Sunday, June 11, 2006

A PRODUTIVIDADE DO MUNDIAL

O Conselho dos Doze do Caderno de Economia do “Expresso”, de 10 de Junho, à pergunta

O Mundial é mais um factor de perda de produtividade em Portugal?

respondeu, quase unanimemente, pela negativa. Houve apenas uma resposta afirmativa.

A quase unanimidade das respostas, publicadas na página 10, por parte de gente muito responsável e muito bem informada, é tanto mais surpreendente quanto, na página 3 do mesmo suplemento, pode ler-se:

Economia respira de alívio. Pelo 2º. Trimestre consecutivo, o PIB cresceu em termos homólogos… No entanto, o optimismo deve ser contido, uma vez que a “performance” do primeiro trimestre do ano passado foi afectada pela Páscoa que diminuiu os dias de trabalho. Em 2006, esta efeméride católica calhou em Abril, não tendo qualquer impacto na produtividade dos primeiros três meses do ano.”

Há evidente contradição entre as conclusões do articulista da página 3 e as respostas da página 10, mas é por demais claro que a resposta correcta está na página 3.
Poder-se-á argumentar que a perda de horas de trabalho dedicadas a ver, discutir, e beber pelo Mundial, é compensada, mais do que compensada, ou quase compensada, por um maior empenho nas horas de trabalho em resultado de resultados futebolísticos massajadores do nosso ego colectivo. Mas o mesmo se pode dizer da Páscoa, a menos que a Páscoa já nada diga a ninguém. Se for esse o caso, teremos então que discutir, já não as consequências maléficas do futebol sobre a produtividade mas os custos da Páscoa em termos de produtividade perdida. E, talvez devêssemos, se fosse esse o caso, prescindir da Páscoa e dedicar os dias que lhe são dedicados a um torneio de futebol verdadeiramente mobilizador.

Mas não deve ser esse o caso.

O conceito de produtividade, já se sabe, tem os seus truques, e, a produtividade horária cresce, em certos casos, se reduzirmos o número de horas trabalhadas, por pontes, feriados, jogos para o Mundial, etc. É o caso da produtividade na administração pública: como o numerador do PIB gerado pela função pública não é função, por definição, entre nós, das horas trabalhadas, quando se reduz o denominador (horas trabalhadas) aumenta o valor do quociente, e, portanto a produtividade…

Mas nem todas a actividades económicas gozam do efeito penumbra que protege o cálculo de produtividade da generalidade dos serviços e ofícios correlativos: se uma fábrica de sapatos suspende a produção para dar aos seus colaboradores a oportunidade de ver, em directo, as habilidades dos heróis nacionais do momento, e se essas horas não são compensadas com prolongamento de horas extra, e não remuneradas como tal, a produção reduz-se proporcionalmente às horas perdidas, e, consequentemente, se a produtividade horária não se reduz, porque se reduzem o numerador e o denominador na mesma proporção (se outros factores não forem considerados) a produtividade total reduz-se porque se reduz o numerador (produção), mantendo-se o denominador (número de activos envolvidos).

As respostas dos membros do Conselho dos Doze, aliás, indiciam que a sua perspectiva incide sobre uma parte da economia deste país que lamentavelmente, no entanto, ainda tem que contar com a outra: aquela que se não produz não tem produtividade.

Diz um: Não será significativo. O que interessa é criarmos condições estruturais para um aumento sustentado da produtividade.

Diz outro: O problema principal da produtividade em Portugal é muito mais o da “produtividade valor”.

Diz outro: O tempo que o Mundial nos vai ocupar não tem que significar menor produtividade; precisamos de trabalhar melhor do que trabalhar muito.

Diz outro (com interesses na questão): Não creio que uma horas a ver futebol durante o período de trabalho – o que acontecerá, aliás, noutros países - tenha grande peso na produtividade.

Diz outro: Essa é uma questão de curto prazo.

Dia outro: Admito que possa ter alguma influência. Em qualquer caso, o mesmo deverá acontecer em muitos outros países, o que significa que a nossa posição relativa – que será o mais importante -, não se deverá deteriorar por esse motivo.

Diz outro: Não será pelo Mundial que nós perderemos produtividade.

Diz outro: Admito que a perda de produtividade não seja crítica.

Diz outro: É certo que pelo lado da perturbação nos dias dos jogos existem perdas de produtividade, mas não só em Portugal

Diz outra: A preocupação com a produtividade perdida no Mundial, nas pontes, etc., só mostra a incapacidade de a fazermos crescer pela escolha estratégica dos investimentos, pela inovação, pela formação, pela concorrência, pela flexibilidade civilizada e inteligente nas relações laborais, etc.

Na quase consensualidade da não perda, há três variantes:

- Não há perda;
- Há, possivelmente, alguma perda mas os outros também perdem;
- Talvez haja, talvez não, a questão é uma chinesice, melhor era que tratássemos de alterar a nossa estrutura produtiva.

O primeiro grupo, ao que parece, não vive neste nosso mundo, que ainda tem, e, lamentavelmente, durante muito tempo ainda vai ter, gente que tem de trabalhar o mais possível para aumentar a sua produtividade. Há muita gente responsável neste país que esquece, ou faz por esquecer, esta realidade dificilmente ultrapassável: Portugal tem ainda uma parte importante da sua população activa que não é susceptível de ser reconvertida para funções de produção de maior valor acrescentado, porque este não depende apenas dos seus méritos mas do mercado onde tem de competir. Muitas vezes, nestes casos, os efeitos da inovação permitem, quanto muito, às empresas nessas condições, manterem-se no mercado; infelizmente, em muitos casos, outras deslocalizam-se e empurram os seus trabalhadores para o desemprego.
A mais curiosa das respostas, contudo, é aquela que diz que se trata de uma "questão de curto prazo". Curiosa, porque o seu autor "foi, é, e continuará a ser um jovem de elevado potencial", apesar de se aproximar da barreira dos setenta.
Infelizmente este país não é apenas o país da Vodafone, da Centralcer, do “Expresso” e da Sic, da Banca, da Sonae.

Há muita gente em Portugal que se trabalha menos horas a sua produtividade decresce, ou, por outras palavras, não tem alternativa se não trabalhar. Mas concorda-se que há também muita gente que tem, ou tiveram os pais deles, a habilidade suficiente para fugir a essa condenação.

Quanto ao futuro, também estamos todos de acordo: como dizia o outro, a longo prazo estaremos todos mortos.

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