do mercado de trabalho, em que revelou resistência às pressões da extrema-esquerda no sentido do aumento da rigidez da legislação.
O perfil político dos ministros responsáveis pelas áreas da Administração Pública, das Finanças, da Justiça e do Trabalho, um indicador que pode ser relevante, é ainda desconhecido, com exceção do ministro das Finanças a quem, pela sua ação na Câmara Municipal de Lisboa, se apontaria um grau médio de coragem política.
Por sua vez, no programa do Governo apresentado à Assembleia da República — o único indicador objetivo sobre a política futura disponível — não se detetam sinais de um ímpeto reformista nas áreas em questão, com a exceção da Administração Pública.
No entanto, o facto de o Governo dispor de apoio maioritário no Parlamento faz com que a atuação do primeiro-ministro no passado e o próprio conteúdo do programa sejam indicadores da avaliação do grau de coragem política de relevância limitada.
Com efeito, na prática, o Governo, confrontado com o empobrecimento relativo do país, pode ir além das medidas constantes do programa aprovado pelo Parlamento e o primeiro-ministro pode adotar um perfil mais favorável ao crescimento económico.
Daqui a seis meses, talvez já exista informação objetiva que possibilite uma avaliação da coragem política do Governo para fazer as reformas decisivas para colocar a economia portuguesa numa trajetória de crescimento sustentável superior à dos países nossos concorrentes, de modo a que Portugal regresse dentro de uma década à 15.ª posição em termos de desenvolvimento entre os 27 membros da UE e deixe de ser um país de salários mínimos.
Agora, deixo apenas a pergunta: haverá coragem? A pandemia e a guerra na Ucrânia ainda a tornam mais necessária [1].
[1] O exercício de avaliação do grau de coragem política do Governo para realizar reformas económicas estruturais de que trata este texto pode ser aplicado a outras áreas relevantes para o bem-estar dos portugueses, como a saúde ou a educação.
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