Saturday, September 17, 2016

CATURRICES

Prezada Suzana T.,

Leio o seu comentário, e permita-me que duvide que o abandono e a degradação de prédios urbanos, e o abandono de prédios rústicos com potencial de aproveitamento económico, se deva, em grande medida, à falta de recursos financeiros dos proprietários, que lhes permitam retirar rendimento compensador.

E que, reconhecendo que, por outro lado, em muitos casos, esse abandono resulte de partilhas por realizar, atribui essa situação ao facto de ser complicada a discussão familiar ou societária das partilhas, e altamente burocratizada a formalização notarial e o registo da propriedade partilhada.

Não conheço estatísticas sobre o tema, e suponho não existem, que me permitam quantificar o número de casos em que as restrições financeiras são ou não impedimento do aproveitamento eficiente da propriedade, mas admito que alguns existam e que se meçam em muitos milhares.

Abordemos os outros casos, aqueles em que o abandono e a degradação não são, claramente não são, de natureza financeira. 

1 - Heranças não partilhadas

Admito que haja muitas situações de conflito familiar ou societário, mas não tenho a mesma opinião quanto às dificuldades de notário e registo.
Aceito que o agravamento da tributação fiscal não resolverá em muitos casos os bloqueamentos nas partilhas. Até porque, sendo a propriedade antiga, o mais certo é que o IMI actual seja tão baixo que mesmo um agravamento percentualmente muito alto não suscitará nos herdeiros a mínima perturbação.

A solução destes casos não passa, concordo, pelo agravamento da tributação fiscal.
Passaria, eficazmente, pela obrigatoriedade legal, se no Parlamento quisessem resolver o problema, de os herdeiros realizarem partilhas num período máximo de dois anos após o facto determinante da herança.
Para lá desse prazo, a propriedade seria vendida em hasta pública e o produto, deduzidas as custas, divido por quem provasse os seus direitos.

2 - Outros casos

Prédios urbanos

Referi no meu comentário inicial que precisamos de uma lei que liberalize as rendas de modo a que o mercado funcione. Há muitas situações de rendas antigas que deveriam, no caso da liberalização das rendas, serem os arrendatários, por provada incapacidade financeira, subsidiados directamente, e não os senhorios, pelo Estado, como parece ser ideia deste governo. 
O aumento, por razões demográficas, das rendas nos casos, que claramente são um benefício do senhorio transferido para o arrendatário sem restrições financeiras a esse nível, financiaria o subsídio, naturalmente decrescente, aos mais carentes. 

Há outros prédios urbanos degradados, não utilizados, que não se enquadram nas hipóteses anteriores. As razões da imobilidade são diversas. Por exemplo, os exemplos, lamentavelmente, abundam, os dois prédios, enormes, emparedados e grafitados, da Fontes Pereira de Melo, estão expectantes há quantos anos? Há muitos. Porquê?
A casos como estes deveria ser aplicado um IMI penalizante da expectância e incentivador da sua eficiência económica, porque são uma chaga que alastra por todo o lado.

Prédios rústicos

O potencial económico de muitos prédios rústicos, abandonados ou aproveitados, desvanece-se com a sua reduzida dimensão económica. A agricultura e a silvicultura, como qualquer actividade económica, requer, para ser eficiente e rentável, dimensão adequada.
Impõe-se o emparcelamento, uma questão antiga por resolver. 
Por livre iniciativa dos proprietários, é impossível.
A entrega dos terrenos abandonados à gestão das autarquias é uma ideia que surgiu há dias nos meios governamentais mas seria um disparate perfeito. 

Há uma solução: incentivar fiscalmente o emparcelamento, agravar fiscalmente a propriedade rústica abandonada. 

Para que tudo isto funcionasse, seria necessário que houvesse um levantamento da titularidade da propriedade, urbana e rústica, uma questão também antiga. 
Há uma solução : Exigir que todos os proprietários entreguem nas finanças, dentro de um prazo razoável, um formulário dos prédios de que se considerem proprietários que não constem das listas enviadas pelas finanças para pagamento do IMI.
Prédios não constantes nem declarados seriam considerados propriedade do Estado e vendidos a quem fizesse melhor oferta.

Nada do que sugiro é original. 
Nem é a primeira vez que abordo o assunto no meu caderno virtual de apontamentos. Antes, pelo contrário, é dos assuntos que mais tenho comentado. 

Há 30 anos (já sou velhote) mudei de atribuições na empresa onde trabalhei, e deixei de ser membro da Associação Fiscal Portuguesa. 
Já nessa altura, a questão da tributação da propriedade era das mais discutidas entre nós. 
Porque a tributação da propriedade é, como os impostos indirectos, a menos perturbadora do crescimento económico e pode ser motivadora da eficiência da propriedade.

