O silêncio é um refúgio eticamente inabitável
Há horas na vida política em que o
silêncio é um refúgio eticamente inabitável. Nessas ocasiões todos temos o
dever de assumir publicamente uma posição clara. Nenhum calculismo, nenhum
falso princípio de fidelidade tribal, se pode sobrepor à obrigação cívica e
moral de exprimir com a máxima clareza possível o ponto de vista que cada um de
nós perfilha face a um acontecimento de excepcional significado. Os homens e as
mulheres livres - no que se distinguem daqueles que nunca perdem a ocasião
de servir todos os senhores - são insensíveis a toda e qualquer forma de
intimidação, tenha ela a natureza que tiver. Por isso mesmo quero aqui exprimir
com toda a nitidez a minha posição em relação à presente situação política
nacional.
Comecemos pela interpretação dos
resultados eleitorais. A 4 de Outubro os portugueses elegeram um Parlamento com
uma composição substancialmente diferente da anterior. A coligação de direita
ganhou mas perdeu a
maioria absoluta; o PS cresceu ligeiramente, afirmando-se contudo como uma
força política de importância determinante; a extrema-esquerda cresceu de forma
assimétrica devido ao inesperado e relevante resultado obtido pelo Bloco de
Esquerda. Estes são os factos a partir dos quais podem começar as
interpretações e é bem conhecido o aforismo de Nietzsche de que “não há
factos, só há interpretações”. Descuidando agora qualquer reflexão mais
aprofundada sobre tal afirmação tentemos compreender o conflito de
interpretações criado a propósito destes resultados eleitorais. A direita, à
luz de um suposto direito consuetudinário, reclama o direito de governar; a
esquerda acha que ganhou colectivamente as eleições. Procuremos
dilucidar com rigor a questão.
No plano constitucional inexistem
dúvidas sobre a natureza das eleições legislativas; trata-se de eleger
deputados destinados a exercerem um mandato representativo, sem os
condicionalismos inerentes a um mandato imperativo e, como tal, em condições de
decidirem livremente as mais diversas matérias, incluindo aquelas que têm
directamente que ver com a governação do país. Nessa perspectiva, qualquer
governo tenha ele a composição que tiver assente numa maioria parlamentar
beneficia de uma inatacável legitimidade de ordem formal. A invocação de um
direito baseado no princípio de que quem tem maioria relativa tem automaticamente
a prorrogativa de formar o executivo não parece portanto ter a devida
fundamentação constitucional. Assim sendo, os argumentos meramente formalistas
não concorrem decisivamente para a resolução do problema.
Somos desta forma levados para uma
avaliação da legitimidade material. Aí concedo estarmos perante um terreno
pantanoso. Na realidade, com o conhecimento e a anuência de todos os
intervenientes, desde há muitos anos que este tipo de acto eleitoral se
transformou numa disputa pelo lugar de Primeiro-Ministro. Nessa perspectiva,
emerge a dúvida sobre saber se alguém que se proclama candidato a
primeiro-ministro e não fica em primeiro lugar tem ou não legitimidade para
depois reclamar o exercício dessa função. Convenhamos que a dúvida é
respeitável. Ainda assim, não havendo certezas, deverá prevalecer a
interpretação mais próxima da resposta puramente formalista. O que no presente
caso significa que a direita erra quando considera que lhe assiste um direito
consuetudinário de reclamar a liderança do Governo em função dos resultados
eleitorais. Tal não significa, por paradoxal que possa parecer, que António
Costa acerte quando se dispõe a ser Primeiro-Ministro em tão precárias
condições. Digamos que estamos perante matéria de tal forma controversa que só
pode ser resolvida no plano das paixões, já que a razão não outorga vantagem
decisiva a nenhuma das interpretações.
Esmiuçada assim a questão da
legitimidade entremos no tema de fundo e abordemos o problema da factibilidade.
Para que desde logo não reste a mais remota dúvida quanto à minha posição devo
declarar que sou frontal e absolutamente contra a ideia de constituição de um
qualquer governo assente numa hipotética maioria de esquerda. A primeira razão
para que assim seja radica precisamente no carácter meramente hipotético dessa
maioria. A representação binária do Parlamento configurada na oposição
direita/esquerda é destituída de qualquer tipo de solidez doutrinária ou
política. Senão vejamos: o que aproxima o PS dos dois partidos da extrema-esquerda
em matérias tão importantes como a organização política e económica, a questão
europeia, o tema da política externa, para já não falarmos de matérias que
remetem para planos mais densamente doutrinários.
