Constâncio omitiu do Parlamento que autorizou Berardo a levantar 350 milhões da CGD
O crédito de 350 milhões de euros dado em
2007 pelo banco público ao investidor José Berardo, para investir na
luta de poder dentro do BCP, não possuía, numa primeira fase, garantias
reais, mas a promessa de penhora de acções. A operação foi aprovada em
Conselho de Administração do Banco de Portugal, conforme consta da
documentação a que o PUBLICO teve acesso. - aqui.
O título da notícia é obtuso e hilariante.
- Oih! Joe, estás autorizado a ir à Caixa Geral de Depósitos levantar 350 milhões para entrares naquele golpe para assaltarmos o BCP.
- Assaltarmos?..., quem é que assalta? O senhor governado também assalta?
- Não Joe, que ideia é essa, Joe?, eu jogo à defesa. Para atacar temos outros camaradas.
- Bom, compreendo. Faço o favor de aceitar a sua autorização. Mas se na Caixa não me deixarem levantar a massa?
- Oh!, Joe, em que mundo é que tu andas, Joe?
- Ando por todo o lado, senhor governador. Os bancos não me largam a pedir que eu lhes peça dinheiro.
- Claro que também a Caixa.
- Claríssimo, senhor governador, os caixeiros são quem mais me pedem para eu lhes pedir. É uma inquietação constante, não me largam a labita.
- É por uma boa razão, Joe.
- Pois deve ser. Se não fosse não me apoquentariam tanto.
- Falaram-te em garantias?
- Falei eu. Não gosto de pedir empréstimos sem oferecer garantias.
- Menino bonito, assim mesmo é que é. E, já agora, se não é indiscrição, que garantias dás?
- Não é indiscrição nenhuma, valha-o Deus, senhor governador. Como garantia, dou tudo o que tenho. Chega?
- Sobra.
- E, já agora, se não é indiscrição, quanto vale tudo o que tens?
- Não lhe sei dizer neste momento. Preciso de consultar os meus assistentes, eles é que fazem as contas. Que me lembre, tenho uma garagem no Funchal, ...
- Hum! Hum! Não percamos mais tempo com detalhes. Tenho de entrar imediatamente para uma reunião do Conselho. Vamos aprovar a operação.
- Pensei que já estivesse aprovada.
- E está, Joe. Só falta informar os outros. Governador, governa. Ou tens dúvidas, Joe?
- Nem dúvidas nem dívidas, Vítor.
Se a Fundação Berardo não tivesse requerido a deliberação de não-oposição do BdP à detenção por ela de uma participação qualificada, isso não a impediria, legalmente, de comprar acções do BCP. Quando muito, isso teria como consequência que a Fundação Berardo poderia ser privada do exercício do direito de voto correspondente às acções que excedessem o limite de 4,99%. Por isso, a deliberação do BdP não pode, repito, ser confundida de forma alguma com a aprovação de um crédito.
Contudo, o PÚBLICO pretende fazer crer (embora seja absurdo à luz da lei) que, no caso particular deste crédito, haveria razões especiais para que ele tivesse de ser aprovado pelo BdP: era um crédito atribuído a um “investidor especulativo”, não tinha “garantias reais” ou, como se diz, em alternativa, noutra parte do texto, tinha uma “garantia real, mas especulativa”, e sobretudo veio, “tempos depois”, a revelar-se “uma das mais ruinosas e questionáveis operações de crédito concedidas nos últimos anos”. Mas tudo isso é, em primeiro lugar, uma ficção; em segundo, uma falácia histórica; em terceiro, um equívoco sobre a natureza da supervisão bancária.
É uma ficção pela razão já apontada: o crédito era válido nos termos acordados entre as partes — ponto final.
É uma falácia histórica porque o carácter tóxico da operação de crédito só se verificou, como o próprio texto diz, “tempos mais tarde”, sendo certo que o contrato de crédito permitia ao credor executar os penhores nos termos descritos pelo próprio artigo do PÚBLICO. Lembro também que, há 12 anos, não se descortinavam quaisquer razões para deduzir oposição à idoneidade da Fundação Berardo para deter entre 5% e 10% do capital do BCP.
Mas é tudo isto também um equívoco sobre a natureza da supervisão bancária porque o facto de o BdP não se ter oposto à compra de acções do BCP não implicou, nem podia, por lei, implicar, um juízo de valor sobre a operação de crédito. Esta operação fazia parte da gestão comercial da CGD. Se ela se revelou tóxica “tempos depois”, isso diz respeito apenas à gestão do contrato pela CGD.
Eis, porém, que com base nas confusões e fabricações que acabo de descrever o PÚBLICO publica o que já se percebe agora ser uma calúnia, expressa no subtítulo da capa: “Banco de Portugal aprovou investimento de Berardo no BCP com crédito tóxico da Caixa.”
Se o PÚBLICO só tivesse publicado este subtítulo, não seria eu o visado, mas sim o BdP. Mas o título, como se viu acima, destacava o meu nome: “Constâncio autorizou, etc.” E, sobretudo, todo o artigo procura fazer crer que, na verdade, não teria sido propriamente o Banco de Portugal, mas sim eu, pessoalmente e enquanto governador, quem teria dado a pretensa autorização para “ir levantar” 350 milhões de euros.
Contudo, já é público desde sábado passado que, como é meu direito, pedi recentemente ao BdP informações sobre a reunião de 21 de Agosto de 2007, e que a respectiva acta, que me foi facultada pelo BdP, revela que, por estar ausente do país, não estive presente nessa reunião e, consequentemente, não apreciei a respectiva documentação nem deliberei sobre ela. Seria sempre uma fabricação dizer que eu, enquanto governador, “autorizei” x ou y ou z numa reunião do conselho de administração, pois as deliberações de tais reuniões são por natureza colegiais, isto é, tomadas por pares e não por um governador a que os outros membros do conselho estivessem subordinados e nos quais ele mandasse. Mas, obviamente, a fabricação é ainda maior num caso em que uma deliberação é imputada a uma só pessoa e, contudo, essa pessoa nem sequer participou dela. O processo foi tratado pelos serviços competentes e a respectiva proposta de deliberação foi apresentada pelo vice-governador responsável pela supervisão bancária, tendo sido aprovada pelo conselho.
