Para quem acredita nas virtudes indiscutíveis do liberalismo, qualquer que seja a vertente, a religião, como qualquer outra atitude humana, tem de ter liberdade de expressão inteiramente garantida.
O corolário deste postulado conduzirá a uma concorrência perfeita e à preponderância dos melhores. Neste sentido, a religião não é de direita nem de esquerda, porque se vivifica no terreno fértil da liberdade. E esse campo verde tem de espraiar-se em todos os sentidos do horizonte, se não fenecerá mais tarde ou mais cedo.A religião, tal como a liberdade, portanto, não está de um lado, mas de um lado e de outro.
A discussão deste tema, com esta abordagem, é peregrina, porque se alimenta de (pretensas) boas intenções, e dessas, diz a filosofia popular, está o inferno cheio, o que parece ser verdade mesmo para quem não acredita no inferno.
A questão é outra: Com quem se enleia a religião, já não enquanto vaso de fé, mas como teocracia.
A história demonstra que a religião se enleia com a direita, enquanto guardiã das forças conservadoras. No seu início, o movimento que depois veio a chamar-se cristianismo, não se carecterizava por ser religioso, mas por ser revolucionário, porque pregava contra a ordem estabelecida.Quando percebeu que tinha a batalha perdida, o Imperador romano seguiu o lema de se juntar ao inimigo que não conseguira vencer.
E o cristianismo, ao deixar-se enlear no Estado, deu meia volta e ficou à direita. De onde nunca mais saiu.Claro que há sempre uns rebentos que teimam em crescer em sentido contrário ao da haste-mãe, mas não são suficientemente robustos para destruir o enleio milenar.
De tudo isto decorre, contudo, mais uma contradição, aparente, para a direita, que maldiz o Estado: Sem Estado não há enleio, sem enleio não há modo de convocar os pobres de espírito para a comunhão das almas no outro mundo.Não há religião sem a promessa de outro mundo melhor.
É por essas e por outras que a direita diz que não, mas precisa do Estado, do mesmo modo que que a religião preponderante necessita do enleio ao Estado para preservar o exclusivo desse enleio. Exemplo flagrante desta cumplicidade foi (e ainda é) a discussão acerca do incómodo não posicionamento do senhor Cardeal Patriarca na lista de precedências do protocolo de Estado e do discurso político, com pinças, que ele incómodo despoletou.
E não é com os cilícios da Opus Dei, ou outros tormentos e autoflagelos quaisquer, que a Obra nos atinge, exorbitando da sua liberdade. As sociedades secretas, quaisquer que elas sejam, formam-se sempre com o intuito de poderam ver sem ser vistas. E das suas posições escondidas manobram a seu belo prazer.
Com inteira liberdade, se o país é livre, o que coloca a questão da bondade da liberdade sem limites.
Mas esse é um problema igualmente complicado.
direita, religião e liberdade
O debate sobre o conceito, ou os conceitos, de direita e das várias direitas dá sempre pano para mangas e azo a animadas discussões. Curiosamente, à esquerda, a discussão ideológica não é tão acesa ou, pelo menos, não transparece com tanta intensidade para o exterior, o que já é uma primeira lição que a direita deveria saber aproveitar e não aproveita.…A direita nunca expressou uma posição uniforme sobre a religião: existem direitas confessionais, mais ou menos laicas e mais ou menos clericais; como existem direitas não confessionais, pagãs e ateias.No grupo das direitas confessionais ou que, de algum modo, fazem reverter alguns princípios da doutrina religiosa na sua doutrina política, encontramos uma tradição cristã nuclear, mas que é diferente de caso para caso. Assim, tivemos experiências autocráticas e ditatoriais influenciadas pela religião católica e pela doutrina cristã mais conservadora, como a de Charles Maurras, como sucedeu no salazarismo e no franquismo. Nas direitas democráticas encontramos, também, um pouco de tudo, sendo embora a tradição da democracia-cristã a mais influente, nomeadamente, em Itália e na Alemanha. Só que, provavelmente, o cristianismo de cada uma dessas duas experiências, ambas muito marcantes no pós-1945 e até à década de 90, não é o mesmo: em Itália, a influência católica é dominante, enquanto que na Alemanha a tradição luterana e protestante prevaleceu sempre na CDU. O que, em política, pode ter (e teve) consequências muito distintas.Mas existem também direitas (embora, muitas vezes se possa discutir a propriedade do termo, esta é a sua qualificação mais corrente, pelo que a deveremos utilizar) que não reclamam a mais breve influência do cristianismo, mesmo até de qualquer forma de expressão religiosa: o nazismo foi uma manifestação contemporânea de paganismo anticristão e a «Nova Direita» de criação francesa ainda o é. Quando, há para aí uns bons vinte anos, se traduziu e editou em Portugal a obra de referência de Alain de Benoist, o «Vu de Droite», o editor português negociou com o autor a não inclusão do último capítulo, precisamente para evitar melindrar algumas consciências católicas mais sensíveis. Na tradição evoliana, que a Nova Direita segue de perto, o cristianismo, na