Quando há umas dezenas de anos cheguei a Lisboa fiquei espantado com as condições miseráveis em que muita gente vivia. Os bairros de lata alastravam-se por praticamente todos os cantos da capital, muitas famílias habitavam partes de casa, algumas num quarto apenas. Quem de cá de cima da Paiva Couceiro olhasse na direcção do rio deparava-se com um cenário confrangedor de barracas e imundice que se replicava vezes sem conta em toda a faixa oriental da cidade. Oriundo de uma aldeia onde toda a gente tinha casa, ainda que rudimentares algumas delas, o confronto com a degradação exposta de Lisboa naquela altura imprimiu-me um hábito de observação da cidade onde passei a viver que nunca mais se despegou de mim.
Hoje já não há as barracas que havia então, mas nem foram erradicadas todas as bolsas urbanas de degradação, imundice e miséria no perímetro da capital nem contida a sua expansão. Por outro lado, surgiram guetos que a crise amplia e torna mais perigosos sobretudo para quem lá quer viver pacificamente.
Mas, para lá destas áreas habitadas em grande parte pela marginalidade social, existem duas outras Lisboas onde a degradação urbana progride a uma cadência acelerada que, no entanto, parece não preocupar a generalidade dos lisboetas, da edilidade, do governo central, das oposições. Refiro-me, mais uma vez neste caderno de apontamentos, aos prédios abandonados e a uma grande parte dos prédios em regime de propriedade horizontal.
Quanto aos prédios abandonados, muitos deles em fase desmoronamento lento à espera de um empurrão natural decisivo, supus que uma tributação fiscal adequada incentivasse a sua venda e subsequente recuperação. Mas enganei-me. A tão apregoada política de recuperação destes prédios, muitos deles em zonas nobres da cidade, não tuge nem muge. A lei das rendas, que prometia solucionar parte do problema, está à espera da próxima.
Quanto aos prédios em propriedade horizontal, geralmente ampliada com marquises cada cor seu paladar, a benevolência da lei consente que a maioria deles se esteja a transformar, ao fim de três décadas sem manutenção exterior, em autênticos abarracamentos degradados em altura.
Lisboa é linda, claro que é. Mas é precisamente por ser linda que deveria a consciência cívica colectiva não permitir que lhe infligissem ou consentissem que lhe infligissem tanta chaga. É caro e demorado alterar esta situação?
Penso que não. É sobretudo uma questão de sensibilidade e imaginação. De civismo.
1 comment:
quarenta anos de congelamento democratico das rendas provocou que se um senhorio tiver hoje que mudar vinte telhas e substituir um janela lá vão os quarenta anos de rendas. O que custava era chamar os "heroicos" governantes e julga-los pelo resultado de tanto esclarecimento. Como sabemos bem nem no dia das eleições os nossos camaradas eleitores perdem a fé nos capangas que criminosamente nos enterraram o futuro dos netos.
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