Thursday, June 22, 2006

PRODUTIVIDADE E IDADE PRODUTIVA - 2ª Parte



A idade produtiva e a produtividade têm os seus conflitos.

No princípio, deparamos com o emprego infantil e juvenil, condenável mas muito longe de condenado e extinto, que emerge, do lado das crianças, de razões sempre ligadas à pobreza, e do lado do empregador por razões de competitividade (pelo menos do ponto de vista dele) em economias paralelas.

As mesmas razões de miséria que empurram menores para o trabalho e a concomitante fuga à escola, agarram idosos para além das suas capacidades físicas.

À esquerda do intervalo em que deve inserir-se a idade produtiva, a idade mais jovem é, na generalidade dos países, definida por lei, tentando criar condições que levem à conclusão da escolaridade obrigatória. O tema não é isento da discussão que confronta, por exemplo, a situação da criança que cose sapatos para uma marca de projecção mundial e a de outra criança, da mesma idade da primeira, que participa em telenovelas, eventualmente com horários mais intensos em ambientes para muito maiores que a idade dela.

A primeira situação é geralmente condenada, e bem; a segunda é geralmente aplaudida. Por outro lado, a produtividade da primeira (ainda que se esfalfe), avaliada em termos monetários, ficará sempre bastante aquém da produtividade da segunda, avaliada nos mesmos termos.
A primeira, insere-se num sector da economia onde a competitividade é global: a dos produtos transaccionáveis; compete com as crianças chinesas, indianas, tailandesas. O segundo participa num sector da economia, a dos serviços não transaccionáveis, e o seu meio competitivo é restrito. A produtividade da primeira, em termos monetários, e é nesses termos que a produtividade dela é avaliada, degrada-se com proximidade que a economia global dos bens transaccionáveis criou.

Mas é à direita do intervalo que as questões são mais problemáticas.

Os sindicatos, logicamente, contestam o aumento da idade da reforma em consonância com o aumento da esperança de vida, invocando que uma conquista da civilização não deve, por ela mesma, ser postergada. Afinal de contas, se a produtividade cresce em consequência do engenho humano, este deve ser premiado concedendo-lhe a sociedade um período lúdico mais alargado. Caso contrário, para serviria o aumento de produtividade?

Os patrões, coerentemente, contestam o aumento da idade da reforma, porque, inevitavelmente, as capacidades reduzem-se com a idade a partir de certa idade, as excepções só servem para confirmar a regra.

O Estado, que não soube gerir os dinheiros que os contribuintes para a segurança social compulsivamente foram obrigados a entregar-lhe, reconhece, tarde e a más horas, que o sistema de segurança social ameaça ruptura iminente, e acha, por particular conveniência, que a idade de reforma deve prolongar-se proporcionalmente ao aumento da esperança de vida.

Mas, ainda que não se colocassem no mesmo lado da barreira, quanto a este aspecto, empregados e empregadores, subsistiria sempre uma razão mais profunda, e, a nosso ver, intransponível: “Para quê aumentar a idade da reforma se o marcado do trabalho não aproveita a longevidade crescente?” – J B Macedo, Cadernos de Economia, Jan /Mar 2006.

O aumento da produtividade medida em termos físicos, que é aquela que determina o número de efectivos necessários à produção de bens e serviços procurados, quaisquer que sejam as motivações da procura, determina, necessariamente, a redução dos efectivos necessários para a produção de cada unidade produzida. Ê, consequentemente, como diria Agostinho da Silva, "não vai haver emprego para os meninos".

Esta perspectiva tem sido, geralmente, atacada brandindo os seus opositores as curvas crescentes das produções e do emprego em boa convivência com as curvas homólogas crescentes da produtividade, e apodados os “pessimistas” de “novos ludistas”. Mas é um argumento que, claramente, não colhe.

O Luddismo, (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Instituto António Houaiss de Lexicografia – Portugal) foi um “movimento colectivo que se estendeu, pela Inglaterra desde o início do sec. XIX (contrário à mecanização do trabalho, visava a destruição da máquina, responsabilizando-a pelo desemprego e pela miséria social nos meios de produção) 2 fig. concepção segundo a qual qualquer progresso tecnológico é socialmente nocivo. ETM ing. luddite (1811), prov. do antr. Ned Lud (operário activista deste movimento no início do sec XIX + ite, adap. ao port. como Ludd + ismo.

Aqueles que hoje fazem contas que levam à conclusão de que o mundo caminha, impulsionado pela inovação e pela tecnologia, para um estádio onde ao homem, fatalmente, será requerida uma contribuição cada vez menor para realizar a produção de bens e serviços requeridas pelas suas possibilidades físicas de as consumir ou gozar, não abominam a máquina nem conspiram para a estropiar, e a sua atitude não repete as dos ludistas do sec XIX porque o que pretendem é sugerir a preparação para um mundo que, se não souber adaptar-se a tempo, entrará em desequilibro sociológico irremediável. Porque, se é certo que a “sociedade de vadiagem” filosofada por Agostinho da Silva parece já vislumbrável, ao homem gravaram-lhe os milénios nos genes o instinto irrenunciável de trabalhar. Poucos são os que escapam a esta condenação, porque só esses poucos, mais do que para a procriação, nasceram para a criatividade. Daí o aforismo popular de que trabalha quem não sabe fazer mais nada.

Não são, portanto, de modo algum luddistas, aqueles que alertam para a inevitabilidade da contínua redução do trabalho que se vem observando desde a Revolução Industrial, quer sob a forma de redução do número de horas diárias de trabalho, quer pela redução do número de dias ou do aumento das férias.