Não digo isto para me eximir a qualquer responsabilidade. Digo-o porque é verdade e porque as calúnias do jornal PÚBLICO passam muito fundamentalmente pela fabricação da impressão contrária: a de que eu mandava pessoalmente no BdP e, em particular, no pelouro da supervisão. Tal como fiz na comissão de inquérito, quero reafirmar que, enquanto fui governador, a minha principal função foi a participação na definição da política monetária europeia como membro do conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE), o que, além da respectiva preparação, implicava viagens quinzenais a Frankfurt. Tinha também o pelouro da auditoria interna do BdP e do Departamento dos Estudos Económicos, além da presidência e coordenação do conselho de administração do BdP. Já agora acrescento que outra mentira do artigo do PÚBLICO (mas uma mentira menor, em comparação com as outras) consiste em dizer que, no BCE, tive “o pelouro da supervisão”. Tal como esclareci por escrito na comissão de inquérito ao BES, o BCE só iniciou o exercício de poderes de supervisão em 2014 (tendo eu sido designado vice-presidente em 2010). Depois dessa data, não exerci qualquer cargo no conselho de supervisão ou em qualquer outro órgão do Mecanismo Único de Supervisão, que foi criado dentro do BCE para exercer as competências de supervisão dos bancos. Durante os oito anos em que fui o vice-presidente do BCE a minha principal função foi, de novo, a participação nas deliberações de política monetária, e tive ao longo do tempo muitos e diferentes pelouros, incluindo o da Estabilidade Financeira e o da Investigação Económica.
A calúnia da mentira no Parlamento
A segunda calúnia do PÚBLICO está na segunda parte do subtítulo da capa e, depois, no corpo do texto: “Banco de Portugal aprovou investimento de Berardo no BCP com crédito tóxico da Caixa. Ex-governador disse no Parlamento que não sabia de nada.” Em que se baseia o PÚBLICO para dizer que eu “disse no Parlamento que não sabia de nada”, isto é, que disse que não sabia aprovação do crédito de 350 milhões concedido pela CGD à Fundação Berardo? Baseia-se no facto de eu ter dito no Parlamento “ser impossível” o BdP saber que a CGD iria financiar o Grupo Berardo antes de o crédito ser dado; ter dito que isso “é óbvio, é natural”; e ter dito que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito] depois [de elas estarem celebradas]”. Mas tudo isto é, de facto, verdade, e é, de facto, óbvio.
O que o artigo do PÚBLICO faz é confundir duas coisas: uma é eu ter feito a afirmação genérica (e óbvia) de que o BdP só pode saber de uma operação de crédito depois de esta estar celebrada entre as partes, uma segunda coisa é a interpretação que o PÚBLICO faz daquela primeira, como se ela significasse que eu estivesse a dizer que não soube nem do pedido da Fundação Berardo para passar a ter mais de 5% do capital do BCP, nem da deliberação em que o BdP não se opôs a que tal acontecesse. Mas a primeira coisa é evidentemente muito diferente da segunda; e, além disso, eu disse repetidas vezes no Parlamento que soube do empréstimo à Fundação Berardo.
Por exemplo, às 2h34 da audição parlamentar disse: “Quando essas operações foram conhecidas, a posteriori como é evidente...”; ou às 2h36: “Em relação ao tratamento das operações e ao reforço das garantias... tive conhecimento em todas as conversas que tive sobre as operações, nessa altura, com o vice-governador.” (Ver também a audição às 2h12, 2h15, e 2h24, por exemplo.) Do mesmo modo, disse repetidas vezes na RTP (no passado dia 8) que soube da deliberação em que o BdP não se opôs à aquisição de acções — e disse também, sublinhe-se, que esta questão não foi abordada na audição parlamentar, tal como de facto não foi.
O que tudo isto significa é que soube destas matérias nos momentos em que foi adequado que soubesse, e nunca afirmei que não tivesse conhecimento delas ou que não me lembrasse delas. Ao contrário do que cheguei a supor pois tudo isto aconteceu já há 12 anos), não soube logo da deliberação do BdP no momento em que ela teve lugar, isto é, na reunião em que foi tomada (pois, como se viu acima, nem sequer estive presente nessa reunião). Mas tomei conhecimento depois disso, pelo menos através do projecto de acta apresentado na reunião seguinte do conselho de administração do BdP.
Portanto, o PÚBLICO acusa-me de ter mentido à comissão de inquérito, quando a mentira, ou pelo menos o erro, está, de facto, do lado do PÚBLICO.
As falhas deontológicas
do PÚBLICO
Em nenhum momento menti à comissão de inquérito, em nenhum momento omiti qualquer informação de que tivesse conhecimento e memória. Já o PÚBLICO, pelo contrário, publicou as duas calúnias que acabo de expor, bem como a terceira, que irei expor adiante, sem ter cumprido o seu dever deontológico de procurar falar comigo antes de as publicar. Além disso, também não pediu, tanto quanto se percebe, quaisquer esclarecimentos oficiais ao BdP. Pois, se tivesse pedido, talvez tivesse sido informado de que dizer que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito] depois [de elas estarem celebradas]” decorre da lei e da natureza da supervisão tal como ela existe em Portugal e em toda a zona euro. Não é uma opinião minha, e muito menos ainda uma mentira que eu tenha dito a uma comissão de inquérito.
