Tuesday, November 03, 2009

TGCONTAS

As contas do TGV: um comboio para implodir? 1
I - Economia e politica da decisão
Avelino de Jesus

Recentemente, discutiu-se no município de Aveiro a hipótese de implodir o Estádio Mário Duarte, construído em 2004 por € 64,5 milhões, partindo de uma previsão de €31 milhões e da promessa de sustentabilidade segura. Face aos custos irrecuperáveis e à fraca utilidade do equipamento e aos elevados custos de manutenção a proposta é economicamente sensata.
A uma escala gigantesca poderá pôr-se, dentro de 10 anos, questão semelhante para as futuras linhas do TGV português.
É um empreendimento enorme e desproporcionado para a dimensão da economia portuguesa.
Existem actualmente 4.700 km de linhas de TGV na Europa. Em 2010 serão cerca de 6.000 Km. Considerando apenas os 3 principais projectos portugueses, estes representam 10% daquele valor; se considerarmos os 5 projectos atingimos os 17%. Por outro lado, os financiamentos comunitários para o período 2007-2013 para este tipo de projectos ascende a €3,9 mil milhões, dos quais €383,38 milhões ( 10% !) foram atribuído a Portugal. Devemos ter presente, para avaliar o significado destes números, que a população portuguesa representa 2,1% da população da U. E. e 1,4% do seu PIB e que é em torno destes valores que, a custo, se conseguem negociar as alocações dos diversos fundos comunitários destinados ao país.
Os países de leste europeu nossos concorrentes e parceiros, sabiamente, não embarcaram neste comboio.
O TGV é um projecto economicamente errado e socialmente injusto. Economicamente não é sustentável sem o concurso de enormes verbas do Estado, tanto para a construção como para a operação, e terá efeitos reduzidos ou negativos sobre o crescimento. Socialmente, os seus utilizadores, altamente subsidiados pelo Estado, não serão a grande massa da população mais necessitada nem das regiões interiores mais pobres e em decadência.
As proposições acima não são fáceis de entender. São poucos, e de reduzida divulgação os estudos independentes de análise económica da alta velocidade, sobretudo tendo em conta o enorme volume de investimento em causa. Mas as melhores e mais recentes contribuições na área sustentam o referido.
Tratando-se de fenómeno localizado de natureza política – de certo modo muito semelhante ao projecto Concorde - não se trata de uma tecnologia que seja opção num mercado aberto. (Recentemente a França desistiu da projectada captação de capitais privados para a expansão da sua rede.)
Os custos e os benefícios do TGV são mal conhecidos. A propaganda da indústria e os interesses políticos imediatos retiram transparência às contas. Tirando a reprodução dos dados oficiais e alguns pronunciamentos críticos avulsos, em geral mal fundamentados, pouco se encontra que permita uma visão objectiva do projecto da alta velocidade em Portugal.
O TGV é fruto de objectivos políticos bem precisos e localizados (caso de Espanha2 e China) e de estratégias industriais de certo capitalismo de Estado (Japão e França). Recentemente, verificamos um novo impulso motivado pela actual crise internacional que levou alguns países (caso dos EUA) a procurar desesperadamente impulsionar obras públicas para ocorrer à situação de elevado desemprego.
O caso português é original. A motivação dos poderes públicos é, no essencial no domínio do dito e assumido, a modernização e a ligação à Europa. No terreno do não dito contam muito um certo fascínio pelos grandes projectos de Estado e a pressão externa da Espanha, França e Alemanha.
Do ponto de vista do debate político interno, há uma dificuldade de base. O valor do projecto não está dependente da dimensão das dívidas externa ou púbica. As decisões de 2003 já não se justificavam - nos mesmos termos em que hoje a questão se coloca.
A alta velocidade é uma tecnologia altamente complexa e cara que não resiste à prova do mercado, não sendo sustentável sem o profundo patrocínio e suporte dos Estados. É um encargo insuportável para países como Portugal que lutam desesperadamente por um modelo económico viável.
A dificuldade desta tecnologia deve-se à mobilidade do carro à velocidade do avião, ambas oferecidas a custos altamente competitivos.
Procurarei nesta série de artigos avaliar o realismo dos números apresentados e evidenciar a natureza politica da decisão não suportada por estudos económicos independentes e realistas.
As apostas anteriores nas obras públicas não resultaram. Agora não será diferente. O que há de novo senão diferenças de protagonistas? Estamos nós a beneficiar do formidável programa de construção de auto – estradas dos últimos 20 anos ? Que tem o TGV de especial que permitirá fazer diferente? Insiste-se no mesmo erro e os resultados serão replicados. As anteriores críticas da esquerda ao excesso de betão eram certeiras; o erro, de facto, também vem de trás.
Pressionados pela pulsão integradora de Espanha, pelas indústrias francesa e alemã e pela curta ideia de “modernidade” dos poderes públicos, o TGV pode efectivamente vir a construir-se, inclusivamente com as 5 linhas visionadas. Tudo dependerá da duração da crise internacional; se esta durar o TGV irá avançando. Se a crise se resolver a pressão sobre o Orçamento de Estado será tão forte que o TGV parará onde estiver.
Os mesmos países que agora nos impulsionam a construir a alta velocidade serão os mesmos que, entretanto com a suas contas arrumadas pelas suas pujantes economias, nos vão exigir talvez um novo corte nas pensões para poder suportar os custos das linhas então já existentes.
Os dados oficiais que nos são fornecidos enfermam de uma notórias subavaliação dos custos e sobrevalorização dos benefícios que é necessário compreender.
Procurarei mostrar nos próximos artigos, com base no que de mais avançado se conhece da análise económica da alta velocidade, que nenhuma linha de TGV se deveria construir em Portugal, agora ou no futuro e que nunca tal foi no passado uma opção razoável.