Serão, quanto muito, ludistas, no sentido de fruidores do lúdico, para utilizar a palavra homónima, com significado e etimologicamente bem diferente: ainda, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Instituto António Houaiss de Lexicografia – Portugal, Ludismo – qualidade, carácter de lúdico. Lúdico – 1 relativo a jogo, a brinquedo 2 que visa mais ao divertimento que a qualquer outro objectivo …3 que se faz por gosto, sem outro objectivo que o próprio prazer de fazê-lo …4 PSIC relativo à tendência ou manifestação (artística ou erótica) que surge na infância e na adolescência sob a forma de jogo …

Note-se, por mera curiosidade, que duas palavras homónimas (Houaiss, contudo, regista também Luddismo com d dobrado, na primeira acepção) caracterizam duas atitudes bem distintas, forjadas a partir das mesmas razões: aumento da produtividade com consequente redundância de postos de trabalho ou do número de horas de produção. Os luddistas do Sec XIX ficaram a dever o seu nome ao seu mentor, que abominava a máquina que lhes roubava os postos de trabalho; os ludistas de hoje, dão graças à máquina que os dispensa do trabalho e lhes proporciona tempo para fruições lúdicas. É o regresso ao paraíso perdido depois da redenção do pecado original. Não mais o homem terá de ganhar o pão com o suor do seu rosto.

Esta tendência para a redução do trabalho só não é, desde já, mais evidente, e consequentemente sociologicamente mais preocupante, porque uma parte substancial do trabalho realizado, sem a tenaz da competitividade, tem escapado à pressão da produtividade para a redução dos efectivos necessários. É o que se passa, muito claramente, na administração pública, onde as forças de actuação política se sobrepõem às da racionalidade económica, até ao ponto onde a sociedade estiver disposta, por acção ou omissão, a suportar o crescimento da dívida pública, ou até que o crédito seja cortado pelos credores.

A invocação de que novos tipos de emprego surgirão no futuro (no filme “The broken roses” uma das ex-namoradas dedica-se a arrumar guarda-roupas domésticos, outra é terapeuta da fala de caninos) não resiste a uma limitação intransponível, que já referimos várias vezes: o dia tem vinte e quatro horas e o tempo de consumo ou de gozo, ainda que um e outro possam ocupar o mesmo tempo, fará com que a curva do consumo não corresponda às possibilidades de crescimento exponencial da produção.

A menos que se produza para desperdício.

Desde sempre que muito trabalho foi envolvido na produção de bens e serviços que, por razões diversas, não foram objecto de fruição. Mas, porque o desperdício é crescente com o crescimento da produção, a produção desperdiçada nunca atingiu no passado a importância que hoje representa na economia global.

Mandeville (1670-1733), em A Fábula das Abelhas, defendia que o consumo, e mesmo o luxo e a dissipação, eram benéficos para o país – a máxima de Mandeville era: vícios privados = benefícios públicos (Jacques Barzun – 500 anos de Vida Cultural do Ocidente). Mas era outra história: Luxo e dissipação não significavem desperdício, pelo menos do ponto de vista dos seus fruidores.
Os tempos agora são outros e as questões que a evolução tecnológica coloca sobre o mundo do trabalho também.

Que sentido fará trabalhar para além dos 65 anos se o trabalho está em vias de extinção?

Chegará o dia em que o trabalho, sendo escasso, só pode ser adquirido, comprando-o.

É uma conclusão excêntrica, convenhamos. O dinheiro, essa formidável criação humana, tão ambicionado quanto vilipendiado, suporte de todas as relações económicas, só pode ter sido fruto de outra excentricidade.


Exilado em Londres em 1726, Voltaire fascinou-se pela grande capital. A tumulto das ruas apinhadas de povo, a sinfonia das vozes e barulhos, as charretes e carroções com suas rodas gemidas, soou-lhe como a sinfonia dos tempos do progresso. O curioso foi a quem ele atribuiu a razão daquela prosperidade. A multidão toda, assegurou, trabalhava para satisfazer o capricho dos mundanos, dos bon vivants, que graças às suas extravagâncias de ricos, seu gosto pelo luxo, faziam as coisas funcionar, dando emprego a milhares de laboriosos operários.
A Fábula das Abelhas
Voltaire, com esta inaudita tese, nada mais fez do que emprestar sua solidariedade e admiração a um outro escritor, estrangeiro na Inglaterra como ele, chamado Bernard de Mandeville (1670-1733), um médico holandês, residente fazia anos em Londres, que havia publicado em 1723 um escandaloso ensaio intitulado A Fábula das Abelhas, desancando os moralistas e os puritanos. Mandeville chocou o mundo da época afirmando que quase tudo de bom que nos cercava vinha dos nossos vícios privados. Quem dá trabalho ao ourives, ao decorador e ao pintor, senão a vocação de alguns pela ostentação e o desejo de provocar a inveja nos outros? Quem senão os exibicionistas mandariam construir óperas, contratar músicos e artistas, arquitetos, construtores e carpinteiros para poderem ir pavonear-se com suas mulheres nos camarotes e nas salas de recepção, elas, deslumbrantes, em vestidos caríssimos, ornadas com colares de tirar o fôlego? Era para chegar-se às mansões dos grandes que construíam-se as estradas e erguiam-se as pontes. Era o orgulho e a arrogância que erguiam os palácios, enquanto a modéstia e a humildade contentava-se com as choupanas.

A Essência das Cidades

Wednesday, June 21, 2006

O OURO DO RATO

O OURO DO RATO

2ª. PARTE


De o PÚBLICO de 2006-06-21:

SÃO CARLOS - … O orçamento da próxima temporada é de cerca de 16 milhões de euros, correspondendo 14 milhões ao investimento do Ministério da Cultura, um milhão ao Millennium BCP (mecenas exclusivo) e 1.027.788 de receitas próprias. A ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, sublinhou a aposta forte do ministério no Teatro São Carlos, que teve nesta temporada um aumento de 3,5 milhões de euros, e anunciou a conversão em breve do teatro em empresa pública.

