O saldo das transacções correntes deteriorou-se durante o primeiro semestre do ano corrente ameaçando recair na situação de défice crónico que conduziu ao insuportável nível de endividamento, público e privado, que condiciona actualmente o crescimento económico sustentado do país.
Quem se importa com isso? O meu Amigo JMPM importa-se. Enviou-me há dois dias o desabafo que transcrevo abaixo. Mas a questão passa completamente ao lado da generalidade da população portuguesa.
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Pode proibir-se ou desanimar-se a importação de determinados produtos ou serviços lícitos? Não pode. Desde logo porque os tratados que subscrevemos não consentem, depois porque nenhum governo, qualquer governo, arriscaria apontar aos portugueses as consequências perversas para a economia do País de algumas das suas escolhas. É matéria em que nenhum partido, no governo ou na oposição, se arriscará a pôr as mãos.
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A RTP, p.e., enquanto empresa supostamente de serviço público, poderia divulgar factos e números que elucidassem a população das consequências no plano nacional e individual das suas escolhas. Mas faz o contrário. Um dos programas mais populares da estação de televisão pública - O Preço Certo - encaminha os telespectadores para compra de tralha geralmente inútil.
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Somos atavicamente os maiores consumidores de bacalhau, e gabamo-nos disso. É todo importado. No dia em que houvesse a mais ténue referência pública para a extravagância deste recorde mundial, ia a casa abaixo. Mas somos também dos maiores consumidores de pescado em geral, que importamos em grande parte. Li há dias que a fruta preferida dos portugueses é o abacaxi. Por outro lado, Portugal é um mercado onde a BMW e Mercedes conseguem, nestes tempos de crise, os crescimentos de vendas mais significativos. Um suíço compra uma bicicleta "made in Suiça" e prefere os produtos alimentares de origem local, ainda que sejam relativamente mais caros. Os portugueses arregalam o olho para marcas estrangeiras e produtos exóticos.
Não há nada a fazer?
Há, mas quem pode não deixa.
Ouvimos vezes sem conta que "os portugueses viveram acima das suas possibilidades". Independentemente da averiguação - que portugueses?-, é importante notar que só vive acima das suas possibilidades quem recebe crédito. O mesmo é dizer que a balança comercial se desequilibra quando o crédito concedido pelos bancos aumenta superando a poupança interna retida. A importação de crédito, que anima o prato da importação da balança comercial, é da responsabilidade dos bancos e actividades correlativas. É nessa sede que a questão se pode derimir numa zona monetária inacabada.
Para além, obviamente, do equilíbrio das contas públicas que tarda em reflectir-se na inversão do crescimento da dívida. Que, em todo o caso, segue a regra geral: a dívida pública aumenta em grande medida pelo crédito obtido por quem tutela os interesses do Estado.
---"Li com preocupação os resultados das importações, agora divulgados pelo INE, durante o 2º trimestre deste ano: 9% a mais que em 2014. Considerando o crescimento das exportações, já com 7 e tal por cento, um esforço admirável que o País está a fazer - sobretudo a gente do Norte - assim não dá nunca. Não pode dar. Isto é uma vergonha. Até o INE tenta esconder. Mesmo com ficheiros Excel, não mostra com clareza. Mas podia.
É assim: Segundo o INE, num quadro do Relatório em PDF - que não vem no Excel ! -, temos a seguinte estrutura de gastos com as importações no tal 2 ºtrimestre deste ano.
. 13% para produtos alimentares e bebidas (mas não discrimina o que são os produtos alimentares e sobretudo as bebidas, mas devem ser em grande parte os Continentes, os Pingos Doces, os Cortes Ingleses, etc, etc, etc, que continuam a importar como se o Pais fosse rico, e nós com tanta coisa boa para comer.... Ainda bem que não sou eu o Ministro da economia. Senão tinhamos sarilho.
. Indústria e maquinaria . Aqui Ok, nada a dizer porque é fundamentalmente investimento
. Combustiveis, nada a fazer, mas nós exportamos de Sines e a coisa lá se vai compondo
. Agora carros (alemães na sua maioria), respectivas peças e bens de consumos (lojas da moda e o que mais sei lá?) quase 30%? Não. O governo tem que intervir. Quer queiram quer não. E mais: tem de dar o exemplo, com a frota de carros do Estado. Isto não pode continuar assim, se não não nunca vais haver IRSs, IVAs, Etc, etc, etc, que cheguem para alimentar esta malta. Não me admirava mesmo nada que este assunto fosse explorado politicamente pelo AC do PS. Claro, põem-se a jeito e depois que se queixem.
Abç zm"
2014 | 2015 | |
Produtos alimentares e bebidas ??? | 13.1% | 13.2% |
Industria+maquinaria | 43.2% | 42.4% |
Combustiveis importados | 16.8% | 15.3% |
Carros + peças e bens de consumo gerais | 26.9% | 29.1% |
100.0% | 100.0% |
9 comments:
Não são em grande parte os portugueses que determinam as importações no ramo alimentar São as grandes cadeias porque estes produtos são mais rentáveis que os portugueses e com isso condicionam o consumo. Poderíamos é ser mais exigentes e interventivos mas para isso teríamos que construir uma consciência colectiva que está condicionada pela falta de informação e formação. Por isso continuo a apostar nos portugueses
Obrigado, Anonymous, pelo seu comentário.
É, parcialmente, verdade o que diz.