Note-se também que a forma como o PÚBLICO tratou essa minha afirmação genérica provocou uma grave associação com outra afirmação minha no Parlamento. Questionado sobre se em 2002 (há 17 anos!) recebera uma carta do dr. Almerindo Marques — directamente dele ou remetida pelo ministro das Finanças da altura — e se falara com o dr. Almerindo Marques sobre essa carta, respondi que não me lembrava e não tinha memória nem de uma coisa, nem da outra. Mas disse também que, se essa carta existisse, estaria no registo do BdP. Entretanto, apurou-se que não há registo da entrada dessa carta no BdP, pelo que creio poder dizer que fiz bem em ser verdadeiro, como sempre sou, e dizer que não tenho memória de uma coisa quando não tenho memória dela. Contudo, conforme me foi reportado, o eu ter dito que não me lembrava disso (ou seja, da carta que se verificou entretanto nunca ter dado entrada no BdP) foi usado pelo PÚBLICO para fazer crer que eu teria dito no Parlamento que não me lembrava do crédito concedido à Fundação Berardo. Esta fabricação, segundo me reportaram, foi plasmada num vídeo colocado online no dia 7, bem como (se bem entendo) no editorial do PÚBLICO do dia 8. Entretanto, o vídeo parece ter sido retirado da edição online do PÚBLICO. O problema fundamental nem sequer é, porém, esse. O problema fundamental é antes que, com grave prejuízo para a minha honra, esta fabricação tem sido repetida por diversos órgãos de comunicação social, apesar de eu ter chamado a atenção para ela na minha intervenção de dia 8 na RTP.
A calúnia da interferência no BCP
Falta ainda considerar a terceira calúnia, que é porventura a mais grave. Escreve o PÚBLICO que eu teria sido “uma peça-chave na polémica transferência da gestão da CGD — Carlos Santos Ferreira e os executivos Armando Vara (hoje a cumprir pena de prisão) e Vítor Fernandes (agora administrador do Novo Banco) — para o BCP”.
Sobre esta acusação quero apenas enumerar os seguintes pontos.
Em primeiro lugar, na sequência de uma denúncia anónima ao BdP e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), ambas as instituições abriram, no período em questão, processos a vários gestores de topo que, potencialmente, estariam envolvidos em graves irregularidades no BCP. Os dois supervisores, BdP e CMVM, actuaram em todo este caso em plena convergência de propósitos. Enquanto esses processos estiveram a decorrer, a ninguém foi, obviamente, retirada a idoneidade para exercer funções no sistema bancário. Mais tarde, muitos deles vieram a ser condenados nos processos do BdP e da CMVM e sujeitos a multas e sanções, após o trabalho dos técnicos e juristas que, com total autonomia, instruíram os processos. Nenhuma decisão do BdP foi além do estrito cumprimento da lei, e nenhuma interferiu no processo de decisão de eleger novos corpos gerentes para o BCP, uma decisão que era da exclusiva responsabilidade dos accionistas. Algumas dessas escolhas incidiram sobre pessoas que já exerciam funções na banca, às quais, naturalmente, os serviços e o conselho do BdP não tinham, à época, razões para não reconhecer a respectiva idoneidade. Não interferi na elaboração interna destes processos, e limitei-me a aprovar em conselho de administração as propostas que sobre eles foram apresentadas.
Em segundo lugar, esta descrição dos factos salienta como funcionam instituições com as responsabilidades e importância do BdP e da CMVM. É absurdo supor, e não se verifica na prática, que o respectivo governador ou presidente ou os conselhos de administração possam impor a seu bel prazer decisões que vão contra a lei. Tal nunca aconteceu no meu mandato, nem tenho conhecimento de que alguma vez tenha acontecido na história do BdP. Após uma longa vida pública de comportamento probo e íntegro, nunca deixarei de reagir contra quem quer que seja que, impunemente e sem provas, procure acusar ou simplesmente insinuar que eu ou o BdP alguma vez actuámos sem isenção e fora da legalidade. Os portugueses precisam de saber que há instituições em Portugal que, podendo certamente errar, pois errar é humano, cumprem com probidade as suas funções.
Em terceiro lugar, quero dizer que tudo o que demonstrei acima, na exposição das duas primeiras calúnias do PÚBLICO, demonstra também a falta de fundamento da acusação de que eu teria tido uma intervenção pessoal no processo de escolha de novos gestores para o BCP. Dado que não estive sequer presente na reunião do conselho de administração do BdP em que foi deliberada a não oposição a que a Fundação Berardo adquirisse mais de 5% do capital do BCP; dado que, consequentemente, não apreciei a respectiva documentação, nem deliberei sobre ela; e dado que essa deliberação (mesmo que eu tivesse participado dela) nunca poderia, de forma alguma, ser confundida com um aval ou uma aprovação ou um juízo de valor sobre a concessão de crédito à Fundação Berardo, na verdade o artigo do PÚBLICO não tem qualquer fundamento factual para fazer esta terceira acusação. É simplesmente caluniosa a tentativa de apresentar a deliberação da reunião do conselho de administração do BdP como uma espécie de prova de que eu teria tomado partido na “luta de poder” que, segundo a descrição do PÚBLICO, levou à escolha de novos gestores para o BCP. É esta a terceira calúnia do artigo de 7 de Junho do PÚBLICO.
Por várias razões complexas, sou contra o levantamento de processos-crime contra jornalistas e órgãos de comunicação social. Mas há casos em que o processo cível tem de ser ponderado — salvo se a verdade for reposta.
Vítor Constâncio, ex-governador
do Banco de Portugal
Nota da Direcção Editorial
Em momento algum o PÚBLICO coloca em causa a idoneidade do dr. Vítor Constâncio. Nem há matéria para o fazer. O PÚBLICO não escreve calúnias, não difama, nem escreve mentiras. O PÚBLICO noticiou, com base em documentos a que teve acesso, o conhecimento que o mesmo, enquanto governador do BdP, teve à data da operação de financiamento da CGD e como aceitou essa operação para efeitos do financiamento do aumento da participação qualificada pela Fundação Berardo. O artigo do PÚBLICO usa a linguagem jornalística; o dr. Vítor Constâncio usa conceitos jurídicos e formalismos próprios de uma entidade de supervisão.
O PÚBLICO nunca disse que Vítor Constâncio tinha participado no conselho de administração de 21 de Agosto de 2007, que decidiu pela “não oposição” ao reforço da participação qualificada de José Berardo no BCP. O que noticiou foi que o pedido do investidor ao BdP tinha subjacente uma operação de crédito polémica, cuja execução estava contratualmente condicionada ao parecer positivo do supervisor. E, ao não se opor, o dr. Vítor Constâncio autorizou a CGD a financiar Berardo para investir na bolsa, dando como garantia os títulos cotados.