Não sei se os bilhetes atribuídos, ou requisitados, ou cativados, ou reservados, pelo BCP, para brindar os amigos, são pagos aos preços de bilheteira ou supõem-se pagos em contrapartida da sua condição de “mecenas exclusivo”. Mas mesmo que se admita a hipótese de que os bilhetes adquiridos pelo BCP são pagos ao preço de bilheteira, e ao BCP apenas é concedido o privilégio de poder reservar, com prioridade sobre os espectadores comuns, um certo número de lugares, o preço pago pelo “mecenas exclusivo” não cobre mais do que 12% do custo dos espectáculos realizados em São Carlos.

Acresce que alguns dos amigos do BCP recebem os bilhetes oferecidos mas, ou por que o espectáculo não lhes agrada ou porque têm outras prioridades, não aparecem. Quando isto acontece, e acontece muitas vezes, não só em São Carlos mas também em outros espectáculos financiados pelo Orçamento Geral do Estado, o espectador comum, que paga impostos com que se suportam os 88% custos restantes, vê, frequentemente, negada a possibilidade de assistir a espectáculos, “porque se esgotaram os bilhetes”, mas as cadeiras ficam vazias à ordem de quem pagou por elas, no máximo, a módica quantia de 12% do custo.

O “mecenato”, neste caso e em muitos outros, não é mais do que uma forma encapotada de publicidade relativamente em conta, a favor de quem faz de conta que é mecenas. E ainda por cima, com exclusividade.
Poder-nos-íamos ainda interrogar acerca da legitimidade do pagamento, pelos portugueses, de 16 milhões de euros para que em SÃO CARLOS uns poucos assistam a espectáculos que não lhes custam mais do 6% do preço de custo. Mas correríamos o risco de nos apodarem de demagogia e vistas curtas.
Ou de fanatismo do déficit orçamental.

Friday, June 16, 2006

A PRODUTIVIDADE E A IDADE PRODUTIVA

1ª. PARTE


À pergunta:

Até que idade deve ser estendida a vida profissionalmente activa?

o Conselho dos Doze, do “Expresso”, respondeu assim:

um – Tem que se caminhar para um sistema de capitalização em que cada um recebe de acordo com o que descontou…a idade da reforma deve ser flexível,… possível a partir dos 60 anos;

outro – … nenhuma sociedade se devia permitir o desperdício da experiência - o envelhecimento como oportunidade – que também corresponde à necessidade de sustentar o sistema de protecção social – o envelhecimento como ameaça. Como em tudo na vida, deve ser feito com inteligência;

outro – É mais do que tempo para, sem reticências, começarmos a pensar que temos de trabalhar até aos 70 anos;

outro – Será que tem mesmo de haver um limite? …Admitindo que tem de haver uma regra, o limite deve ser fixado nos 75 anos;

outro – Oficial e legalmente até aos 65 anos. Na realidade até que as pessoas queiram trabalhar e encontrem trabalho;

outro – Com a actual demografia …mesmo o limite dos 67 anos acabará por ser ultrapassado, ou a breve prazo as pensões ficarão comprometidas;

outro – Até aos 70 anos, de forma gradual (eg. 1 ano por ano);

outro – A idade activa está naturalmente ligada à esperança média de vida…

outro – Há duas problemáticas antagónicas: por um lado, os ganhos de produtividade de que o país necessita só serão possíveis com a reforma, muitas vezes antecipadas, daqueles que não se actualizaram; por outro, o aumento da longevidade permite que aqueles que não se deixaram ultrapassar pelas mudanças tecnológicas e sociais possam contribuir além da actual idade da reforma;

outro – É uma questão difícil devido à necessidade de aumentar a idade da reforma provocada pelo aumento de esperança de vida;

outro – A extensão da idade activa depende das profissões e das capacidades físicas e opções individuais…O que não é possível é fixá-la por decreto;

Leio estas opiniões no Caderno de Economia, do “Expresso”, de 10 de Junho, e não resisto a confrontá-las com as transcrições, publicadas 6 dias depois, no “Público”, das Conversas Vadias, de Agostinho da Silva, nascido há 100 anos, com Adelino Gomes, para a RTP, em 1990:

“Não podemos pôr de parte a ideia de que o capitalismo domina a nossa vida. E tem que dominar, porque só uma economia capitalista pode levar a um desenvolvimento pleno do mundo e acabar a guerra contra a carência, que vem de longe”

“Um dia, chegaremos a um ponto em que toda a economia desaparecerá e que será apenas uma recordação do passado, como queriam os portugueses do sec XIII (Ilha dos Amores, segundo Luis de Camões) (…) Esses portugueses queriam que a vida se tornasse gratuita, não reclamavam apenas que a vida se tornasse mais barata do que era, mas sim que se fizesse todo o possível para que um dia fosse inteiramente gratuita”

“Continuamos, hoje, a dizer que as pessoas que têm o tempo livre e que talvez nunca mais trabalhem são “desempregados”, como se houvesse emprego para eles. Não há. E nós temos que resolver esse problema de alimentar, educar e instruir os homens com tempo livre, para que eles sejam plenamente os tais poetas à solta”

“Espero que, um dia, tudo o que é obrigatório fazer, hoje, para assegurar a campanha de produção deixe de ser necessário, porque as coisas vão melhorando de tal ordem, que será possível a cada um entrar cada vez menos nesse jogo geral da produção. E, então, cada um pode dar a sua mensagem particular ao mundo e fazer a sua obra, porque é único. Acho que chegaremos a esse tempo, porque, quando se olha para a marcha da história, as aproximações têm acontecido e estão a acontecer hoje de uma forma cada vez mais rápida”

“Eu costumo dizer que a vadiagem é uma das formas de poesia”

“O homem não nasce para trabalhar (mas sim) para criar”

“No futuro, não vai haver emprego para os meninos”


Suponho que já poucos se recordam de Agostinho da Silva, e, desses poucos, a maioria guardará uma imagem de uma personalidade extravagante que adorava gatos. Muito poucos ainda retêm alguns dos traços fortes do seu pensamento não aprisionado. Quantos ainda lêem a sua obra?

