Tuesday, June 18, 2019

A CAIXA DOS PEQUENITOS


Foi há trinta e nove anos.

Carlos M F Silva era gerente de uma sociedade (CMFS), com o pai e o irmão, que vendia equipamentos para indústrias alimentares, principalmente panificação.
Uma parte menor desses equipamentos eram produzidos em Portugal, a maioria importada de França e Alemanha.
Emergindo num contexto de crise económica mundial espoletada pelo choques petrolíferos de 1973 e 1979, os incontidos entusiasmos desencadeados pela revolução de 1974 iriam desencadear, além do mais, fortes desequilíbrios na balança de pagamentos do país. A exaustão de divisas impuseram a prova de capacidade de pagamento aos importadores, condição necessária à obtenção de BRI, boletins de registo de importação.

- Assim tenho de fechar, despedir o pessoal, reagia, lamentando-se, CMFS, porque, mesmo com saldo suficiente no banco para cumprir os compromissos com os seus fornecedores, recebia BRI a conta-gotas porque ele tinha escudos na conta mas a banca não tinha francos ou marcos suficientes para saldar todas os débitos do país ao estrangeiro.
- Por que não produz em Portugal os equipamentos que tem estado a importar até agora?, perguntei-lhe.

CMFS, aceitou a sugestão, elaborou-se um projecto, comprou terreno num parque industrial, geograficamente bem situado onde ainda não havia alicerces de qualquer outra fábrica, apresentou o projecto à Caixa que, naquela altura, promovia em associação com o IAPMEI, Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais, um concurso de incentivo à criação de novas
empresas industriais.

CMFS tinha, entretanto, assinado contrato com o seu principal fornecedor estrangeiro, que lhe permitia usar o seu apoio técnico e exportar parte da produção para mercados não europeus, nomeadamente para o norte de África.
O projecto foi aprovado pela CGD e pelo IAPMEI, CMFS financiou com capitais próprios a construção do edifício, solicitou à Caixa o pagamento das facturas das máquinas a instalar, tudo conforme estabelecido no contrato de financiamento da Caixa.

Dois meses depois de insistências no pagamento aos fornecedores das máquinas veio a resposta: os pagamentos só podem ser efectuados contra apresentação das facturas.
Respondeu CMFS que as facturas tinham sido entregues na Caixa há mais de dois meses. E para prova disso sugeriu que fossem visualizadas as entregas no serviço de recepção onde todos os documentos eram micro-filmados no momento da recepção.

As facturas tinham sido entregues.

A partir daquela prova, esperava CMFS que a Caixa procedesse aos pagamentos e, se fossem pessoas de bem, apresentassem desculpas pelo erro.
Mas não. Passados 15 dias exigiram a entrega de novas facturas uma vez que as já entregues não tinham sido encontradas.
Foram entregues novas facturas.

Quinze dias depois CMFS é convocado para reunião na Caixa.
É recebido por um técnico, homem na casa dos trinta. Que folheia o estudo de viabilidade económica apresentado, e já aprovado pela Caixa.

- Os senhores propõem-se exportar 5% da produção total. Porquê 5%?
- É um objectivo mínimo.
- Fizeram algum estudo de mercado?
- É um objectivo que se sustenta no conhecimento de muitos anos do mercado argelino do nosso partner francês, que sob contrato nos permite produzir em Portugal os seus equipamentos e vender parte no mercado do norte de África.
- Mas 5% porquê?
- Pode ser mais, menos não será.
- Pode ser mais?
- Pode. 
- Em que ficamos, então?
- Nos 5% por uma questão de prudência.
O técnico deixou sair um sorriso de superioridade, depois fechou o sorriso e recostou-se na cadeira atrás da secretária com a superioridade própria dos burocratas.
- E por que não nos 10?
- Pode ser.
- Pode ser 10 ou 5? Ou nem uma coisa nem outra?
E, perante o peito cheio de gozo do pequeno ditador, CMFS, disse:
- 5% é um objectivo mínimo mas diga-nos, se faz favor, o que lhe parece.
- Para eu lhe dizer teria de me pagar.
- Ah! Isso não. Nunca o fizemos nem faremos nunca. 


E o projecto, a partir dali, estropiou-se.

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