Hoje, já sabes porquê, não vamos poder abraçar-nos nos teus treze anos.
Como a razão da impossibilidade de estarmos contigo não deu tempo de pedir ao Pai Natal a entrega da prenda que lhe tínhamos encomendado, lembrou-se o teu avô de colocar aqui hoje uma gracinha que o Pai Natal não entregou à tua mãe há trinta anos. Com o passar do tempo, passou-lhe o já pouco brilho que possa ter tido então. Ainda assim, aceita-a como uma frágil lembrança, encontrada esquecida há pouco, numa caixinha a pular de beijos dos teus avós.
10/04/1986
Quando eu tinha quinze anos,
o mundo era pouco mais que a minha aldeia.
Hoje, a tua aldeia, Ana,
é do tamanho do mundo.
Quando eu tinha quinze anos
não sabia tanta coisa banal,
por exemplo,
que Portugal é rectangular,
e, o que é ainda mais grave,
que, de forma concisa,
encosta-se à Galiza
e acaba no Algarve.
Naquele tempo, Ana, minha filha, havia
o Portugal Maior
do Minho até Timor,
e era Angola,
e Moçambique, São Tomé e Cabo Verde
e Goa.
País multirracial, multi continental,
capital: Lisboa.
Sabia lá eu que a Índia nos queria cilindrar!
Se havia Argélia,
ficaria longe do lugar.
À minha aldeia não chegava Camus
nem os "pied noirs".
A Pátria, Portugal, era indivisível,
una,
ainda que chiasse na ONU
um safadão que havia, um tal Nkrumah,
que não se ouvia na minha aldeia.
Por essa altura, em Roma
compunha-se um Tratado.
E a ideia,
de construir na Europa um só mercado,
não chegava, também ela, à minha aldeia.
Um dia,
disseram que subira ao espaço sideral
o "sputnik",
um foguetão, coisa nunca vista,
mas subversivamente anti-ocidental,
marxista!
Noutro dia
falaram da bomba agá,
dos mesmos comunistas.
Mas, na minha aldeia,
ninguém sabia
para que servia
a bomba agá.
É para matar os velhos, disse o sr. situacionista,
mata tudo, até as pulgas, disse um tipo já gágá.
Incontroverso e oficial,
soube-se que Dona Isabel viria,
ela e o príncipe consorte,
a Portugal.
E que o Senhor General Craveiro
e Dona Berta
iriam ao Brasil.
Não tudo ao mesmo tempo,
é bom de ver,
que o presidente existe para visitar
e receber.
Contaram-se anedotas,
a propósito
de não ter para contar mais coisa alguma,
e nem se voltou a ouvir chiar
o tal Nkrumah.
"Libertemos África"!
Angola não fica na África, Angola fica em Portugal,
imbecil!!!
Português, fora de Portugal, só no Brasil,
onde vão Francisco e Berta,
almoçar, jantar, sorrir, dormir e suspirar,
e mais o que acontecer
para divertir.
Nesse tempo, Ana,
via-se o mundo da janela recatada a cortinados.
Passavam homens nas ruas,
falavam de coisas suas,
mas parados, mas calados.
E recordo quando naquele dia,
frio, de inverno,
em que fiz quinze anos,
a minha mãe,
de manhãzinha,
me deu num beijo o que tinha para dar,
que o meu pai enlaçou com um sorriso comedido.
1 comment:
Muitos Parabéns à Rita e a todos vós que a enchem de amor e carinho.
Uma vida longa para todos.
Feliz Ano Novo
Francesca K.
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