Agostinho da Silva, obrigado a exilar-se, só ganhou visibilidade em Portugal, no começo da década de 90, pouco antes da sua morte em 1996, precisamente com a sua aparição na televisão para Conversas Vadias com diversos jornalistas.

Obviamente, o fundamental do pensamento de Agostinho da Silva, não se contem naquelas transcrições, seleccionadas pelo “Público” para ilustrar um artigo intitulado “Internet e tecnologia digital aumentam mundo “gratuito” de Agostinho da Silva” e, muito provavelmente, promover a edição, em DVD, do mesmo jornal, dessas conversas. Mas não deixa de ser impressionante a visão clara de um filósofo, que cultivava o maior desprendimento acerca do lado materialista da vida, acerca de uma questão, que só não é mais perturbante porque, aparentemente, ninguém leva a sério essa visão e muito menos o optimismo da solução que Agostinho da Silva encontra: o capitalismo encaminhará a humanidade para a satisfação de todas as necessidades materiais do homem, com dispensa do trabalho de (quase) todos, voltando a humanidade a desfrutar os prazeres dos Jardins das Delícias, onde, claro está, se situam os canteiros dos Jardim dos Amores.

Se o “Expresso” incluísse Agostinho da Silva no Conselho dos Doze, no lugar de Medina Carreira, que faltou à chamada, muito provavelmente o filósofo teria respondido que a idade da reforma deveria reduzir-se à medida que aumenta a produtividade do factor trabalho. Se não, não há trabalho para os meninos…remataria ele, dando comida aos gatos.

E no entanto, nenhum dos outros onze membros, fez a mínima alusão à questão. Um, que mencionou a produtividade como um dos factores sopesantes, fê-lo por razões inversas: o aumento da produtividade requer que se reformem mais cedo aqueles que não actualizaram os seus conhecimentos e se deixaram ultrapassar pelos avanços tecnológicos ou outros; neste sentido, o sistema expulsará os menos capazes, e a reforma antecipa-se à medida que a incapacidade (por insuficiência de conhecimentos) chega. A bem da produtividade.
E assim tem acontecido em grande parte das empresas portuguesas, que reduziram os seus efectivos, geralmente com a comparticipação da Segurança Social.

Não admira, no entanto, que a questão da inevitabilidade do crescimento da produtividade implicar a redução dos activos necessários, seja omissa no pensamento da generalidade de académicos e gestores por remeter para um futuro que não sabem ou não lhes interessa prever.

Talvez por não lhes parecer que possa ser tão risonho quanto Agostinho da Silva pretendia.

Transcreve-se de “Economics – Making sense of the modern economy”, pag. 71

“Careers in cyberspace

So if IT is going to generate lots of new jobs, where will they be? Nobody really knows. Many of the posts being advertised today did not exist 20 years ago…”

Ninguém pode negar que a aumentos de produtividade no quadro produtivo global actual, corresponderão, necessariamente, reduções de activos envolvidos, independentemente das suas capacidades se adequarem ou não aos perfis de competência exigidos. As deslocalizações a que vimos assistindo, e que neste momento atingem a fábrica da GM, na Azambuja, a favor da fábrica em Saragoça, demonstram, isso mesmo.

Argumenta-se, contudo, que a economia continuará a gerar mais postos de trabalho, promovidos por desenvolvimentos tecnológicos que ninguém pode prever, do que aqueles que a concorrência global inevitavelmente extinguirá.

Um aspecto, no entanto, continua a escapar a todas as apreciações que o assunto suscita: a limitação do tempo de gozo e consumo, fixado irredutivelmente em 24 horas por dia. Para toda a gente.
Como compatibilizar crescimentos exponenciais com consumos, irremediavelmente, assimptóticos?
Não em toda a parte do planeta, evidentemente.

(continua)

Thursday, June 15, 2006

À DIREITA DA RELIGIÃO

Para quem acredita nas virtudes indiscutíveis do liberalismo, qualquer que seja a vertente, a religião, como qualquer outra atitude humana, tem de ter liberdade de expressão inteiramente garantida.
O corolário deste postulado conduzirá a uma concorrência perfeita e à preponderância dos melhores. Neste sentido, a religião não é de direita nem de esquerda, porque se vivifica no terreno fértil da liberdade. E esse campo verde tem de espraiar-se em todos os sentidos do horizonte, se não fenecerá mais tarde ou mais cedo.A religião, tal como a liberdade, portanto, não está de um lado, mas de um lado e de outro.

A discussão deste tema, com esta abordagem, é peregrina, porque se alimenta de (pretensas) boas intenções, e dessas, diz a filosofia popular, está o inferno cheio, o que parece ser verdade mesmo para quem não acredita no inferno.

A questão é outra: Com quem se enleia a religião, já não enquanto vaso de fé, mas como teocracia.

A história demonstra que a religião se enleia com a direita, enquanto guardiã das forças conservadoras. No seu início, o movimento que depois veio a chamar-se cristianismo, não se carecterizava por ser religioso, mas por ser revolucionário, porque pregava contra a ordem estabelecida.Quando percebeu que tinha a batalha perdida, o Imperador romano seguiu o lema de se juntar ao inimigo que não conseguira vencer.

E o cristianismo, ao deixar-se enlear no Estado, deu meia volta e ficou à direita. De onde nunca mais saiu.Claro que há sempre uns rebentos que teimam em crescer em sentido contrário ao da haste-mãe, mas não são suficientemente robustos para destruir o enleio milenar.

