E se a administração do serviço público de meteorologia decidir comprar um elefante com a verba que estava destinada a novos computadores? A pergunta não é original. Foi feita há mais de dois anos num encontro ibérico de tribunais de contas por um juiz-conselheiro da entidade portuguesa, Lídio de Magalhães. Neste exemplo, a administração não poderia ser financeiramente responsabilizada, á luz das regras em vigor em Portugal. Porque, como diz a ciência, teria havido uma “contraprestação efectiva”-ou seja, o elefante existia e fazia parte do património do referido serviço público. E tinha sido comprado de acordo com as boas regras burocráticas…O caso mais recente de que se tem conhecimento público é o dos caças F16 que foram comprados durante o primeiro mandato de António Guterres…” in Público de 2006-06-06, Paulo Ferreira.
O autor refere outras situações com configuração semelhante, de entre as quais se destaca ainda o “driving range” das Amoreiras, condenado a perpetuar a nossa imbecilidade colectiva.
Não fala o autor, mas podia falar, de outros elefantes: da estação ferroviária do Pinhal Novo, por exemplo. Disse-me, quem conhece bem o assunto, que aquela estação está projectada para um aumento populacional que colocaria o Pinhal Novo ao nível do Parque das Nações!
Pois é. A inimputabilidade é o maior pecado do Estado.
O Estado é inimputável porque, em nome dele, são cometidos, sem qualquer penalidade para os agentes incumbidos, os maiores desmandos. A compra de elefantes é o pão-nosso com que se alimentam as cumplicidades que sugam o Estado.
No PÚBLICO de anteontem, 7/6, pode ler-se:
“Aviões e hélis são vendidos porque estão em excesso. Ex-CEMGFA, general Espírito Santo diz que compra da segunda esquadra de F16 “já nessa altura (da compra) não fazia sentido, porque era evidente, desde o início, que não havia dinheiro para a manter”. “Em 1999, recorda, havia apenas 13 pilotos de F16 e era previsível a dificuldade, que hoje se mantém, de arranjar pilotos para as duas esquadras”
O Espírito Santo tem destas coisas e é, por definição, inimputável. De mais a mais, general.
No mesmo jornal, no mesmo dia, podia ler-se:
“Câmara abandona projecto de Frank Gehry para o Parque Mayer. Arquitecto já recebeu 2,5 milhões de Euros “
O actual Presidente, que agora discorda do projecto megalómano para um beco sem saída, era o Vice-Presidente que concordou.
Se tivesse comprado o tal elefante, pelo menos teríamos um novo paquiderme no Zoo. Assim, o que é temos?
Há dias alguns comentadores rejubilavam com a “teatralidade” do Ouro do Reno, em cena no São Carlos. Ao director do Teatro foi dada rédea bastante para virar o São Carlos de cangalhos. Para uma encenação à medida de Wagner, ao que dizem, e aplaudiram. Em nenhum outro teatro da Europa e dos Estados Unidos haveria tanto dinheiro para satisfazer os caprichos do encenador convidado. Mas, em Portugal, há.
O calor era insuportável na plateia improvisada e os cantores cantaram grande parte do tempo de costas voltadas.
O final teve direito a um foguetão à moda do Moulin Rouge ou do Folies Bergéres.
Pour épater le bourgeois? Não. Para levar a Reboleira a São Carlos, segundo o Director.
Por estes dias, e para comemorar os centenários de Mozart e o centenário de Shostakovish, o Programa 2 da RDP fez deslocar pelo mundo, pelo menos dois locutores e não se sabe quantos técnicos, para fazerem emissões que primordialmente são, ou deveriam ser, leituras de CDs em Lisboa. Ontem, o locutor em São Petersburgo divertia-se a dialogar com os seus colegas em Lisboa e Viena de Áustria, e entrevistava uma cantora, em italiano, pelo telefone. Mais tarde caiu a linha, a emissão continuou de Viena de Áustria. A locutora na capital austríaca estava entusiasmadíssima, de manhã e à tarde, com o que via por todo o lado: Mozarts de chocolate, pianinhos de chocolate, um cartão vestido à Mozart para meter a cabaça e tirar o retrato…coisas assim, verdadeiramente culturais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, tanta extravagância à custa dos impostos sobre os contribuintes seria impensável.
Mas os Estados Unidos são ricos, não podem dar-se a estes pequenos luxos.
O que há, afinal de contas, comum à grandiosidade da estação ferroviária do Pinhal Novo, a compra e venda de F16, o desperdício de 2,5 milhões de euros com um projecto frustrado para o Parque Mayer, a encenação faraónica do Ouro do Reno, as andanças dos “artistas” da Antena 2 pelo mundo e arredores para passar música clássica, etc, etc, etc.?
O Ouro do Rato!
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