Vítor Constâncio diz que, a 28 de Março de 2019, na CPI à recapitalização da CGD, não o questionaram sobre a operação Berardo. Em momento algum o PÚBLICO o afirma, apenas refere que, ao ser interrogado pelos deputados sobre se sabia que a Caixa concedia empréstimos problemáticos, o dr. Vítor Constâncio não informou que o crédito dado pelo banco público a Berardo era do seu conhecimento desde 2007.
O PÚBLICO contactou o dr. Vítor Constâncio para o número que lhe foi disponibilizado: ++++++++++7809. O telefone tocava, a chamada caía. O PÚBLICO devia ter incluído este dado no texto.
O dr. Vítor Constâncio tem razão quando lembra que não tinha responsabilidades de supervisão no Banco Central Europeu. O erro é do PÚBLICO.
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O título da notícia é obtuso e hilariante.
- Oih! Joe, estás autorizado a ir à Caixa Geral de Depósitos levantar 350 milhões para entrares naquele golpe para assaltarmos o BCP.
- Assaltarmos?..., quem é que assalta? O senhor governado também assalta?
- Não Joe, que ideia é essa, Joe?, eu jogo à defesa. Para atacar temos outros camaradas.
- Bom, compreendo. Faço o favor de aceitar a sua autorização. Mas se na Caixa não me deixarem levantar a massa?
- Oh!, Joe, em que mundo é que tu andas, Joe?
- Ando por todo o lado, senhor governador. Os bancos não me largam a pedir que eu lhes peça dinheiro.
- Claro que também a Caixa.
- Claríssimo, senhor governador, os caixeiros são quem mais me pedem para eu lhes pedir. É uma inquietação constante, não me largam a labita.
- É por uma boa razão, Joe.
- Pois deve ser. Se não fosse não me apoquentariam tanto.
- Falaram-te em garantias?
- Falei eu. Não gosto de pedir empréstimos sem oferecer garantias.
- Menino bonito, assim mesmo é que é. E, já agora, se não é indiscrição, que garantias dás?
- Não é indiscrição nenhuma, valha-o Deus, senhor governador. Como garantia, dou tudo o que tenho. Chega?
- Sobra.
- E, já agora, se não é indiscrição, quanto vale tudo o que tens?
- Não lhe sei dizer neste momento. Preciso de consultar os meus assistentes, eles é que fazem as contas. Que me lembre, tenho uma garagem no Funchal, ...
- Hum! Hum! Não percamos mais tempo com detalhes. Tenho de entrar imediatamente para uma reunião do Conselho. Vamos aprovar a operação.
- Pensei que já estivesse aprovada.
- E está, Joe. Só falta informar os outros. Governador, governa. Ou tens dúvidas, Joe?
- Nem dúvidas nem dívidas, Vítor.
Direito de resposta: “Constâncio omitiu ao Parlamento que autorizou Berardo a levantar 350 milhões da CGD”, publicado a 7 de Junho
Exercendo o meu direito de resposta à capa e
aos artigos que foram publicados por este jornal no passado dia 7 de
Junho de 2019 — e que me diziam respeito —, quero começar por dizer que
são um conjunto de confusões, fabricações e calúnias. O cerne deste
exercício do direito de resposta é a demonstração de que essas calúnias
são essencialmente três: a calúnia da aprovação do crédito, a calúnia da
mentira no Parlamento, a calúnia da interferência no BCP.
O absurdo título do PÚBLICO
Consideremos, em primeiro lugar, a capa do PÚBLICO: “Constâncio autorizou Berardo a ir levantar 350 milhões à Caixa.” Quando, pela primeira vez, li este título, não compreendi sequer a que coisa poderia referir-se: eu teria autorizado Berardo “a ir levantar 350 milhões à Caixa”? Escrevi imediatamente no Twitter que não era verdade — pela simples razão de que não poderia ser verdade que um banco central autorizasse alguém a “ir levantar” dinheiro. Por excesso de zelo epistemológico, escrevi também que não tinha memória do que era referido no título do PÚBLICO, e declarei que “iria investigar” o caso, ciente de que só um grau de iliteracia económica bastante elevado poderia levar a que se escrevesse que um governador de um banco central autorizara alguém a levantar dinheiro. E, dado que poderia haver algum outro assunto que estivesse a ser confundido com uma autorização para levantar dinheiro, fui, de facto, investigar o caso, começando por ler o artigo.
Quando li o artigo, compreendi o que queria dizer o absurdo título do PÚBLICO, assim como a confusão que era feita. A pretensa autorização para “ir levantar dinheiro” era imputada pelo jornal a uma deliberação tomada em reunião do conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) no dia 21 de Agosto de 2007. O conteúdo dessa deliberação, ou seja, a deliberação efectivamente tomada pelo BdP, foi (como diz o próprio artigo) a de “não se opor à detenção pela Fundação Berardo de uma posição qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital do BCP e inerentes direitos de voto”. É esta deliberação que o PÚBLICO confunde com uma pretensa autorização para fazer uso de um empréstimo de 350 milhões de euros já previamente contratado entre a CGD e a Fundação Berardo com vista à compra de acções do BCP. Ou seja, não se opor à aquisição de uma participação qualificada transformou-se numa autorização para “ir levantar 350 milhões à Caixa”.Já depois das minhas declarações na RTP no dia 8, o PÚBLICO tentou defender (num novo artigo colocado online nesse mesmo dia) que, antes da deliberação do BdP, o crédito concedido pela Caixa seria apenas “uma linha de crédito” ou “uma espécie de conta corrente”, de forma a poder sugerir que a deliberação do BdP de não se opor à detenção pela Fundação Berardo de uma posição qualificada superior a 5% e inferior a 10% seria até a verdadeira e definitiva aprovação desse crédito.
