Thursday, June 22, 2006

PRODUTIVIDADE E IDADE PRODUTIVA - 2ª Parte



A idade produtiva e a produtividade têm os seus conflitos.

No princípio, deparamos com o emprego infantil e juvenil, condenável mas muito longe de condenado e extinto, que emerge, do lado das crianças, de razões sempre ligadas à pobreza, e do lado do empregador por razões de competitividade (pelo menos do ponto de vista dele) em economias paralelas.

As mesmas razões de miséria que empurram menores para o trabalho e a concomitante fuga à escola, agarram idosos para além das suas capacidades físicas.

À esquerda do intervalo em que deve inserir-se a idade produtiva, a idade mais jovem é, na generalidade dos países, definida por lei, tentando criar condições que levem à conclusão da escolaridade obrigatória. O tema não é isento da discussão que confronta, por exemplo, a situação da criança que cose sapatos para uma marca de projecção mundial e a de outra criança, da mesma idade da primeira, que participa em telenovelas, eventualmente com horários mais intensos em ambientes para muito maiores que a idade dela.

A primeira situação é geralmente condenada, e bem; a segunda é geralmente aplaudida. Por outro lado, a produtividade da primeira (ainda que se esfalfe), avaliada em termos monetários, ficará sempre bastante aquém da produtividade da segunda, avaliada nos mesmos termos.
A primeira, insere-se num sector da economia onde a competitividade é global: a dos produtos transaccionáveis; compete com as crianças chinesas, indianas, tailandesas. O segundo participa num sector da economia, a dos serviços não transaccionáveis, e o seu meio competitivo é restrito. A produtividade da primeira, em termos monetários, e é nesses termos que a produtividade dela é avaliada, degrada-se com proximidade que a economia global dos bens transaccionáveis criou.

Mas é à direita do intervalo que as questões são mais problemáticas.

Os sindicatos, logicamente, contestam o aumento da idade da reforma em consonância com o aumento da esperança de vida, invocando que uma conquista da civilização não deve, por ela mesma, ser postergada. Afinal de contas, se a produtividade cresce em consequência do engenho humano, este deve ser premiado concedendo-lhe a sociedade um período lúdico mais alargado. Caso contrário, para serviria o aumento de produtividade?

Os patrões, coerentemente, contestam o aumento da idade da reforma, porque, inevitavelmente, as capacidades reduzem-se com a idade a partir de certa idade, as excepções só servem para confirmar a regra.

O Estado, que não soube gerir os dinheiros que os contribuintes para a segurança social compulsivamente foram obrigados a entregar-lhe, reconhece, tarde e a más horas, que o sistema de segurança social ameaça ruptura iminente, e acha, por particular conveniência, que a idade de reforma deve prolongar-se proporcionalmente ao aumento da esperança de vida.

Mas, ainda que não se colocassem no mesmo lado da barreira, quanto a este aspecto, empregados e empregadores, subsistiria sempre uma razão mais profunda, e, a nosso ver, intransponível: “Para quê aumentar a idade da reforma se o marcado do trabalho não aproveita a longevidade crescente?” – J B Macedo, Cadernos de Economia, Jan /Mar 2006.

O aumento da produtividade medida em termos físicos, que é aquela que determina o número de efectivos necessários à produção de bens e serviços procurados, quaisquer que sejam as motivações da procura, determina, necessariamente, a redução dos efectivos necessários para a produção de cada unidade produzida. Ê, consequentemente, como diria Agostinho da Silva, "não vai haver emprego para os meninos".

Esta perspectiva tem sido, geralmente, atacada brandindo os seus opositores as curvas crescentes das produções e do emprego em boa convivência com as curvas homólogas crescentes da produtividade, e apodados os “pessimistas” de “novos ludistas”. Mas é um argumento que, claramente, não colhe.

O Luddismo, (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Instituto António Houaiss de Lexicografia – Portugal) foi um “movimento colectivo que se estendeu, pela Inglaterra desde o início do sec. XIX (contrário à mecanização do trabalho, visava a destruição da máquina, responsabilizando-a pelo desemprego e pela miséria social nos meios de produção) 2 fig. concepção segundo a qual qualquer progresso tecnológico é socialmente nocivo. ETM ing. luddite (1811), prov. do antr. Ned Lud (operário activista deste movimento no início do sec XIX + ite, adap. ao port. como Ludd + ismo.

Aqueles que hoje fazem contas que levam à conclusão de que o mundo caminha, impulsionado pela inovação e pela tecnologia, para um estádio onde ao homem, fatalmente, será requerida uma contribuição cada vez menor para realizar a produção de bens e serviços requeridas pelas suas possibilidades físicas de as consumir ou gozar, não abominam a máquina nem conspiram para a estropiar, e a sua atitude não repete as dos ludistas do sec XIX porque o que pretendem é sugerir a preparação para um mundo que, se não souber adaptar-se a tempo, entrará em desequilibro sociológico irremediável. Porque, se é certo que a “sociedade de vadiagem” filosofada por Agostinho da Silva parece já vislumbrável, ao homem gravaram-lhe os milénios nos genes o instinto irrenunciável de trabalhar. Poucos são os que escapam a esta condenação, porque só esses poucos, mais do que para a procriação, nasceram para a criatividade. Daí o aforismo popular de que trabalha quem não sabe fazer mais nada.

Não são, portanto, de modo algum luddistas, aqueles que alertam para a inevitabilidade da contínua redução do trabalho que se vem observando desde a Revolução Industrial, quer sob a forma de redução do número de horas diárias de trabalho, quer pela redução do número de dias ou do aumento das férias.