De tudo isto decorre, contudo, mais uma contradição, aparente, para a direita, que maldiz o Estado: Sem Estado não há enleio, sem enleio não há modo de convocar os pobres de espírito para a comunhão das almas no outro mundo.Não há religião sem a promessa de outro mundo melhor.
É por essas e por outras que a direita diz que não, mas precisa do Estado, do mesmo modo que que a religião preponderante necessita do enleio ao Estado para preservar o exclusivo desse enleio. Exemplo flagrante desta cumplicidade foi (e ainda é) a discussão acerca do incómodo não posicionamento do senhor Cardeal Patriarca na lista de precedências do protocolo de Estado e do discurso político, com pinças, que ele incómodo despoletou.

E não é com os cilícios da Opus Dei, ou outros tormentos e autoflagelos quaisquer, que a Obra nos atinge, exorbitando da sua liberdade. As sociedades secretas, quaisquer que elas sejam, formam-se sempre com o intuito de poderam ver sem ser vistas. E das suas posições escondidas manobram a seu belo prazer.

Com inteira liberdade, se o país é livre, o que coloca a questão da bondade da liberdade sem limites.

Mas esse é um problema igualmente complicado.


direita, religião e liberdade


O debate sobre o conceito, ou os conceitos, de direita e das várias direitas dá sempre pano para mangas e azo a animadas discussões. Curiosamente, à esquerda, a discussão ideológica não é tão acesa ou, pelo menos, não transparece com tanta intensidade para o exterior, o que já é uma primeira lição que a direita deveria saber aproveitar e não aproveita.…A direita nunca expressou uma posição uniforme sobre a religião: existem direitas confessionais, mais ou menos laicas e mais ou menos clericais; como existem direitas não confessionais, pagãs e ateias.No grupo das direitas confessionais ou que, de algum modo, fazem reverter alguns princípios da doutrina religiosa na sua doutrina política, encontramos uma tradição cristã nuclear, mas que é diferente de caso para caso. Assim, tivemos experiências autocráticas e ditatoriais influenciadas pela religião católica e pela doutrina cristã mais conservadora, como a de Charles Maurras, como sucedeu no salazarismo e no franquismo. Nas direitas democráticas encontramos, também, um pouco de tudo, sendo embora a tradição da democracia-cristã a mais influente, nomeadamente, em Itália e na Alemanha. Só que, provavelmente, o cristianismo de cada uma dessas duas experiências, ambas muito marcantes no pós-1945 e até à década de 90, não é o mesmo: em Itália, a influência católica é dominante, enquanto que na Alemanha a tradição luterana e protestante prevaleceu sempre na CDU. O que, em política, pode ter (e teve) consequências muito distintas.Mas existem também direitas (embora, muitas vezes se possa discutir a propriedade do termo, esta é a sua qualificação mais corrente, pelo que a deveremos utilizar) que não reclamam a mais breve influência do cristianismo, mesmo até de qualquer forma de expressão religiosa: o nazismo foi uma manifestação contemporânea de paganismo anticristão e a «Nova Direita» de criação francesa ainda o é. Quando, há para aí uns bons vinte anos, se traduziu e editou em Portugal a obra de referência de Alain de Benoist, o «Vu de Droite», o editor português negociou com o autor a não inclusão do último capítulo, precisamente para evitar melindrar algumas consciências católicas mais sensíveis. Na tradição evoliana, que a Nova Direita segue de perto, o cristianismo, na melhor das hipóteses, não conta, ou é sujeito a uma interpretação esotérica que o descaracteriza totalmente se comparado com o cristianismo revelado. Para outros, ele foi mesmo um factor de degenerescência do Ocidente e da cultura europeia, à qual uma certa direita guarda suposta fidelidade.Por outro lado, o facto das direitas serem ou não influenciadas pela religião, não garante a mesma posição sobre a natureza laica ou clerical do Estado. Salazar era maurrasiano e, contudo, deixou sempre o Cardeal Cerejeira a uma respeitável distância dos negócios públicos. Já Franco saiu do pretorianismo militar e, contudo, deixou à Igreja de Espanha uma margem de manobra muito mais ampla no Estado espanhol, de que a Opus Dei foi certamente a mais bem sucedida de todas as influências.Por mim, que cada vez mais me considero essencialmente liberal e só (muito) acessoriamente de direita, julgo que a política deve ser neutra perante a religião. Se, por princípio, o liberalismo invoca a redução máxima do domínio público, a religião e as suas formas de estruturação social serão certamente matéria de natureza privada ou até mesmo íntima. Na vida privada, o que cada um, à esquerda ou à direita, faz com o credo em que acredita, a religião que segue, os cilícios que usa ou não, é matéria do mais absoluto foro íntimo, em relação à qual a política nada tem que, ou deve, dizer.Não se ignora, porém, sob pena de ingenuidade, que as igrejas e os seus grupos internos possam constituir poderes reais e expressivos na sociedade, ao ponto de tentarem influenciar o domínio público. Também aqui, os termos do problema são invariavelmente mal colocados e denunciam a enorme atracção que a direita (até mesmo a que se considera liberal) tem pelo Estado. Nesta matéria, um liberal deverá «somente» pugnar por dois aspectos: a existência da livre concorrência entre religiões e igrejas, isto é, a garantia de um mercado religioso livre e incondicionado; e a não ingerência do Estado e dos poderes públicos na vida das igrejas. Já a influência destas sobre o Estado é, infelizmente, um mal inevitável. Como o é a influência dos clubes de futebol, dos media, das associações patronais e sindicais, isto é, de todo o tipo de interesses privados organizados, cuja satisfação dependa do governo e, sensu lato, do Estado. Mais uma vez, também aqui não podemos contrariar a humanidade, senão regressando aos postulados clássicos do liberalismo: essa influência será tanto maior, quanto maiores forem as funções e as competências do Estado. Razão para, muito liberalmente, as exigir diminutas, ou mesmo até inexistentes.