Mas tal não é assim, não é de todo assim, não pode de modo algum ser entendido assim. Uma concessão de crédito, qualquer concessão de crédito é um contrato de direito privado que vigora entre as partes independentemente do que possa deliberar ou decidir ou fazer qualquer outra entidade, incluindo o BdP. Como tenho dito e repetido, o BdP não aprova créditos decididos pela gestão comercial dos bancos, e também não pode cancelá-los ou impedi-los de vigorar depois de terem sido celebrados entre as partes e nos termos que tenham sido acordados entre elas. É isto que é conforme com todo o ordenamento jurídico, nacional e europeu, em que vivemos.
A calúnia da aprovação do crédito
O absurdo título do PÚBLICO
Consideremos, em primeiro lugar, a capa do PÚBLICO: “Constâncio autorizou Berardo a ir levantar 350 milhões à Caixa.” Quando, pela primeira vez, li este título, não compreendi sequer a que coisa poderia referir-se: eu teria autorizado Berardo “a ir levantar 350 milhões à Caixa”? Escrevi imediatamente no Twitter que não era verdade — pela simples razão de que não poderia ser verdade que um banco central autorizasse alguém a “ir levantar” dinheiro. Por excesso de zelo epistemológico, escrevi também que não tinha memória do que era referido no título do PÚBLICO, e declarei que “iria investigar” o caso, ciente de que só um grau de iliteracia económica bastante elevado poderia levar a que se escrevesse que um governador de um banco central autorizara alguém a levantar dinheiro. E, dado que poderia haver algum outro assunto que estivesse a ser confundido com uma autorização para levantar dinheiro, fui, de facto, investigar o caso, começando por ler o artigo.
Quando li o artigo, compreendi o que queria dizer o absurdo título do PÚBLICO, assim como a confusão que era feita. A pretensa autorização para “ir levantar dinheiro” era imputada pelo jornal a uma deliberação tomada em reunião do conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) no dia 21 de Agosto de 2007. O conteúdo dessa deliberação, ou seja, a deliberação efectivamente tomada pelo BdP, foi (como diz o próprio artigo) a de “não se opor à detenção pela Fundação Berardo de uma posição qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital do BCP e inerentes direitos de voto”. É esta deliberação que o PÚBLICO confunde com uma pretensa autorização para fazer uso de um empréstimo de 350 milhões de euros já previamente contratado entre a CGD e a Fundação Berardo com vista à compra de acções do BCP. Ou seja, não se opor à aquisição de uma participação qualificada transformou-se numa autorização para “ir levantar 350 milhões à Caixa”.Já depois das minhas declarações na RTP no dia 8, o PÚBLICO tentou defender (num novo artigo colocado online nesse mesmo dia) que, antes da deliberação do BdP, o crédito concedido pela Caixa seria apenas “uma linha de crédito” ou “uma espécie de conta corrente”, de forma a poder sugerir que a deliberação do BdP de não se opor à detenção pela Fundação Berardo de uma posição qualificada superior a 5% e inferior a 10% seria até a verdadeira e definitiva aprovação desse crédito.
Mas tal não é assim, não é de todo assim, não pode de modo algum ser entendido assim. Uma concessão de crédito, qualquer concessão de crédito é um contrato de direito privado que vigora entre as partes independentemente do que possa deliberar ou decidir ou fazer qualquer outra entidade, incluindo o BdP. Como tenho dito e repetido, o BdP não aprova créditos decididos pela gestão comercial dos bancos, e também não pode cancelá-los ou impedi-los de vigorar depois de terem sido celebrados entre as partes e nos termos que tenham sido acordados entre elas. É isto que é conforme com todo o ordenamento jurídico, nacional e europeu, em que vivemos.
A calúnia da aprovação do crédito
Se a Fundação Berardo não tivesse requerido a deliberação de não-oposição do BdP à detenção por ela de uma participação qualificada, isso não a impediria, legalmente, de comprar acções do BCP. Quando muito, isso teria como consequência que a Fundação Berardo poderia ser privada do exercício do direito de voto correspondente às acções que excedessem o limite de 4,99%. Por isso, a deliberação do BdP não pode, repito, ser confundida de forma alguma com a aprovação de um crédito.
Contudo, o PÚBLICO pretende fazer crer (embora seja absurdo à luz da lei) que, no caso particular deste crédito, haveria razões especiais para que ele tivesse de ser aprovado pelo BdP: era um crédito atribuído a um “investidor especulativo”, não tinha “garantias reais” ou, como se diz, em alternativa, noutra parte do texto, tinha uma “garantia real, mas especulativa”, e sobretudo veio, “tempos depois”, a revelar-se “uma das mais ruinosas e questionáveis operações de crédito concedidas nos últimos anos”. Mas tudo isso é, em primeiro lugar, uma ficção; em segundo, uma falácia histórica; em terceiro, um equívoco sobre a natureza da supervisão bancária.
É uma ficção pela razão já apontada: o crédito era válido nos termos acordados entre as partes — ponto final.
É uma falácia histórica porque o carácter tóxico da operação de crédito só se verificou, como o próprio texto diz, “tempos mais tarde”, sendo certo que o contrato de crédito permitia ao credor executar os penhores nos termos descritos pelo próprio artigo do PÚBLICO. Lembro também que, há 12 anos, não se descortinavam quaisquer razões para deduzir oposição à idoneidade da Fundação Berardo para deter entre 5% e 10% do capital do BCP.
Mas é tudo isto também um equívoco sobre a natureza da supervisão bancária porque o facto de o BdP não se ter oposto à compra de acções do BCP não implicou, nem podia, por lei, implicar, um juízo de valor sobre a operação de crédito. Esta operação fazia parte da gestão comercial da CGD. Se ela se revelou tóxica “tempos depois”, isso diz respeito apenas à gestão do contrato pela CGD.
Eis, porém, que com base nas confusões e fabricações que acabo de descrever o PÚBLICO publica o que já se percebe agora ser uma calúnia, expressa no subtítulo da capa: “Banco de Portugal aprovou investimento de Berardo no BCP com crédito tóxico da Caixa.”
Se o PÚBLICO só tivesse publicado este subtítulo, não seria eu o visado, mas sim o BdP. Mas o título, como se viu acima, destacava o meu nome: “Constâncio autorizou, etc.” E, sobretudo, todo o artigo procura fazer crer que, na verdade, não teria sido propriamente o Banco de Portugal, mas sim eu, pessoalmente e enquanto governador, quem teria dado a pretensa autorização para “ir levantar” 350 milhões de euros.
