Saturday, October 08, 2016

UM TIPO ESPERTO

Não passa um dia que Trump não seja primeira notícia dos media norte-americanos, e de todo o mundo. E, quase sem excepção, nenhuma em abono de qualidades que o recomendem para o lugar mais poderoso do planeta. Qualquer outro candidato que tivesse dito ou feito algumas das muitas brutalidades com que Trump tem guarnecido o seu curriculum, já teria sido trucidado pelos media e obrigado a desistir.  Trump, não.

A Trump continua a ser oferecido no palco o lugar de destaque onde ele excita a admiração dos seus seguidores. Mesmo aqueles media mais assumidamente anti Trump concedem-lhe o principal espaço para a ressonância das suas alarvidades. Presumindo, supõe-se, que tanta exposição dos tombos do artista acabará por induzir na assistência a convicção de que a sua queda será inevitável no fim da performance. Até agora, porém, se aqui e ali parece iminente a sua queda em palco, a probabilidade de Trump ganhar as eleições de hoje a um mês não é negligenciável. A exposição mediática pela negativa parece ter, até agora, favorecido Trump. "Não importa que digam mal de mim; o mais importante é que falem de mim" parece ser também o lema deste artista. 

O Washington Post de hoje divulga um vídeo de 2005 - vd. aqui -, e transcreve grande parte do seu conteúdo, uma conversa com um primo de George W. Bush, aparentemente off the record, pouco tempo depois de ter casado com a sua actual mulher, sobre os assaltos sexuais e uma tentativa gorada do empresário candidato, gabando-se do sucesso que a sua condição de star lhe permite junto das mulheres e das tácticas de sedução com que as submete aos seus instintos. Confrontado com esta divulgação respondeu com um expedito pedido de desculpas a quem se sinta ofendido por declarações que, segundo ele, são bem menos graves do que aquelas que foram ouvidas a Bill Clinton.

Há uns dias atrás, quando foi tornado público que não pagou impostos directos durante os últimos 18 anos, Giuliani, que foi mayor de Nova Iorque, e é um dos seus mais deslumbrados apoiantes, afirmou que ele é um  génio que soube aproveitar as malhas da lei para passar tanto tempo sem contribuir com um cêntimo para as despesas públicas. Trump considerou-se apenas esperto, e continua a negar-se a mostrar as suas declarações de rendimentos.

Por outro lado, num país que tem como ponto de referência do seu sucesso no contexto mundial a liberdade e a heterogeneidade das origens dos seus cidadãos, as suas declarações xenófobas e racistas não parecem estremecer  em metade da sua população o sentimento de civismo colectivo esperável numa democracia madura. Porquê?

À esquerda, as explicações sustentam-se principalmente nos efeitos perversos da globalização e da concentração da riqueza, que dizimaram empregos e reduziram as oportunidades e os rendimentos das classes médias. Para as classes atingidas pela crise - apesar dos últimos oito anos terem sido de recuperação económica, e do emprego para os níveis anteriores à crise -  os escândalos, sexuais ou outros, protagonizados pelo candidato populista não os demovem da aposta que já fizeram.
Para a direita, o populismo nos EUA, em França, no Reino Unido, na Holanda, na Alemanha, sustenta-se nas ameaças de terrorismo figuradas em cada vulto de contornos islâmicos que veja a seu lado. E, por instinto reactivo, a xenofobia e o racismo instalam-se e progridem.

Provavelmente, Trump não será eleito. Mas o vírus está instalado.
Aconteceu mais ou menos o mesmo há cerca de oito décadas atrás.

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