(Nota pessoal: Boa sorte caro António - poucas vezes, como agora, desejei estar enganado nas posições que me dita a razão.)

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1 O presente artigo é o primeiro de uma série de 3 dedicada à análise económica da alta velocidade em
Portugal. O 2º artigo avaliará os custos e o 3º os benefícios dos projectos.
2 Em 2010, a Espanha ocupará o lugar do Japão como o país com a mais extensa rede de alta velocidade.

Director do ISG –Instituto Superior de Gestão
majesus@isg.pt
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Ai essas contas
Aqui diz-se que as 3 linhas do TGV em Portugal são 10% das linhas europeias e que as 5 são 17%. Ora não se percebe bem se das existentes hoje ou em 2010, mas parece que é hoje. Segundo este link, que aparece no Google com a pesquisa "high speed train in Europe", e que é uma notícia de 2007, em 2020 haverá 7.592 km de TGV na Europa e em 2020 cerca de 13.000. Ora os 370 km portugueses (3 linhas) são 4,9% do estimado para 2010 e 2,8% do estimado para 2020. Os 800 km (5 linhas) são respectivamente 10,5% e 6,2%. Ou seja, 3 igual a 2,8 e não 10, e 5 igual a 6,2 e não 17. Ou não?
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De acordo com a publicação Panorama dos Transportes na União Europeia (http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-DA-09-001/EN/KS-DA-09-001-EN.PDF) de 2009, em 2007, só seis países tinham TGV: França (38% do total), Espanha (28%), Alemanha (23%), Itália (10%), Bélgica (2%) e Reino Unido (2%). Sendo que a extensão total era de 5.540 km. Além disso estava em construção 77 km (na Bélgica), 120 km nos Países Baixos, 135 em Espanha, 45 em Espanha/França e 328 km em Itália. O que significa que se Portugal construisse as linhas Lisboa-Porto e Lisboa-Fronteira Espanha ficariamos com cerca de 7,6% das linhas de TGV (definidas como linhas ou secções em que é possível atingir velocidades superiores a 250 km/h) de toda a União Europeia. Isto considerando as linhas já construídas ou em construção até 2015 (páginas 17 e 18 da publicação referida).

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