Serão, quanto muito, ludistas, no sentido de fruidores do lúdico, para utilizar a palavra homónima, com significado e etimologicamente bem diferente: ainda, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Instituto António Houaiss de Lexicografia – Portugal, Ludismo – qualidade, carácter de lúdico. Lúdico – 1 relativo a jogo, a brinquedo 2 que visa mais ao divertimento que a qualquer outro objectivo …3 que se faz por gosto, sem outro objectivo que o próprio prazer de fazê-lo …4 PSIC relativo à tendência ou manifestação (artística ou erótica) que surge na infância e na adolescência sob a forma de jogo …

Note-se, por mera curiosidade, que duas palavras homónimas (Houaiss, contudo, regista também Luddismo com d dobrado, na primeira acepção) caracterizam duas atitudes bem distintas, forjadas a partir das mesmas razões: aumento da produtividade com consequente redundância de postos de trabalho ou do número de horas de produção. Os luddistas do Sec XIX ficaram a dever o seu nome ao seu mentor, que abominava a máquina que lhes roubava os postos de trabalho; os ludistas de hoje, dão graças à máquina que os dispensa do trabalho e lhes proporciona tempo para fruições lúdicas. É o regresso ao paraíso perdido depois da redenção do pecado original. Não mais o homem terá de ganhar o pão com o suor do seu rosto.

Esta tendência para a redução do trabalho só não é, desde já, mais evidente, e consequentemente sociologicamente mais preocupante, porque uma parte substancial do trabalho realizado, sem a tenaz da competitividade, tem escapado à pressão da produtividade para a redução dos efectivos necessários. É o que se passa, muito claramente, na administração pública, onde as forças de actuação política se sobrepõem às da racionalidade económica, até ao ponto onde a sociedade estiver disposta, por acção ou omissão, a suportar o crescimento da dívida pública, ou até que o crédito seja cortado pelos credores.

A invocação de que novos tipos de emprego surgirão no futuro (no filme “The broken roses” uma das ex-namoradas dedica-se a arrumar guarda-roupas domésticos, outra é terapeuta da fala de caninos) não resiste a uma limitação intransponível, que já referimos várias vezes: o dia tem vinte e quatro horas e o tempo de consumo ou de gozo, ainda que um e outro possam ocupar o mesmo tempo, fará com que a curva do consumo não corresponda às possibilidades de crescimento exponencial da produção.

A menos que se produza para desperdício.

Desde sempre que muito trabalho foi envolvido na produção de bens e serviços que, por razões diversas, não foram objecto de fruição. Mas, porque o desperdício é crescente com o crescimento da produção, a produção desperdiçada nunca atingiu no passado a importância que hoje representa na economia global.

Mandeville (1670-1733), em A Fábula das Abelhas, defendia que o consumo, e mesmo o luxo e a dissipação, eram benéficos para o país – a máxima de Mandeville era: vícios privados = benefícios públicos (Jacques Barzun – 500 anos de Vida Cultural do Ocidente). Mas era outra história: Luxo e dissipação não significavem desperdício, pelo menos do ponto de vista dos seus fruidores.
Os tempos agora são outros e as questões que a evolução tecnológica coloca sobre o mundo do trabalho também.

Que sentido fará trabalhar para além dos 65 anos se o trabalho está em vias de extinção?

Chegará o dia em que o trabalho, sendo escasso, só pode ser adquirido, comprando-o.

É uma conclusão excêntrica, convenhamos. O dinheiro, essa formidável criação humana, tão ambicionado quanto vilipendiado, suporte de todas as relações económicas, só pode ter sido fruto de outra excentricidade.


Exilado em Londres em 1726, Voltaire fascinou-se pela grande capital. A tumulto das ruas apinhadas de povo, a sinfonia das vozes e barulhos, as charretes e carroções com suas rodas gemidas, soou-lhe como a sinfonia dos tempos do progresso. O curioso foi a quem ele atribuiu a razão daquela prosperidade. A multidão toda, assegurou, trabalhava para satisfazer o capricho dos mundanos, dos bon vivants, que graças às suas extravagâncias de ricos, seu gosto pelo luxo, faziam as coisas funcionar, dando emprego a milhares de laboriosos operários.
A Fábula das Abelhas
Voltaire, com esta inaudita tese, nada mais fez do que emprestar sua solidariedade e admiração a um outro escritor, estrangeiro na Inglaterra como ele, chamado Bernard de Mandeville (1670-1733), um médico holandês, residente fazia anos em Londres, que havia publicado em 1723 um escandaloso ensaio intitulado A Fábula das Abelhas, desancando os moralistas e os puritanos. Mandeville chocou o mundo da época afirmando que quase tudo de bom que nos cercava vinha dos nossos vícios privados. Quem dá trabalho ao ourives, ao decorador e ao pintor, senão a vocação de alguns pela ostentação e o desejo de provocar a inveja nos outros? Quem senão os exibicionistas mandariam construir óperas, contratar músicos e artistas, arquitetos, construtores e carpinteiros para poderem ir pavonear-se com suas mulheres nos camarotes e nas salas de recepção, elas, deslumbrantes, em vestidos caríssimos, ornadas com colares de tirar o fôlego? Era para chegar-se às mansões dos grandes que construíam-se as estradas e erguiam-se as pontes. Era o orgulho e a arrogância que erguiam os palácios, enquanto a modéstia e a humildade contentava-se com as choupanas.

A Essência das Cidades

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