melhor das hipóteses, não conta, ou é sujeito a uma interpretação esotérica que o descaracteriza totalmente se comparado com o cristianismo revelado. Para outros, ele foi mesmo um factor de degenerescência do Ocidente e da cultura europeia, à qual uma certa direita guarda suposta fidelidade.Por outro lado, o facto das direitas serem ou não influenciadas pela religião, não garante a mesma posição sobre a natureza laica ou clerical do Estado. Salazar era maurrasiano e, contudo, deixou sempre o Cardeal Cerejeira a uma respeitável distância dos negócios públicos. Já Franco saiu do pretorianismo militar e, contudo, deixou à Igreja de Espanha uma margem de manobra muito mais ampla no Estado espanhol, de que a Opus Dei foi certamente a mais bem sucedida de todas as influências.Por mim, que cada vez mais me considero essencialmente liberal e só (muito) acessoriamente de direita, julgo que a política deve ser neutra perante a religião. Se, por princípio, o liberalismo invoca a redução máxima do domínio público, a religião e as suas formas de estruturação social serão certamente matéria de natureza privada ou até mesmo íntima. Na vida privada, o que cada um, à esquerda ou à direita, faz com o credo em que acredita, a religião que segue, os cilícios que usa ou não, é matéria do mais absoluto foro íntimo, em relação à qual a política nada tem que, ou deve, dizer.Não se ignora, porém, sob pena de ingenuidade, que as igrejas e os seus grupos internos possam constituir poderes reais e expressivos na sociedade, ao ponto de tentarem influenciar o domínio público. Também aqui, os termos do problema são invariavelmente mal colocados e denunciam a enorme atracção que a direita (até mesmo a que se considera liberal) tem pelo Estado. Nesta matéria, um liberal deverá «somente» pugnar por dois aspectos: a existência da livre concorrência entre religiões e igrejas, isto é, a garantia de um mercado religioso livre e incondicionado; e a não ingerência do Estado e dos poderes públicos na vida das igrejas. Já a influência destas sobre o Estado é, infelizmente, um mal inevitável. Como o é a influência dos clubes de futebol, dos media, das associações patronais e sindicais, isto é, de todo o tipo de interesses privados organizados, cuja satisfação dependa do governo e, sensu lato, do Estado. Mais uma vez, também aqui não podemos contrariar a humanidade, senão regressando aos postulados clássicos do liberalismo: essa influência será tanto maior, quanto maiores forem as funções e as competências do Estado. Razão para, muito liberalmente, as exigir diminutas, ou mesmo até inexistentes.
blasfémias-rui/2006-06-15
O corolário deste postulado conduzirá a uma concorrência perfeita e à preponderância dos melhores. Neste sentido, a religião não é de direita nem de esquerda, porque se vivifica no terreno fértil da liberdade. E esse campo verde tem de espraiar-se em todos os sentidos do horizonte, se não fenecerá mais tarde ou mais cedo.A religião, tal como a liberdade, portanto, não está de um lado, mas de um lado e de outro.
A discussão deste tema, com esta abordagem, é peregrina, porque se alimenta de (pretensas) boas intenções, e dessas, diz a filosofia popular, está o inferno cheio, o que parece ser verdade mesmo para quem não acredita no inferno.
A questão é outra: Com quem se enleia a religião, já não enquanto vaso de fé, mas como teocracia.
A história demonstra que a religião se enleia com a direita, enquanto guardiã das forças conservadoras. No seu início, o movimento que depois veio a chamar-se cristianismo, não se carecterizava por ser religioso, mas por ser revolucionário, porque pregava contra a ordem estabelecida.Quando percebeu que tinha a batalha perdida, o Imperador romano seguiu o lema de se juntar ao inimigo que não conseguira vencer.
E o cristianismo, ao deixar-se enlear no Estado, deu meia volta e ficou à direita. De onde nunca mais saiu.Claro que há sempre uns rebentos que teimam em crescer em sentido contrário ao da haste-mãe, mas não são suficientemente robustos para destruir o enleio milenar.
De tudo isto decorre, contudo, mais uma contradição, aparente, para a direita, que maldiz o Estado: Sem Estado não há enleio, sem enleio não há modo de convocar os pobres de espírito para a comunhão das almas no outro mundo.Não há religião sem a promessa de outro mundo melhor.
É por essas e por outras que a direita diz que não, mas precisa do Estado, do mesmo modo que que a religião preponderante necessita do enleio ao Estado para preservar o exclusivo desse enleio. Exemplo flagrante desta cumplicidade foi (e ainda é) a discussão acerca do incómodo não posicionamento do senhor Cardeal Patriarca na lista de precedências do protocolo de Estado e do discurso político, com pinças, que ele incómodo despoletou.
E não é com os cilícios da Opus Dei, ou outros tormentos e autoflagelos quaisquer, que a Obra nos atinge, exorbitando da sua liberdade. As sociedades secretas, quaisquer que elas sejam, formam-se sempre com o intuito de poderam ver sem ser vistas. E das suas posições escondidas manobram a seu belo prazer.