Não é preciso ir muito longe para
encontrarmos a resposta. Basta atentar nos programas eleitorais sufragados há
poucos dias. O PCP, partido que ainda hoje lamenta o fim da União Soviética,
permanece fiel a um modelo marxista-leninista incompatível com aquilo que eles
próprios designam como uma democracia burguesa onde os direitos são meramente
formais. O Bloco de Esquerda, mais heterogéneo e, por isso, mais contraditório,
não deixa de advogar uma ampla estatização da economia e uma completa oposição
ao presente modelo de construção europeia. Não por acaso ambas as forças
políticas passaram grande parte da campanha eleitoral a atacar o Partido
Socialista e o seu programa que consideravam liberal, austeritário e
praticamente idêntico ao da direita. De tal forma e tão assanhadamente o
fizeram que o próprio António Costa, a dada altura, lhes teve de chamar a
atenção para o facto de passarem mais tempo a atacar o PS do que a atacar a
direita. É claro que até ao dia 4 de Outubro ignoraram liminarmente tal reparo.
Há agora umas almas curiosas que
preconizam que, afinal de contas, mau grado todas estas divisões, a esquerda
sempre esteve unida na recusa da política de austeridade promovida pelo governo
da direita. Também isso falseia a realidade. Basta atentar nos programas
eleitorais dos vários partidos de esquerda para perceber quão diferentes eram
as suas perspectivas em relação a este assunto. Uns defendiam soluções que
tinham como inevitável consequência a albanização do país, outros, no caso o
PS, apontavam soluções sérias em nada incompatíveis com a nossa permanência na
zona Euro e na União Europeia. Constitui isto uma divergência menor? Não creio.
Apesar disso insistirão os mais fanáticos defensores de uma frente de esquerda
que há vantagem em ignorar todas as divergências, por mais profundas que elas
sejam, em nome da possibilidade do afastamento da direita do poder. O argumento
mereceria reflexão se não configurasse uma despudorada expressão de ambição
desmedida pelo exercício do poder. Um governo estribado em tão exorbitantes
contradições, mesmo que cosmeticamente diluídas por um acordo de ocasião, nada
de novo e verdadeiramente relevante pode trazer ao país. Formulo perguntas
simples: é possível algum entendimento frutuoso em torno das reformas
imprescindíveis à sustentabilidade do Estado Social nas suas múltiplas
vertentes? É antecipável qualquer reforma útil no plano da política económica?
É perspectivável qualquer alteração minimamente razoável do nosso sistema de
organização política? Sejamos claros: não é. O PS, se fizer um acordo desta
natureza, renuncia à sua dimensão de partido transformador e reformista.
Seríamos por conseguinte levados à
constatação de que o PS estaria condenado a ser uma espécie de muleta da
direita? Nada mais falso. O PS devia assumir em toda a plenitude o estatuto de
principal partido da oposição, impondo sérias limitações à acção do governo e
não desvalorizando as convergências possíveis com os partidos situados à sua
esquerda. Só isso alteraria drasticamente a situação política do país. Essa
parece-me ser a solução que melhor serve o interesse nacional e aquela que
verdadeiramente se inscreve na história do Partido Socialista. No momento em
que escrevo não consigo aperceber-me do grau de adesão a esta tese no interior
do meu partido. Pouco importa. Raramente me assistiu uma tão profunda convicção
de ter razão. O pior que pode acontecer a um político é ter receio da solidão.
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Comunicação ao País na íntegra
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Comunicação ao País na íntegra
1 comment:
Existem 'globalization-lovers' (UE-lovers e afins) em todo o lado... ok, mas... os 'globalization-lovers' que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa!
-» Nota 1: Existem 'globalization-lovers'... e existem 'globalization-lovers' nazis (estes buscam pretextos para negar o Direito à Sobrevivência das Identidades Autóctones).
-» Nota 2: Nazismo não é o ser 'alto e louro', bla bla bla,... mas sim... a busca de pretextos com o objectivo de negar o Direito à Sobrevivência de outros.
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Pelo Direito à Sobrevivência das Identidades Autóctones:
-» http://separatismo--50--50.blogspot.com/
(antes que seja tarde demais)
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P.S.
A superclasse (alta finança - capital global) pretende 'cozinhar' as condições que são do seu interesse:
- privatização de bens estratégicos: combustíveis... electricidade... água...
- caos financeiro...
- implosão de identidades autóctones...
- implosão das soberanias...
- forças militares e militarizadas mercenárias...
resumindo: estão a ser criadas as condições para uma Nova Ordem a seguir ao caos - uma Ordem Mercenária: um Neofeudalismo.
{uma nota: anda por aí muito político/(marioneta) cujo trabalhinho é 'cozinhar' as condições que são do interesse da superclasse}
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P.S.2.
Quando se diz «todos diferentes, todos iguais... isto é, todas as Identidades Autóctones devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no planeta» [nota: inclusive as de 'baixo rendimento demográfico'... inclusive as economicamente pouco rentáveis...], nazis-made-in-USA - desde há séculos com a bênção de responsáveis da Igreja Católica - proclamam logo «a sobrevivência de Identidades Autóctones provoca danos à economia...»
[nota: os nazis-made-in-USA provocaram holocaustos massivos em Identidades Autóctones]
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