A propriedade não é um roubo mas também não deve ser uma vaca sagrada.

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Correl . -
" ...E depois tenho metade das casas da minha sogra, que estão divididas por boca mas ainda não foi feita a escritura. Gosto [de ter casas]”. - Juiz Carlos Alexandre, entrevista Expresso de 17/9.

3 comments:

Suzana Toscano said...

Caro Rui Fonseca, muito lhe agradeço a distinção de comentar aqui no Aliás o meu texto do Quarta República sobre esta matéria, juntando ao tema muitas considerações relevantes e pertinentes. No entanto, creio que há-de concordar que a mera constatação da situação patrimonial a que se assiste por esse pais fora -e que muitas famílias sofrem no bolso - não pode resultar nem do desleixo endêmico dos "ricos" nem das zaragatas familiares que tradicionalmente acompanham as partilhas. Há duas gerações atrás (o tempo dos meus avós) investir em propriedades era o seguro de velhice, arrendava-se os andares, cuidava-se de cultivar as quintas e deixava-se aos filhos como herança risonha para o seu futuro. Não havia, por regra, prédios ao abandono, nem quintas abandonadas, salvo casos de ruína ou de desavenças absurdas que arruinavam todos. Muita coisa mudou entretanto, é certo, incluindo a demografia, a pobreza dos campos, novas e felizmente mais alargadas formas de ganhar a vida, e também outras perspectivas de a gozar sem ser por acumulação de patrimônio. Mas, caro Rui Fonseca, o meu ponto é o seguinte: em que é que o aumento sistemático do IMI resolve estas questões de fundo? Desde quando é que um imposto tem natureza punitiva, totalmente desligado da riqueza sobre a qual incide? Se um proprietário não consegue tirar proveito do que lhe pertence deveria vender, ou arrendar, se não o faz é porque não pode, ou ainda lhe convém menos. De que adianta ir tirar a essas pessoas o que têm e o que não têm, só porque se pretende efeitos de curto prazo para problemas que levam tempo a corrigir? Por isso, insisto, a questão é: em que é que o absurdo recurso ao IMI punitivo e profundamente injusto resolve qualquer das situações que tão bem elenco nos seus dois textos? Eu não consigo entender, além de que começo a duvidar da justiça fiscal e dos critérios e objectivos que determinam muitas das decisões que envolve esta matéria, ainda por cima embrulhada em palavreado justiceiro. O sistema fiscal não é uma arma de arremesso, substituta de políticas inteligentes e sistemáticas que possam suscitar a confiança das pessoas nas decisões que tomam.

Rui Fonseca said...


Prezada Suzana Toscano,

Muito obrigado pelo seu comentário.

Quero apenas esclarecer que eu não proponho uma tributação agravada da propriedade rústica como medida punitiva.
O que eu referi é que a tributação agravada pode abanar a expectância, o abandono, a inércia, porque o que está em causa tem pouca valia - o valor dos terrenos rústicos com vocação agrícola ou silvícola mas sem dimensão economicamente viável é muito reduzido - se for acompanhada de incentivos fiscais ao emparcelamento.

Desde logo um incentivo fiscal seria a isenção de impostos na venda de pequenas parcelas - até 10 mil euros por exemplo - se a venda fosse efectuada com o demonstrado propósito de
construir uma propriedade com dimensão mais viável a alguém que esteja dedicado à actividade agrícola ou silvícola.

Hoje, se alguém pretende vender uma propriedade rústica por umas centenas de euros, fica, após impostos, com um valor tão reduzido, que o desincentiva a vender.

Espero que com esta clarificação da minha parte fique melhor compreendida a minha proposta.

Pinho Cardão said...

Caro Rui:
As tuas observações são pertinentes, denotam um conhecimento global da situação que, penso eu, nenhum dos diletantes da geringonça mostra possuir e propões medidas integradas, com o objectivo de servir a economia. Ao contrário da geringonça, que só conhece medidas ad-hoc para esbulhar dinheiro ao contribuinte e aumentar a receita que dizem pública, mas de que eles são os patrões exclusivos. Assim, esta é mais uma medida sem nexo nem tino para colocar a economia ao serviço dos gastos e do esbanjamento público. Por esta razão, e sem prejuízo de muito da bondade do que dizes, tenho que concordar com a opinião da Suzana. Mas a tua contribuição é do mais válido que vi sobre a matéria em apreço. Abraço amigo.