blasfémias-rui/2006-06-15

Tuesday, June 13, 2006

JUSTIÇA SOCIAL


Leio a reflexão e leio os comentários e, se não tresleio, a cota não dá com a perdigota. Mesmo esse amigo que lhe dá nota máxima, e não sou eu quem lhe regateará os méritos, parece-me que aponta para um lado e atira para o outro.
Com efeito, a sua reflexão, se é de um liberal, é uma lamentação e não uma proposta. Se eu quisesse provocar, diria que é uma impotência.Porque o que distingue a esquerda da direita, em termos de preocupações de justiça social, não reside apenas nas vibrações dos corações de cada um. Há muitos cínicos de um lado e do outro;
A esquerda teve, no entanto o mérito, se quiser chame-lhe outra coisa, de fazer do Estado um chapéu de chuva e, desse modo, arranjar um meio que permitisse que se molhassem menos os condenados a viver ao deus dará.
Ora a direita, por convicção e coerência, rejeita o chapéu-de-chuva colectivo, cada um que trate de arranjar o seu. Claro que há sempre uns espíritos caridosos, e a Igreja tem de mostrar que o é, que vão, de um modo ou de outro, ajudando alguns a passar pelos intervalos dos pingos.
E é nessa contradição que alguma direita esbarra: por um lado, acha (e bem) que a justiça social não pode, ou não deve, ser monopólio da esquerda, mas, por outro lado, repugna-lhe a ideia do chapéu-de-chuva.
Mas não consegue arranjar substituto que não repugne às suas convicções.

O problema, meu caro homónimo, só tem solução no céu, onde são bem aventurados os que apanharem muitas molhas na terra.


A esquerda reclamou sempre o monopólio dos bons sentimentos: da solidariedade, da justiça social, da igualdade e da liberdade. Durante décadas encostou a direita à defesa dos valores contrários e identificou-a com a desigualdade social, a opressão e a tirania, e com o «status quo» responsável pela miséria social e pelas injustiças do mundo. Aos quais, diga-se, a direita se deixou ?mansamente? encostar, levada pelo fascínio dos «grandes» carismas e da sua autoridade, que, invariavelmente, conduziam à autocracia e ao despotismo dos tiranos e tiranetes deste mundo. Durante todo esse tempo, ignorou a ideia de liberdade, à qual preferia o valor da ordem estabelecida pela vontade soberana de quem mandava. E esqueceu, também, a necessidade elementar de segurança e bem-estar que todos os seres humanos perseguem.A resposta que deu mais distanciada do paradigma autoritário veio, apesar de tudo, da Igreja de Roma e das encíclicas sociais dos seus papas: de Leão XIII e da «Rerum novarum» (1891) à «Quadragesimo anno» (1931), de Pio XI, da «Populorum progressio» (1967) e da «Octagesima adveniens» (1971), de Paulo VI, à «Laborem exercens» (1981), à «Centesimus annus» (1981) e à «Sollicitudo rei socialis» (1987), de João Paulo II. Lidas fora do contexto evangélico, transpostas para o domínio da civitas e do político pela «democracia-cristã» europeia continental, foram fracas respostas, que não passavam de formas macaqueadas de socialismo cozinhado em lume brando, e que contribuíram para manter a mentalidade socialista que a direita gostava de ostentar. Se há já vinte anos eram respostas insuficientes, hoje são completamente inúteis e nocivas pelo prejuízo que lhe provocam.
A conversão da direita nacional ao liberalismo, que começa a parecer agora uma possibilidade, dá-se por causa da falência evidente do modelo social em que durante décadas a direita tolamente insistiu, já num momento em que a própria esquerda socialista, que está no governo, o está a abandonar. A convicção de que o modelo social estatista consome mais do que produz, e esgota as capacidades individuais e sociais num modelo que se justifica por si mesmo e não pelos fins que diz servir, foi sempre o ponto de partida do pensamento social do liberalismo. Ao contrário do que afirmam os seus detractores, o liberalismo não visa o lucro como fim em si mesmo (ainda que esse possa ser um fim tão legítimo como outro qualquer), mas como meio para a realização pessoal e, em consequência, da própria comunidade. Só numa sociedade onde o esforço individual é compensado, pode haver empenho e trabalho do qual resultem investimento e riqueza. Quando o liberalismo sugere que numa sociedade de livre mercado os recursos se distribuem naturalmente, está a afirmar que o jogo da oferta e da procura é a forma mais justa de fazer chegar a muitos o resultado do esforço produtivo de alguns e, por seu lado, permitir àqueles a possibilidade de também eles progredirem pelo esforço do seu trabalho e dos seus talentos. Nesta perspectiva, a via keynesiana, experimentada exaustivamente à esquerda e à direita, não funciona por muitas e várias razões, mas sobretudo porque, como já foi dito, não distribui convenientemente o que colecta, nem estimula o esforço e a progressão individuais. Logo, empobrece a comunidade, em vez de a enriquecer.É evidente que sempre fica o problema, essencial, de resto, dos mais pobres, que, graças à justiça social da esquerda e da direita das últimas décadas são, como está à vista de todos, cada vez mais. Mas desiludam-se aqueles que julgam que mesmo um «Estado mínimo» poderá evitá-los. Desde logo, porque qualquer Estado cedo transforma o mínimo em máximo. Depois, porque só a riqueza pode gerar prosperidade e o Estado não gera nem uma coisa nem outra. Por fim, porque os indivíduos e as suas formas de organização podem, com mais facilidade, ser estimulados a criar apoio social directo, sem necessidade da «redistribuição» pública estatal. Esse, bem poderia ser, aliás, um custo a pagar para se transitar do modelo actual para um outro de mercado, que a economia privada não se importaria de pagar. Desde que, obviamente, o Estado se retirasse por completo dos extensos domínios que continua a ocupar, em vez de pretender, como agora, continuar e ampliar o espaço societário que ocupa, exigindo à economia privada que o sustente e, com aquilo que ela não tem, pague ainda a pobreza que ele criou.

