Saturday, September 04, 2010

ASSIMETRIAS E ESTAGNAÇÃO

Existe ainda a ideia muito generalizada de que o funcionalismo público é, geralmente, mais mal remunerado que os empregados no sector privado. O que não é verdade, bem pelo contrário. O funcionalismo público é remunerado bem acima da média do sector privado, mesmo considerando a comparação para idênticas funções e competências requeridas. Esta é uma constatação fundamentada há muito mas, não obstante a evidência, geralmente os funcionários públicos consideram-se pior remunerados que os empregados no sector privado e, para além disso, conseguem transmitir para o público em geral a ideia errada da realidade em matéria de remunerações no sector público e no sector privado.

Mesmo sem ter em conta a garantia de emprego no sector público, que não existe no sector privado, o sistema específico de saúde (ADSE) que lhe garante, além do mais, pela opção do médico que querem consultar, por um, ainda, privilegiado sistema de reforma, entre outras vantagens, a comparação pura e simples das remunerações mostra (estudos do Banco de Portugal citados por P Maia Gomes no Expresso/Economia desta semana) que, em média, pessoas com características similares (educação, experiência, etc.) recebem mais no sector público. Este "prémio" era de 9%  em 1996, aumentou para 16% em 2005.
Seguramente, no momento presente, aquela distância alargou-se.

E alargou-se por razões que várias vezes aqui apontei, a mais saliente das quais é a transferência que na última década, sobretudo, se observou de rendimentos dos sectores privados de transaccionáveis para os sectores de não transaccionáveis, onde a função pública se inclui. V Bento demonstra essa transferência, as suas causas e as suas consequências de modo incontroverso em "Perceber a crise para encontrar o caminho".    

É evidente que a ilusão de que  o sector privado que paga melhor  radica numa comparação distorcida. Porque é evidente que há empresas no sector privado que remuneram melhor, ou bastante melhor, que o sector público, esquecendo-se quem compara, ou quem ilude, que para além das banca e dos monopólios de facto, também eles beneficiários da transferência de riqueza observada, há milhares e milhares de empresas que têm de competir no mercado e, deste modo, não podem aumentar os ordenados aumentando os impostos*.

Propõe P Maia Gomes no referido artigo do Expresso/Economia "um corte de 10% nos salários (que) permitiria reduzir a despesa em dois mil milhões de euros por ano, o equivalente a 1,4% do PIB. Para conseguir uma diminuição da despesa da mesma magnitude seria preciso abolir o subsídio de desemprego ou despedir 73 mil funcionários públicos. Mesmo todas as privatizações previstas no PEC irão gerar 1,5 mil milhões de euros por ano, durante 4 anos...Nenhum outro caminho permite uma redução da despesa pública significativa sem um efeito negativo na procura, promovendo a equidade entre o sector público e privado no mercado de trabalho, ..."

Nada de muito novo, reconheça-se. Mas pertinente. Oxalá todos quantos advogam estas e outras medidas impopulares estivessem errados e pudessemos nós viver e prosperar em populismo permanente.
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*Também é verdade que, em algumas destas, não haverá aumentos de salários mas certos patrões não se inibem de se passearem em carros de altíssima gama, por exemplo. O que pode perturbar a discussão mas não altera as conclusões.  

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