Tuesday, August 29, 2023

SOMOS UM PAÍS DE BÊBADOS

Às seis e vinte da manhã de hoje, no IC19, pouco depois da saída de Sintra, via-se no lado contrário, sentido Lisboa-Sintra, um carro de pneus para o ar. Aquela hora o trânsito ainda era escasso, não provocava congestionamento de trânsito nem de um lado nem do outro da via rápida. A polícia já estava junto da viatura capotada. No IC19, o anormal é não haver frequentes acidentes de trânsito.
Três horas depois, o carro capotado estava na mesma, o congestionamento de trânsito provocava a perda de milhares de horas de trabalho. 
Porquê? Haverá várias razões, algumas das quais só não vê quem não quer ver. 

A intensidade do tráfego, porque o comboio não é alternativa para muita gente que se faz transportar de pópó com uma média de ocupação de menos de 1,2 passageiros por automóvel circulante naquela via rodoviária. Aliás, o comboio, que deveria ligar em triângulo circulante, Lisboa - Sintra - Cascais, ou no sentido inverso, é impossível porque não há ligação ferroviária entre Sintra e Cascais. Porquê? Nunca vi esta pergunta em nenhum lado e, não havendo pergunta, não há resposta. A qualidade do transporte ferroviário em Portugal coloca o nosso país abaixo do nível dos mais atrasados na União Europeia. O transporte ferroviário suburbano não escapa à situação geral.

Tanto tráfego automóvel não impede, provavelmente até incentiva, muita rapaziada a ziguezaguear, talvez para lhes manter em níveis elevados os depósitos de adrenalina. 
O respeito pela sinalética de velocidade máxima só é, em geral, respeitada, se o volume de tráfego não permitir gincanas.
 
O que terá provocado uma capotagem, aquela hora, quando o trânsito era mínimo, num troço recto da via?  Excesso de velocidade animado por excesso de alcool emborcado durante uma noite de pândega? É uma hipótese possível mas não passa de hipótese. A qualquer um que ande na estrada, pode acontecer um acidente. Mas que a incidência de acidentes na estrada provocados por elevados níveis de alcool no sangue de condutores de veículos em Portugal é elevada parece indesmentível.
 
Mas os portugueses não se embriagam apenas com vinho. Pelo contrário, os mais jovens, os que mais gostam de ziguezaguear, emborracham-se com cerveja e, pior que isso, com bebidas de elevado teor alcoólico, whisky sobretudo. É difícil desanimar o consumo de vinho porque isso desafiaria a fúria de produtores e distribuidores portugueses. Mas o whisky, porque não se limitam as vendas em espaços concessionados para o efeito e se enchem prateleiras de whisky nos supermercados? Pelo Natal, então, é um festival!
Sobre o assunto, anotei neste caderno de apontamentos, além de mais, em fevereiro de 2011: Continuamos a beber demais, em agosto de 2013: Quanto mais bêbado melhor. Valeu alguma coisa? Não valeu nada. Faço o que posso.
 
(Declaração de interesses - Não sou, nunca fui abstémio, filho de um pequeno vitivinicultor, se tivesse tido oportunidade e meios teria gostado de prosseguir e alargar o mais possível o nosso interesse familiar pela vinha. Encanta-me, sempre me encantou e continua a encantar ver uma vinha bem tratada) 
 
--- Correlacionado 
 
Do Semanário Expresso desta semana, retiro daqui, de uma prosa espirituosa e bem esgalhada,
 
" Nos últimos cinco anos, o consumo de álcool e tabaco aumentou em Portugal. Em contraciclo. É o país do mundo que mais consome vinho per capita e tem vindo a aumentar. Bem sei que somos um país produtor de vinho, mas não pode ser bom. Os mais velhos consomem vinho e os mais novos, cerveja. Ao falar dos dados da década 2012–2022, há dois meses, João Goulão, subdiretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, disse que “quando falamos de embriaguez, as coisas pioram em todos os grupos etários”. E nos grupos etários mais baixos, dos 13/14 anos, “os consumos das raparigas ultrapassam os dos rapazes e são muito altos”. E ainda: “Nestes dez anos, em vez de ganharmos, perdemos para as questões de saúde relacionadas com álcool.” Mas nem tudo são más notícias. Portugal é, segundo o Eurostat, o país da UE onde se bebe mais álcool, mas não é dos países onde há mais episódios de binge drinking, de beber à bruta num dia. Era suposto isto alegrar-nos.

O álcool é um problema grave neste país. Fingimos que não. Cada português consome mais de 12 litros de álcool puro por ano. E já se sabe como são as médias. Se eu não bebo, alguém está a beber 24 litros. Mas, acima de tudo, está inculcado no inconsciente nacional. Ao longo destes anos que não bebo (às tantas tornou-se uma teimosia engraçada), não consigo contar quantas pessoas ficaram verdadeiramente chateadas, aborrecidas, indignadas, desapontadas e muito desconfiadas por eu ter recusado simpaticamente o copo de vinho, licor, aguardente — ou por eles feitos, ou para acompanhar a refeição, ou o champanhe para celebrar o momento —, apenas e só pela justificação que me parece justa: não bebo. Ali, a indignação do momento foi sempre o meu desrespeito pelo anfitrião. E não o facto de ele estar a exigir que quebrasse um princípio de vida. Sei que nem se apercebia. Mas, sim, quem era o merdoso da situação? “Custava alguma coisa fingir que bebias?” É apenas #anossaCultura.

 

2 comments:

amf said...

Quero acreditar que boa parte dos consumos atribuídos aos Portugueses seja dos turistas que nos visitam.

Gostaria de obter a confirmação de que a minha suspeita é correcta.

Já agora, vai o elogio pelos textos que ao longo de já muitos meses aqui tenho lido, a maioria dos quais eu gostaria de ter subscrito.

Cumprimentos

amf

Rui Fonseca said...


Obrigado pelo seu comentário.

Não tenho informações sobre o consumo de alcool, e, nomeadamente de vinho, pelos turistas que nos visitam. É certo que bebem, mas quanto não sei nem sei se alguém sabe. Suponho, contudo, que esse consumo não terá valor relativamente expressivo no total consumido.

Volte sempre!