Blasfémias
rui/ 2006-06-13.

Sunday, June 11, 2006

A PRODUTIVIDADE DO MUNDIAL

O Conselho dos Doze do Caderno de Economia do “Expresso”, de 10 de Junho, à pergunta

O Mundial é mais um factor de perda de produtividade em Portugal?

respondeu, quase unanimemente, pela negativa. Houve apenas uma resposta afirmativa.

A quase unanimidade das respostas, publicadas na página 10, por parte de gente muito responsável e muito bem informada, é tanto mais surpreendente quanto, na página 3 do mesmo suplemento, pode ler-se:

Economia respira de alívio. Pelo 2º. Trimestre consecutivo, o PIB cresceu em termos homólogos… No entanto, o optimismo deve ser contido, uma vez que a “performance” do primeiro trimestre do ano passado foi afectada pela Páscoa que diminuiu os dias de trabalho. Em 2006, esta efeméride católica calhou em Abril, não tendo qualquer impacto na produtividade dos primeiros três meses do ano.”

Há evidente contradição entre as conclusões do articulista da página 3 e as respostas da página 10, mas é por demais claro que a resposta correcta está na página 3.
Poder-se-á argumentar que a perda de horas de trabalho dedicadas a ver, discutir, e beber pelo Mundial, é compensada, mais do que compensada, ou quase compensada, por um maior empenho nas horas de trabalho em resultado de resultados futebolísticos massajadores do nosso ego colectivo. Mas o mesmo se pode dizer da Páscoa, a menos que a Páscoa já nada diga a ninguém. Se for esse o caso, teremos então que discutir, já não as consequências maléficas do futebol sobre a produtividade mas os custos da Páscoa em termos de produtividade perdida. E, talvez devêssemos, se fosse esse o caso, prescindir da Páscoa e dedicar os dias que lhe são dedicados a um torneio de futebol verdadeiramente mobilizador.

Mas não deve ser esse o caso.

O conceito de produtividade, já se sabe, tem os seus truques, e, a produtividade horária cresce, em certos casos, se reduzirmos o número de horas trabalhadas, por pontes, feriados, jogos para o Mundial, etc. É o caso da produtividade na administração pública: como o numerador do PIB gerado pela função pública não é função, por definição, entre nós, das horas trabalhadas, quando se reduz o denominador (horas trabalhadas) aumenta o valor do quociente, e, portanto a produtividade…

Mas nem todas a actividades económicas gozam do efeito penumbra que protege o cálculo de produtividade da generalidade dos serviços e ofícios correlativos: se uma fábrica de sapatos suspende a produção para dar aos seus colaboradores a oportunidade de ver, em directo, as habilidades dos heróis nacionais do momento, e se essas horas não são compensadas com prolongamento de horas extra, e não remuneradas como tal, a produção reduz-se proporcionalmente às horas perdidas, e, consequentemente, se a produtividade horária não se reduz, porque se reduzem o numerador e o denominador na mesma proporção (se outros factores não forem considerados) a produtividade total reduz-se porque se reduz o numerador (produção), mantendo-se o denominador (número de activos envolvidos).

As respostas dos membros do Conselho dos Doze, aliás, indiciam que a sua perspectiva incide sobre uma parte da economia deste país que lamentavelmente, no entanto, ainda tem que contar com a outra: aquela que se não produz não tem produtividade.

Diz um: Não será significativo. O que interessa é criarmos condições estruturais para um aumento sustentado da produtividade.

Diz outro: O problema principal da produtividade em Portugal é muito mais o da “produtividade valor”.

Diz outro: O tempo que o Mundial nos vai ocupar não tem que significar menor produtividade; precisamos de trabalhar melhor do que trabalhar muito.

Diz outro (com interesses na questão): Não creio que uma horas a ver futebol durante o período de trabalho – o que acontecerá, aliás, noutros países - tenha grande peso na produtividade.

Diz outro: Essa é uma questão de curto prazo.

Dia outro: Admito que possa ter alguma influência. Em qualquer caso, o mesmo deverá acontecer em muitos outros países, o que significa que a nossa posição relativa – que será o mais importante -, não se deverá deteriorar por esse motivo.

Diz outro: Não será pelo Mundial que nós perderemos produtividade.

Diz outro: Admito que a perda de produtividade não seja crítica.

Diz outro: É certo que pelo lado da perturbação nos dias dos jogos existem perdas de produtividade, mas não só em Portugal

Diz outra: A preocupação com a produtividade perdida no Mundial, nas pontes, etc., só mostra a incapacidade de a fazermos crescer pela escolha estratégica dos investimentos, pela inovação, pela formação, pela concorrência, pela flexibilidade civilizada e inteligente nas relações laborais, etc.

Na quase consensualidade da não perda, há três variantes:

- Não há perda;
- Há, possivelmente, alguma perda mas os outros também perdem;
- Talvez haja, talvez não, a questão é uma chinesice, melhor era que tratássemos de alterar a nossa estrutura produtiva.