Contudo, já é público desde sábado passado que, como é meu direito, pedi recentemente ao BdP informações sobre a reunião de 21 de Agosto de 2007, e que a respectiva acta, que me foi facultada pelo BdP, revela que, por estar ausente do país, não estive presente nessa reunião e, consequentemente, não apreciei a respectiva documentação nem deliberei sobre ela. Seria sempre uma fabricação dizer que eu, enquanto governador, “autorizei” x ou y ou z numa reunião do conselho de administração, pois as deliberações de tais reuniões são por natureza colegiais, isto é, tomadas por pares e não por um governador a que os outros membros do conselho estivessem subordinados e nos quais ele mandasse. Mas, obviamente, a fabricação é ainda maior num caso em que uma deliberação é imputada a uma só pessoa e, contudo, essa pessoa nem sequer participou dela. O processo foi tratado pelos serviços competentes e a respectiva proposta de deliberação foi apresentada pelo vice-governador responsável pela supervisão bancária, tendo sido aprovada pelo conselho.
Não digo isto para me eximir a qualquer responsabilidade. Digo-o porque é verdade e porque as calúnias do jornal PÚBLICO passam muito fundamentalmente pela fabricação da impressão contrária: a de que eu mandava pessoalmente no BdP e, em particular, no pelouro da supervisão. Tal como fiz na comissão de inquérito, quero reafirmar que, enquanto fui governador, a minha principal função foi a participação na definição da política monetária europeia como membro do conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE), o que, além da respectiva preparação, implicava viagens quinzenais a Frankfurt. Tinha também o pelouro da auditoria interna do BdP e do Departamento dos Estudos Económicos, além da presidência e coordenação do conselho de administração do BdP. Já agora acrescento que outra mentira do artigo do PÚBLICO (mas uma mentira menor, em comparação com as outras) consiste em dizer que, no BCE, tive “o pelouro da supervisão”. Tal como esclareci por escrito na comissão de inquérito ao BES, o BCE só iniciou o exercício de poderes de supervisão em 2014 (tendo eu sido designado vice-presidente em 2010). Depois dessa data, não exerci qualquer cargo no conselho de supervisão ou em qualquer outro órgão do Mecanismo Único de Supervisão, que foi criado dentro do BCE para exercer as competências de supervisão dos bancos. Durante os oito anos em que fui o vice-presidente do BCE a minha principal função foi, de novo, a participação nas deliberações de política monetária, e tive ao longo do tempo muitos e diferentes pelouros, incluindo o da Estabilidade Financeira e o da Investigação Económica.
A calúnia da mentira no Parlamento
A segunda calúnia do PÚBLICO está na segunda parte do subtítulo da capa e, depois, no corpo do texto: “Banco de Portugal aprovou investimento de Berardo no BCP com crédito tóxico da Caixa. Ex-governador disse no Parlamento que não sabia de nada.” Em que se baseia o PÚBLICO para dizer que eu “disse no Parlamento que não sabia de nada”, isto é, que disse que não sabia aprovação do crédito de 350 milhões concedido pela CGD à Fundação Berardo? Baseia-se no facto de eu ter dito no Parlamento “ser impossível” o BdP saber que a CGD iria financiar o Grupo Berardo antes de o crédito ser dado; ter dito que isso “é óbvio, é natural”; e ter dito que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito] depois [de elas estarem celebradas]”. Mas tudo isto é, de facto, verdade, e é, de facto, óbvio.
O que o artigo do PÚBLICO faz é confundir duas coisas: uma é eu ter feito a afirmação genérica (e óbvia) de que o BdP só pode saber de uma operação de crédito depois de esta estar celebrada entre as partes, uma segunda coisa é a interpretação que o PÚBLICO faz daquela primeira, como se ela significasse que eu estivesse a dizer que não soube nem do pedido da Fundação Berardo para passar a ter mais de 5% do capital do BCP, nem da deliberação em que o BdP não se opôs a que tal acontecesse. Mas a primeira coisa é evidentemente muito diferente da segunda; e, além disso, eu disse repetidas vezes no Parlamento que soube do empréstimo à Fundação Berardo.
Por exemplo, às 2h34 da audição parlamentar disse: “Quando essas operações foram conhecidas, a posteriori como é evidente...”; ou às 2h36: “Em relação ao tratamento das operações e ao reforço das garantias... tive conhecimento em todas as conversas que tive sobre as operações, nessa altura, com o vice-governador.” (Ver também a audição às 2h12, 2h15, e 2h24, por exemplo.) Do mesmo modo, disse repetidas vezes na RTP (no passado dia 8) que soube da deliberação em que o BdP não se opôs à aquisição de acções — e disse também, sublinhe-se, que esta questão não foi abordada na audição parlamentar, tal como de facto não foi.
O que tudo isto significa é que soube destas matérias nos momentos em que foi adequado que soubesse, e nunca afirmei que não tivesse conhecimento delas ou que não me lembrasse delas. Ao contrário do que cheguei a supor pois tudo isto aconteceu já há 12 anos), não soube logo da deliberação do BdP no momento em que ela teve lugar, isto é, na reunião em que foi tomada (pois, como se viu acima, nem sequer estive presente nessa reunião). Mas tomei conhecimento depois disso, pelo menos através do projecto de acta apresentado na reunião seguinte do conselho de administração do BdP.
Portanto, o PÚBLICO acusa-me de ter mentido à comissão de inquérito, quando a mentira, ou pelo menos o erro, está, de facto, do lado do PÚBLICO.
As falhas deontológicas
do PÚBLICO
Em nenhum momento menti à comissão de inquérito, em nenhum momento omiti qualquer informação de que tivesse conhecimento e memória. Já o PÚBLICO, pelo contrário, publicou as duas calúnias que acabo de expor, bem como a terceira, que irei expor adiante, sem ter cumprido o seu dever deontológico de procurar falar comigo antes de as publicar. Além disso, também não pediu, tanto quanto se percebe, quaisquer esclarecimentos oficiais ao BdP. Pois, se tivesse pedido, talvez tivesse sido informado de que dizer que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito] depois [de elas estarem celebradas]” decorre da lei e da natureza da supervisão tal como ela existe em Portugal e em toda a zona euro. Não é uma opinião minha, e muito menos ainda uma mentira que eu tenha dito a uma comissão de inquérito.
