Ângela Merkel foi, seguramente, o político mais aplaudido e respeitado dentro e fora da União Europeia enquanto Chanceler da Alemanha durante dezasseis anos.
Foi muito criticada pela forma como reagiu à crise das dívidas soberanas na sequência da instabilidade financeira provocada nos EUA pelo desgoverno, criminoso, dos empréstimos "sub prime", empacotados e distribuídos também na UE sem que o alarme tivesse soado antes de terem sido atingidos gigantes financeiros, um dos quais, o Lehman Brothers, caiu, e na queda precipitou a confiança dos investidores em todo mundo.
Podia Merkel ter intervindo de forma diferente e evitado o quase colapso da União Europeia. Podia, mas, na hora limite foi Merkel quem resgatou a Grécia e, com esse resgate, inverteu o rumo para o colapso da União.
Ainda assim, foi Mário Draghi, como governador do BCE, quem consolidou a estabilidade da moeda única europeia numa altura em que os custos das dívidas soberanas de alguns países, entre os quais Portugal, se tinham tornado insuportáveis.
Na crise da avalanche de refugiados das guerras da Síria, do Afeganistão, entre outras, Merkel impôs, contra a recusa de outros membros da União Europeia e de muitos compatriotas seus, acolher e propor medidas de acolhimento de muitos que, por caminhos sem alternativa, procuravam com alto risco de vida, terra segura.
Pouco tempo depois de Merkel ter cessado funções, por vontade própria, Putin inicia uma guerra de arrasamento da Ucrânia que, segundo notícias de ontem, não termina enquanto "não cumprir objectivos nobres no Donbass". Uma declaração tão fugaz como todas as outras que fez desde que o arrasamento começou.
Com este golpe Putin gerou (intenção dele, inequivocamente) um choque que pode estilhaçar a União Europeia porque, além do mais, vários membros da União Europeia confiaram em Putin e assinaram contratos de fornecimento de gás, petróleo e carvão indispensáveis ao funcionamento das suas economias que podem ser substituídos por contratos com outros fornecedores mas não de um dia para o outro e os consumidores europeus, vivendo num regime livre, democrático, não se sujeitarão a restrições muito facilmente imponíveis em ditadura como a de Putin.
E de quem é a culpa desta ingenuidade de ter confiado em Putin?
De Ângela Merkel!, aponta o dedo crucificador do coro que há poucos meses a santificava.
É verdade que Merkel acreditou que os vínculos comerciais entre os povos são os laços mais seguros para evitar as guerras entre quem os celebra. Foi assim que nasceram as organizações de comércio livre que tiraram de poços de pobreza milhares de milhões de povos. Assim se tornou a China um gigante em várias dimensões da ciência e da tecnologia. O mesmo caminho com que outros povos, com oportunidades diferentes, reduzem os seus níveis de miséria. O índice de desenvolvimento humano medido pela ONU cresceu, globalmente, como nunca antes na história da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Assim se transpôs um período de paz, pontuado por conflitos localizados, nunca antes atingido no mundo.
Ângela Merkel acreditou. Acreditámos todos que a convivência pacífica entre os povos se fortalece com a interdependência da satisfação das suas necessidades para uma vida digna.
A ingenuidade de Ângela Merkel foi ter acreditado que Putin estava disponível para conviver pacificamente com os outros povos do continente europeu. Putin enganou-a.
Enganou-a e continua a enganar-nos a todos.
1 comment:
Muito bom texto, caro Rui. Subscrevo, apenas com uma reticência: não foi ela que iniciou o processo de dependência do gás russo. Mas incentivou-o, incorrendo activamente na lenga-lenga ecologista. E esses saem de fininho desta contenda.
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