O primeiro grupo, ao que parece, não vive neste nosso mundo, que ainda tem, e, lamentavelmente, durante muito tempo ainda vai ter, gente que tem de trabalhar o mais possível para aumentar a sua produtividade. Há muita gente responsável neste país que esquece, ou faz por esquecer, esta realidade dificilmente ultrapassável: Portugal tem ainda uma parte importante da sua população activa que não é susceptível de ser reconvertida para funções de produção de maior valor acrescentado, porque este não depende apenas dos seus méritos mas do mercado onde tem de competir. Muitas vezes, nestes casos, os efeitos da inovação permitem, quanto muito, às empresas nessas condições, manterem-se no mercado; infelizmente, em muitos casos, outras deslocalizam-se e empurram os seus trabalhadores para o desemprego.
A mais curiosa das respostas, contudo, é aquela que diz que se trata de uma "questão de curto prazo". Curiosa, porque o seu autor "foi, é, e continuará a ser um jovem de elevado potencial", apesar de se aproximar da barreira dos setenta.
Infelizmente este país não é apenas o país da Vodafone, da Centralcer, do “Expresso” e da Sic, da Banca, da Sonae.

Há muita gente em Portugal que se trabalha menos horas a sua produtividade decresce, ou, por outras palavras, não tem alternativa se não trabalhar. Mas concorda-se que há também muita gente que tem, ou tiveram os pais deles, a habilidade suficiente para fugir a essa condenação.

Quanto ao futuro, também estamos todos de acordo: como dizia o outro, a longo prazo estaremos todos mortos.

Thursday, June 08, 2006

O OURO DO RATO


E se a administração do serviço público de meteorologia decidir comprar um elefante com a verba que estava destinada a novos computadores? A pergunta não é original. Foi feita há mais de dois anos num encontro ibérico de tribunais de contas por um juiz-conselheiro da entidade portuguesa, Lídio de Magalhães. Neste exemplo, a administração não poderia ser financeiramente responsabilizada, á luz das regras em vigor em Portugal. Porque, como diz a ciência, teria havido uma “contraprestação efectiva”-ou seja, o elefante existia e fazia parte do património do referido serviço público. E tinha sido comprado de acordo com as boas regras burocráticas…O caso mais recente de que se tem conhecimento público é o dos caças F16 que foram comprados durante o primeiro mandato de António Guterres…” in Público de 2006-06-06, Paulo Ferreira.

O autor refere outras situações com configuração semelhante, de entre as quais se destaca ainda o “driving range” das Amoreiras, condenado a perpetuar a nossa imbecilidade colectiva.

Não fala o autor, mas podia falar, de outros elefantes: da estação ferroviária do Pinhal Novo, por exemplo. Disse-me, quem conhece bem o assunto, que aquela estação está projectada para um aumento populacional que colocaria o Pinhal Novo ao nível do Parque das Nações!

Pois é. A inimputabilidade é o maior pecado do Estado.

O Estado é inimputável porque, em nome dele, são cometidos, sem qualquer penalidade para os agentes incumbidos, os maiores desmandos. A compra de elefantes é o pão-nosso com que se alimentam as cumplicidades que sugam o Estado.

No PÚBLICO de anteontem, 7/6, pode ler-se:

“Aviões e hélis são vendidos porque estão em excesso. Ex-CEMGFA, general Espírito Santo diz que compra da segunda esquadra de F16 “já nessa altura (da compra) não fazia sentido, porque era evidente, desde o início, que não havia dinheiro para a manter”. “Em 1999, recorda, havia apenas 13 pilotos de F16 e era previsível a dificuldade, que hoje se mantém, de arranjar pilotos para as duas esquadras”

O Espírito Santo tem destas coisas e é, por definição, inimputável. De mais a mais, general.

No mesmo jornal, no mesmo dia, podia ler-se:

Câmara abandona projecto de Frank Gehry para o Parque Mayer. Arquitecto já recebeu 2,5 milhões de Euros “

O actual Presidente, que agora discorda do projecto megalómano para um beco sem saída, era o Vice-Presidente que concordou.

Se tivesse comprado o tal elefante, pelo menos teríamos um novo paquiderme no Zoo. Assim, o que é temos?

Há dias alguns comentadores rejubilavam com a “teatralidade” do Ouro do Reno, em cena no São Carlos. Ao director do Teatro foi dada rédea bastante para virar o São Carlos de cangalhos. Para uma encenação à medida de Wagner, ao que dizem, e aplaudiram. Em nenhum outro teatro da Europa e dos Estados Unidos haveria tanto dinheiro para satisfazer os caprichos do encenador convidado. Mas, em Portugal, há.

O calor era insuportável na plateia improvisada e os cantores cantaram grande parte do tempo de costas voltadas.

O final teve direito a um foguetão à moda do Moulin Rouge ou do Folies Bergéres.
Pour épater le bourgeois? Não. Para levar a Reboleira a São Carlos, segundo o Director.

Por estes dias, e para comemorar os centenários de Mozart e o centenário de Shostakovish, o Programa 2 da RDP fez deslocar pelo mundo, pelo menos dois locutores e não se sabe quantos técnicos, para fazerem emissões que primordialmente são, ou deveriam ser, leituras de CDs em Lisboa. Ontem, o locutor em São Petersburgo divertia-se a dialogar com os seus colegas em Lisboa e Viena de Áustria, e entrevistava uma cantora, em italiano, pelo telefone. Mais tarde caiu a linha, a emissão continuou de Viena de Áustria. A locutora na capital austríaca estava entusiasmadíssima, de manhã e à tarde, com o que via por todo o lado: Mozarts de chocolate, pianinhos de chocolate, um cartão vestido à Mozart para meter a cabaça e tirar o retrato…coisas assim, verdadeiramente culturais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, tanta extravagância à custa dos impostos sobre os contribuintes seria impensável.

Mas os Estados Unidos são ricos, não podem dar-se a estes pequenos luxos.

O que há, afinal de contas, comum à grandiosidade da estação ferroviária do Pinhal Novo, a compra e venda de F16, o desperdício de 2,5 milhões de euros com um projecto frustrado para o Parque Mayer, a encenação faraónica do Ouro do Reno, as andanças dos “artistas” da Antena 2 pelo mundo e arredores para passar música clássica, etc, etc, etc.?

O Ouro do Rato!