Com inteira liberdade, se o país é livre, o que coloca a questão da bondade da liberdade sem limites.
Mas esse é um problema igualmente complicado.
direita, religião e liberdade
O debate sobre o conceito, ou os conceitos, de direita e das várias direitas dá sempre pano para mangas e azo a animadas discussões. Curiosamente, à esquerda, a discussão ideológica não é tão acesa ou, pelo menos, não transparece com tanta intensidade para o exterior, o que já é uma primeira lição que a direita deveria saber aproveitar e não aproveita.…A direita nunca expressou uma posição uniforme sobre a religião: existem direitas confessionais, mais ou menos laicas e mais ou menos clericais; como existem direitas não confessionais, pagãs e ateias.No grupo das direitas confessionais ou que, de algum modo, fazem reverter alguns princípios da doutrina religiosa na sua doutrina política, encontramos uma tradição cristã nuclear, mas que é diferente de caso para caso. Assim, tivemos experiências autocráticas e ditatoriais influenciadas pela religião católica e pela doutrina cristã mais conservadora, como a de Charles Maurras, como sucedeu no salazarismo e no franquismo. Nas direitas democráticas encontramos, também, um pouco de tudo, sendo embora a tradição da democracia-cristã a mais influente, nomeadamente, em Itália e na Alemanha. Só que, provavelmente, o cristianismo de cada uma dessas duas experiências, ambas muito marcantes no pós-1945 e até à década de 90, não é o mesmo: em Itália, a influência católica é dominante, enquanto que na Alemanha a tradição luterana e protestante prevaleceu sempre na CDU. O que, em política, pode ter (e teve) consequências muito distintas.Mas existem também direitas (embora, muitas vezes se possa discutir a propriedade do termo, esta é a sua qualificação mais corrente, pelo que a deveremos utilizar) que não reclamam a mais breve influência do cristianismo, mesmo até de qualquer forma de expressão religiosa: o nazismo foi uma manifestação contemporânea de paganismo anticristão e a «Nova Direita» de criação francesa ainda o é. Quando, há para aí uns bons vinte anos, se traduziu e editou em Portugal a obra de referência de Alain de Benoist, o «Vu de Droite», o editor português negociou com o autor a não inclusão do último capítulo, precisamente para evitar melindrar algumas consciências católicas mais sensíveis. Na tradição evoliana, que a Nova Direita segue de perto, o cristianismo, na melhor das hipóteses, não conta, ou é sujeito a uma interpretação esotérica que o descaracteriza totalmente se comparado com o cristianismo revelado. Para outros, ele foi mesmo um factor de degenerescência do Ocidente e da cultura europeia, à qual uma certa direita guarda suposta fidelidade.Por outro lado, o facto das direitas serem ou não influenciadas pela religião, não garante a mesma posição sobre a natureza laica ou clerical do Estado. Salazar era maurrasiano e, contudo, deixou sempre o Cardeal Cerejeira a uma respeitável distância dos negócios públicos. Já Franco saiu do pretorianismo militar e, contudo, deixou à Igreja de Espanha uma margem de manobra muito mais ampla no Estado espanhol, de que a Opus Dei foi certamente a mais bem sucedida de todas as influências.Por mim, que cada vez mais me considero essencialmente liberal e só (muito) acessoriamente de direita, julgo que a política deve ser neutra perante a religião. Se, por princípio, o liberalismo invoca a redução máxima do domínio público, a religião e as suas formas de estruturação social serão certamente matéria de natureza privada ou até mesmo íntima. Na vida privada, o que cada um, à esquerda ou à direita, faz com o credo em que acredita, a religião que segue, os cilícios que usa ou não, é matéria do mais absoluto foro íntimo, em relação à qual a política nada tem que, ou deve, dizer.Não se ignora, porém, sob pena de ingenuidade, que as igrejas e os seus grupos internos possam constituir poderes reais e expressivos na sociedade, ao ponto de tentarem influenciar o domínio público. Também aqui, os termos do problema são invariavelmente mal colocados e denunciam a enorme atracção que a direita (até mesmo a que se considera liberal) tem pelo Estado. Nesta matéria, um liberal deverá «somente» pugnar por dois aspectos: a existência da livre concorrência entre religiões e igrejas, isto é, a garantia de um mercado religioso livre e incondicionado; e a não ingerência do Estado e dos poderes públicos na vida das igrejas. Já a influência destas sobre o Estado é, infelizmente, um mal inevitável. Como o é a influência dos clubes de futebol, dos media, das associações patronais e sindicais, isto é, de todo o tipo de interesses privados organizados, cuja satisfação dependa do governo e, sensu lato, do Estado. Mais uma vez, também aqui não podemos contrariar a humanidade, senão regressando aos postulados clássicos do liberalismo: essa influência será tanto maior, quanto maiores forem as funções e as competências do Estado. Razão para, muito liberalmente, as exigir diminutas, ou mesmo até inexistentes.
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