E digo, parcialmente, porque se o crédito não favorecer o consumo as importações não se aceleram.
A redução de salários pode não reduzir os consumos se essa redução for mais do que compensada pelo aumento do crédito.
No auge da crise era vulgar ouvir pessoas, as mais inesperadas, a dizer que, a preço igual ou ligeiramente superior, compravam preferencialmente produtos portugueses. Não sei se já lhes passou ou se, compreensivelmente, resolveram festejar o fim do sufoco maior com a compra de produtos não imprescindívies e, na sua maioria, importados. Gostava de saber.
Nós não somos auto-suficientes em produtos alimentares. Tanto quanto sei (e vejo à minha volta) o sector agroalimentar está em grande desenvolvimento. Chegará?
Ainda não chega. Continuamos mesmo muito longe da autosuficiência alimentar.
Segundo os indicadores recolhidos na Pordata, vd. aqui
http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+cobertura+das+importa%C3%A7%C3%B5es+pelas+exporta%C3%A7%C3%B5es+total+e+por+produto-2279
a taxa de cobertura das importações pelas exportações foi, em 2012, de 32,9% em "produtos da agricultura, silvicultura e pesca" e de 73,7% "em "produtos alimentares, bebidas e de indústria do tabaco"
Os dados mais recentes publicados pelo INE referentes ao comércio internacional foram comentados aqui
http://observador.pt/2015/07/07/exportacoes-portuguesas-aumentaram-18-importacoes-32-2014/
em 2014 "Os maiores défices comerciais verificaram-se nas transações de combustíveis minerais, produtos químicos e agrícolas, enquanto os maiores excedentes foram registados nas trocas de minerais e minérios, calçado e pastas celulósicas e papel."
Há muito tempo que venho comentando neste bloco de notas que deveria existir um pacto com o sistema financeiro no sentido de os créditos às importações terem juros agravados e as exportações juros bonificados. Mas é o mesmo que berrar no deserto.
Um país que recebeu subsídios para abater a sua frota pesqueira, e cujas entidades dificultam ao máximo o licenciamento dos investimentos na área da aquacultura.
Um país que recebeu e recebe incentivos para semear e plantar e para arrancar e voltar a plantar (como tenho oportunidade de verificar na zona onde habito, em que os proprietários das vinhas recebem para arrancar e depois para plantar e novamente para arrancar e depois para plantar árvores e novamente para arrancar e em seguida semear forragem para criação de animais, etc)
Um país que exporta alhos e importa alhos, que exporta frutículas e importa frutículas e por aí adiante. É um país sem "eira nem beira" no que respeita à gestão das suas produções, ao controle da aplicação dos incentivos e seus resultados, assim como, ao total desconhecimento da qualidade, quantidade e localização dos solos, de acordo com as suas potencialidades produtivas.
Tudo isto, associado à natural tendência de preferir o que nos chega de fora, considerando-o melhor. Os mais velhos, recordar-se-hão (pelo menos de ouvir contar) que em tempos em que a agricultura se fazia por processos totalmente manuais, Portugal produzia bens alimentares, suficientes para o consumo interno e ainda para o abastecimento das ex-colónias, naquilo que não produziam. É verdade que nesses tempos, o poder de compra permitia à maioria da população comprar pouco mais que o essencial. No entanto, não existia uma oferta tão alargada, desnecessária, fútil e supérflua como a que hoje amarra as famílias a créditos que com frequência as destroem. Falta uma consciência e um sentido nacionalista que leve os portugueses a apreciar o que é seu, a promovê-lo e a valoriza-lo, exigindo em troca, honestidade e equilíbrio nas relações de qualidade e de preço.
Podemos chover no molhado,mas há coisas que não fazem sentido: reduzimos a compra de carros X ou Y e depois vendemos os da Quinta do Anjo a quem?
Pelo que ouço é uma parcela boa do PIB, das exportações e do emprego de qualidade.
Será que os sonhos de criança levam a algum lado, mais que belos comentários ,entre trolls?
António Cristóvão,
Obrigado pelo seu comentário.
Nós não podemos, e isso refiro-o no meu apontamento, em consequência dos tratados de comércio livre a que estamos obrigados, "decretar" restrições às importações de bens e serviços lícitos. Mas pode, suponho eu, ter o sistema financeiro, onde a Caixa Geral de Depósitos pode ter um papel preponderante, favorecer o crédito às exportações e restringi-lo às importações. Ou não?
Quanto à importação de viaturas em geral, não vejo que uma política restritiva de crédito pudesse ser contestada pela BMW ou pela Mercedes. Quem compra veículos desses geralmente não recorre ao crédito. Quem os compra é por que tem dinheiro para os comprar ... e se tem dinheiro é suposto que paga impostos equivalentes a essa exuberância. É uma questão que pode ser percebida pelo fisco.
Quanto às viaturas importadas pelo governo (este ou outro) seria bom que acomodassem também estes gastos à possibilidades que temos...para não viverem os portugueses acima das suas possibilidades por causa dos gastos dos governantes.
E por que não preferir viaturas produzidas em Palmela?
Gostei muito da reflexão. Há um enorme atavismo político na possibilidade de direcionar as escolhas dos consumidores. E por isso a maioria das pessoas não tem consciência das implicações do consumo excessivo de produtos importados (do salmão do Chile ao bacalhau da Noruega, passando pelos combustíveis fósseis).
Obrigado João pelo teu comentário.
Volta sempre!
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