Note-se também que a forma como o PÚBLICO tratou essa minha afirmação genérica provocou uma grave associação com outra afirmação minha no Parlamento. Questionado sobre se em 2002 (há 17 anos!) recebera uma carta do dr. Almerindo Marques — directamente dele ou remetida pelo ministro das Finanças da altura — e se falara com o dr. Almerindo Marques sobre essa carta, respondi que não me lembrava e não tinha memória nem de uma coisa, nem da outra. Mas disse também que, se essa carta existisse, estaria no registo do BdP. Entretanto, apurou-se que não há registo da entrada dessa carta no BdP, pelo que creio poder dizer que fiz bem em ser verdadeiro, como sempre sou, e dizer que não tenho memória de uma coisa quando não tenho memória dela. Contudo, conforme me foi reportado, o eu ter dito que não me lembrava disso (ou seja, da carta que se verificou entretanto nunca ter dado entrada no BdP) foi usado pelo PÚBLICO para fazer crer que eu teria dito no Parlamento que não me lembrava do crédito concedido à Fundação Berardo. Esta fabricação, segundo me reportaram, foi plasmada num vídeo colocado online no dia 7, bem como (se bem entendo) no editorial do PÚBLICO do dia 8. Entretanto, o vídeo parece ter sido retirado da edição online do PÚBLICO. O problema fundamental nem sequer é, porém, esse. O problema fundamental é antes que, com grave prejuízo para a minha honra, esta fabricação tem sido repetida por diversos órgãos de comunicação social, apesar de eu ter chamado a atenção para ela na minha intervenção de dia 8 na RTP.
A calúnia da interferência no BCP
Falta ainda considerar a terceira calúnia, que é porventura a mais grave. Escreve o PÚBLICO que eu teria sido “uma peça-chave na polémica transferência da gestão da CGD — Carlos Santos Ferreira e os executivos Armando Vara (hoje a cumprir pena de prisão) e Vítor Fernandes (agora administrador do Novo Banco) — para o BCP”.
Sobre esta acusação quero apenas enumerar os seguintes pontos.
Em primeiro lugar, na sequência de uma denúncia anónima ao BdP e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), ambas as instituições abriram, no período em questão, processos a vários gestores de topo que, potencialmente, estariam envolvidos em graves irregularidades no BCP. Os dois supervisores, BdP e CMVM, actuaram em todo este caso em plena convergência de propósitos. Enquanto esses processos estiveram a decorrer, a ninguém foi, obviamente, retirada a idoneidade para exercer funções no sistema bancário. Mais tarde, muitos deles vieram a ser condenados nos processos do BdP e da CMVM e sujeitos a multas e sanções, após o trabalho dos técnicos e juristas que, com total autonomia, instruíram os processos. Nenhuma decisão do BdP foi além do estrito cumprimento da lei, e nenhuma interferiu no processo de decisão de eleger novos corpos gerentes para o BCP, uma decisão que era da exclusiva responsabilidade dos accionistas. Algumas dessas escolhas incidiram sobre pessoas que já exerciam funções na banca, às quais, naturalmente, os serviços e o conselho do BdP não tinham, à época, razões para não reconhecer a respectiva idoneidade. Não interferi na elaboração interna destes processos, e limitei-me a aprovar em conselho de administração as propostas que sobre eles foram apresentadas.
Em segundo lugar, esta descrição dos factos salienta como funcionam instituições com as responsabilidades e importância do BdP e da CMVM. É absurdo supor, e não se verifica na prática, que o respectivo governador ou presidente ou os conselhos de administração possam impor a seu bel prazer decisões que vão contra a lei. Tal nunca aconteceu no meu mandato, nem tenho conhecimento de que alguma vez tenha acontecido na história do BdP. Após uma longa vida pública de comportamento probo e íntegro, nunca deixarei de reagir contra quem quer que seja que, impunemente e sem provas, procure acusar ou simplesmente insinuar que eu ou o BdP alguma vez actuámos sem isenção e fora da legalidade. Os portugueses precisam de saber que há instituições em Portugal que, podendo certamente errar, pois errar é humano, cumprem com probidade as suas funções.
Em terceiro lugar, quero dizer que tudo o que demonstrei acima, na exposição das duas primeiras calúnias do PÚBLICO, demonstra também a falta de fundamento da acusação de que eu teria tido uma intervenção pessoal no processo de escolha de novos gestores para o BCP. Dado que não estive sequer presente na reunião do conselho de administração do BdP em que foi deliberada a não oposição a que a Fundação Berardo adquirisse mais de 5% do capital do BCP; dado que, consequentemente, não apreciei a respectiva documentação, nem deliberei sobre ela; e dado que essa deliberação (mesmo que eu tivesse participado dela) nunca poderia, de forma alguma, ser confundida com um aval ou uma aprovação ou um juízo de valor sobre a concessão de crédito à Fundação Berardo, na verdade o artigo do PÚBLICO não tem qualquer fundamento factual para fazer esta terceira acusação. É simplesmente caluniosa a tentativa de apresentar a deliberação da reunião do conselho de administração do BdP como uma espécie de prova de que eu teria tomado partido na “luta de poder” que, segundo a descrição do PÚBLICO, levou à escolha de novos gestores para o BCP. É esta a terceira calúnia do artigo de 7 de Junho do PÚBLICO.
Por várias razões complexas, sou contra o levantamento de processos-crime contra jornalistas e órgãos de comunicação social. Mas há casos em que o processo cível tem de ser ponderado — salvo se a verdade for reposta.
