Sunday, September 26, 2010

VOTOLOGIA

Com a queda do muro de Berlim, sentenciou-se logo a seguir, acabaram as ideologias.
Terão mesmo acabado?
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Se não acabaram ficaram estonteadas, sem saber por onde seguiam os caminhos subitamente interrompidos.
E, no entanto, assiste-se hoje a um ressuscitar do conceito criado no final do século XVIII, e que desde logo sofreu evoluções semânticas que o desfiguraram e o deslocaram para o terreiro da política.
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A propósito desta degeneração conceptual feita ao sabor das circunstâncias de cada tempo político já apontei algumas reflexões neste caderno. Por exemplo, aqui.

Se volto de novo ao tema é porque o momento político do País é dominado por uma escaramuça à volta  da execução do OE em 2010 e do OE para 2011. Uma escaramuça, porque da luta partidária dominante não resultará certamente o aniquilamento de qualquer dos contendores, mas, quanto muito, algumas feridas a lamber. Uma escaramuça feita em nome de ideologias supostamente diferentes. Serão?

De modo algum.
A equação do reequilíbrio das contas públicas é elementar: ou se aumentam os impostos, ou se reduz a despesa pública, ou se doseiam em quantidades variáveis aumentos e reduções. As opções são ideológicas?
São essencialmente votológicas, isto é, são determinadas sobretudo em função dos votos que colocam em risco já que tanto o aumento dos impostos como a redução da despesa pública afectará um numero muito elevado de eleitores. Dito de outro modo: Se o PSD fosse governo imporia a redução da despesa e manteria os impostos? E se o PS fosse oposição seria tão condescendente em facilitar a vida ao governo permitindo o aumento dos impostos?

Mais do que opções ideológicas estão em causa interesses partidários. Ao elevar o IVA para 23% e cortar nas deduções fiscais o governo pretende, sobretudo, não colidir com os interesses dos funcionários públicos reduzindo-lhes os vencimentos nem os suplementos. Ao pretender a redução da despesa, o PSD quer forçar o governo à tomada de medidas que sabe susceptíveis de provocar reacções extremas do funcionalismo.
Porque ainda que atinja mais eleitores, porque os atinge todos, o aumento do IVA é menos sentido porque é muito mais diluído.
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Independentemente do efeito virtuoso da redução da despesa pública sobre a recuperação económica.
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Argumenta o PM que o PSD quer abalar a universalidade do Estado Social. O Estado Social não é universal em Portugal. O funcionalismo público dispõe de condições de reforma e assistência médica (ADSE) claramente mais favoráveis que o resto da população portuguesa. Se a opção do governo fosse ideológica o sistema seria único, e não é. É por demais evidente que, também neste caso, preponderam razões de voto e não objectivos ideológicos.

Esta incapacidade sistémica, que caracteriza a governação em Portugal* há muito tempo, decorre da existência, por um lado, de uma "esquerda" comunista ortodoxa e outra "populista" com peso parlamentar conjunto significativo mas sem vocação governativa e, por outro, à direita, de um partido conservador-populista incapaz de progredir eleitoralmente de forma consistente. O governo ao centro encontra-se permanentemente ameaçado pelo populismo dos extremos. É a perseguição dos votos e os compadrios partidários e não as ideologias que comandam os destinos do País.

A clivagem ao centro, reduzindo a propensão para o bloco central que muitos rejeitam, e que poderia tornar a vida política mais transparente em Portugal, passa por um sistema eleitoral que priviligie, mais do que o actual, a formação de maiorias parlamentares. Tal sistema seria menos representativo na AR das diferentes "ideologias" mas garantiria mais capacidade de intervenção de quem governa e menos clientelismo de conivência intrapartidária e interpartidária.
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* Mesmo dispondo de maioria absoluta na AR, o anterior Governo Sócrates recuou muitas vezes nos seus ímpetos reformistas.  

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