Vítor Constâncio, ex-governador
do Banco de Portugal
Nota da Direcção Editorial
Em momento algum o PÚBLICO coloca em causa a idoneidade do dr. Vítor Constâncio. Nem há matéria para o fazer. O PÚBLICO não escreve calúnias, não difama, nem escreve mentiras. O PÚBLICO noticiou, com base em documentos a que teve acesso, o conhecimento que o mesmo, enquanto governador do BdP, teve à data da operação de financiamento da CGD e como aceitou essa operação para efeitos do financiamento do aumento da participação qualificada pela Fundação Berardo. O artigo do PÚBLICO usa a linguagem jornalística; o dr. Vítor Constâncio usa conceitos jurídicos e formalismos próprios de uma entidade de supervisão.
O PÚBLICO nunca disse que Vítor Constâncio tinha participado no conselho de administração de 21 de Agosto de 2007, que decidiu pela “não oposição” ao reforço da participação qualificada de José Berardo no BCP. O que noticiou foi que o pedido do investidor ao BdP tinha subjacente uma operação de crédito polémica, cuja execução estava contratualmente condicionada ao parecer positivo do supervisor. E, ao não se opor, o dr. Vítor Constâncio autorizou a CGD a financiar Berardo para investir na bolsa, dando como garantia os títulos cotados.
Vítor Constâncio diz que, a 28 de Março de 2019, na CPI à recapitalização da CGD, não o questionaram sobre a operação Berardo. Em momento algum o PÚBLICO o afirma, apenas refere que, ao ser interrogado pelos deputados sobre se sabia que a Caixa concedia empréstimos problemáticos, o dr. Vítor Constâncio não informou que o crédito dado pelo banco público a Berardo era do seu conhecimento desde 2007.
O PÚBLICO contactou o dr. Vítor Constâncio para o número que lhe foi disponibilizado: ++++++++++7809. O telefone tocava, a chamada caía. O PÚBLICO devia ter incluído este dado no texto.
O dr. Vítor Constâncio tem razão quando lembra que não tinha responsabilidades de supervisão no Banco Central Europeu. O erro é do PÚBLICO.
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OPINIÃO
Susana Peralta
A insustentável leveza da regulação da banca
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A propósito da escassez de crítica e independência, tivemos esta semana direito a mais um episódio da trágica novela da banca. Depois de ter respondido aos deputados da comissão de inquérito debaixo de uma crise de amnésia, Constâncio escreveu o seu direito de resposta ao PÚBLICO com uma memória minuciosa a detalhes. Ficámos a saber que viajava amiúde para Frankfurt e, por isso, não esteve na reunião que deu luz verde ao aumento da posição da Fundação Berardo no capital do BCP. A verdade é que pouco importa se o governador estava ou não sentado na reunião. O que interessa é perceber como é que o governador não se debruça sobre uma questão tão fundamental como uma tomada de posição acionista no maior banco privado de um país que não tem assim tantos.
Vamos aos factos. Houve um aumento de posição acionista que ia ser financiado com capitais próprios e um crédito, mas afinal o capital próprio evaporou-se e ficou só o crédito. A contrapartida do crédito eram as próprias ações que iam ser adquiridas. Se basta pedir um empréstimo no valor das ações a adquirir e oferecer as ditas como contrapartida, eu também vou começar a comprar bancos. Será que o Banco de Portugal devia aprovar a tomada de posição de Berardo no capital do BCP, conhecendo as condições do malfadado crédito que o sr. comendador ia utilizar para se financiar?
Não é preciso uma equipa de analistas financeiros sofisticados para perceber que as condições do crédito indiciavam que Berardo não tinha património para comprar bancos. No site do Banco Central Europeu podemos ler que um dos critérios para a autorização de aquisição de uma posição qualificada na estrutura acionista de uma instituição financeira é esta: “O potencial adquirente tem capacidade para financiar a aquisição proposta e manter uma estrutura financeira sólida num futuro próximo?”
Quando Constâncio nos diz que “há 12 anos não se descortinavam quaisquer razões para deduzir oposição à idoneidade da Fundação Berardo para deter entre 5% e 10% do capital do BCP” está a ignorar, ou a querer que ignoremos, que o facto de Berardo não ter oferecido garantias patrimoniais à CGD descortinava muita coisa. Constâncio afirma que o Banco de Portugal não aprova créditos da CGD. Mas a questão não é essa. Se o Banco de Portugal tivesse emitido um parecer desfavorável à tomada de posição da Fundação Berardo, o empréstimo à CGD não tinha acontecido, apesar de Constâncio não aprovar diretamente créditos da CGD.
Esta insustentável leveza de quem toma decisões críticas sobre o sistema financeiro português contrasta com o peso no bolso dos contribuintes do dinheiro que o Estado tem injetado na banca. Os números falam por si. Segundo as estatísticas oficiais da Comissão Europeia, o passivo do Estado português no sistema financeiro era no final de 2018 de 25 mil milhões de euros, juntando-se a esta conta quase seis mil milhões de passivos contingentes (associados a garantias várias dadas pelo Estado ao sistema financeiro). A intervenção do Estado no sector financeiro contribuiu para o défice em todos os anos desde 2010, ou seja, desde que a Comissão Europeia começou a recolher esta informação de forma sistematizada. Em 2018, houve apenas dois países – Portugal e Chipre – cujas intervenções no sector financeiro aumentaram o défice público.
Mas o maior problema nem é a dimensão ou frequência das intervenções. É mesmo a falta de transparência do processo e de estudos que convençam as portuguesas e os portugueses de que todo este dinheiro não foi utilizado em vão. Nos Estados Unidos, o Troubled Asset Relief Program, lançado em 2008 no calor da crise financeira, tem direito a uma extensa cobertura no site do Tesouro Americano, onde qualquer pessoa interessada encontra detalhes sobre os montantes injetados nos diferentes sectores da economia, acompanhados de estudos sobre o programa. E até relatórios – sente-se, cara leitora, que esta vai doer! – mensais acerca da evolução do TARP. Leu bem: a cada 30 dias, o Tesouro presta contas sobre o dinheiro dos contribuintes. É com este nível de exigência em mente que temos de avaliar as amnésias de Constâncio e de outros que foram desfilando pelas comissões de inquérito do nosso descontentamento.- c/p aqui
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