Anotei neste bloco de notas as minhas reservas aos méritos dos chamados "orçamentos participativos" em 22/09/2012 (Portugal ao Natural) e em 22/09/2015 (Democracia Alternativa).
Mais benevolente, João Miguel Tavares concede num artigo no Público de quinta-feira passada que os orçamentos participativos fazem sentido a nível local, mas considera (e bem) uma vergonha a demagogia ridícula do primeiro-ministro quando há dias anunciou o "Orçamento Participativo de Portugal".
Transcrevo,
0,0035%
JOÃO MIGUEL TAVARES
21/07/2016 - 00:05
É verdade que tenho escrito muitos textos a atacar António Costa. Mas admitam: o homem dá-me todos os dias boas razões para isso. Na segunda-feira, o nosso querido primeiro-ministro foi ao Museu Nacional de Arte Antiga anunciar, com toda a pompa e circunstância, o primeiro OPP – Orçamento Participativo de Portugal. Levou estrado, palanque, microfones, projectores e, pelo menos (foi os que consegui contar), um primeiro-ministro, três ministros e alguns secretários de Estado. A comunicação social deu o seu OK ao OPP e respondeu em força: a cerimónia foi abordada logo nos primeiros minutos dos telejornais da SIC e da TVI e o PÚBLICO dedicou-lhe uma página inteira no dia seguinte.
A atenção compreende-se. O Orçamento Participativo de Portugal pretende ser uma réplica à escala nacional dos orçamentos participativos que têm vindo a ser desenvolvidos com sucesso em vários municípios, com destaque para Lisboa. A ideia nasceu no tempo em que António Costa era presidente da câmara, tem corrido bem, aproxima os cidadãos da política, convida-os a tomar a iniciativa de melhorar as suas cidades, e permite concretizar pequenos projectos úteis e criativos, após votação pública. Tudo coisas, como diria Artur Jorge, boas e bonitas – e, ainda por cima, descentralizadoras e liberais. Música para os meus ouvidos. Pode discutir-se, claro, se aquilo que faz sentido localmente faz sentido nacionalmente – eu acho que não, mas nem quero ir por aí. Vou até admitir, que é para os meus queridos leitores não acharem que isto é só má vontade, que a ideia é estupenda e faz todo o sentido ser implementada a partir do Terreiro do Paço.
Qual é, então, o meu problema com o vistoso arraial no Museu Nacional de Arte Antiga? É este: três milhões de euros. O orçamento do Orçamento Participativo de Portugal tem o valor de três milhões de euros, 0,0035% do orçamento do Estado para 2016 (85,4 mil milhões de euros, mais coisa, menos coisa), para aplicar em quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos, o que dá uns estupendos 750 mil euros por área. E agora deixo-vos a descrição que o PÚBLICO faz dos vários passos do processo até chegar à atribuição desse incrível montante. Até final do ano, “decorre a fase exclusivamente dedicada à divulgação da iniciativa, junto de autarcas, associações, empresários e cidadãos”. Entre Janeiro e Abril de 2017 há quatro meses para apresentar ideias, durante os quais “governantes andarão pelo país” a “falar com as pessoas”. Depois vem a “discussão e elaboração” das propostas, em assembleias participativas. Em Maio, “terá início a fase da análise técnica”. Entre Junho e Agosto os cidadãos poderão votar online ou por sms. E segue-se, em Setembro, a apresentação pública dos projectos vencedores. Fixaram tudo?
Óptimo. Agora façam as contas. Se somarmos os custos da apresentação do OPP, da divulgação do OPP, da organização do OPP, da discussão do OPP, da votação do OPP e da implementação do OPP, desconfio que a burocracia e os meios envolvidos na atribuição de uns ridículos três milhões de euros serão superiores a três milhões de euros. Não só António Costa andou entretido em cerimónias de propaganda por causa da alocação de 0,0035% dos recursos do Estado, como certamente vai ser maior a despesa da propaganda do que o investimento que propagandeia. Digam-me: sou eu que tenho mau feitio? Ou andar a perder tempo e dinheiro com uma iniciativa destas, no actual contexto do país, é mesmo uma vergonha?
É verdade que tenho escrito muitos textos a atacar António Costa. Mas admitam: o homem dá-me todos os dias boas razões para isso. Na segunda-feira, o nosso querido primeiro-ministro foi ao Museu Nacional de Arte Antiga anunciar, com toda a pompa e circunstância, o primeiro OPP – Orçamento Participativo de Portugal. Levou estrado, palanque, microfones, projectores e, pelo menos (foi os que consegui contar), um primeiro-ministro, três ministros e alguns secretários de Estado. A comunicação social deu o seu OK ao OPP e respondeu em força: a cerimónia foi abordada logo nos primeiros minutos dos telejornais da SIC e da TVI e o PÚBLICO dedicou-lhe uma página inteira no dia seguinte.
A atenção compreende-se. O Orçamento Participativo de Portugal pretende ser uma réplica à escala nacional dos orçamentos participativos que têm vindo a ser desenvolvidos com sucesso em vários municípios, com destaque para Lisboa. A ideia nasceu no tempo em que António Costa era presidente da câmara, tem corrido bem, aproxima os cidadãos da política, convida-os a tomar a iniciativa de melhorar as suas cidades, e permite concretizar pequenos projectos úteis e criativos, após votação pública. Tudo coisas, como diria Artur Jorge, boas e bonitas – e, ainda por cima, descentralizadoras e liberais. Música para os meus ouvidos. Pode discutir-se, claro, se aquilo que faz sentido localmente faz sentido nacionalmente – eu acho que não, mas nem quero ir por aí. Vou até admitir, que é para os meus queridos leitores não acharem que isto é só má vontade, que a ideia é estupenda e faz todo o sentido ser implementada a partir do Terreiro do Paço.
Qual é, então, o meu problema com o vistoso arraial no Museu Nacional de Arte Antiga? É este: três milhões de euros. O orçamento do Orçamento Participativo de Portugal tem o valor de três milhões de euros, 0,0035% do orçamento do Estado para 2016 (85,4 mil milhões de euros, mais coisa, menos coisa), para aplicar em quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos, o que dá uns estupendos 750 mil euros por área. E agora deixo-vos a descrição que o PÚBLICO faz dos vários passos do processo até chegar à atribuição desse incrível montante. Até final do ano, “decorre a fase exclusivamente dedicada à divulgação da iniciativa, junto de autarcas, associações, empresários e cidadãos”. Entre Janeiro e Abril de 2017 há quatro meses para apresentar ideias, durante os quais “governantes andarão pelo país” a “falar com as pessoas”. Depois vem a “discussão e elaboração” das propostas, em assembleias participativas. Em Maio, “terá início a fase da análise técnica”. Entre Junho e Agosto os cidadãos poderão votar online ou por sms. E segue-se, em Setembro, a apresentação pública dos projectos vencedores. Fixaram tudo?
Óptimo. Agora façam as contas. Se somarmos os custos da apresentação do OPP, da divulgação do OPP, da organização do OPP, da discussão do OPP, da votação do OPP e da implementação do OPP, desconfio que a burocracia e os meios envolvidos na atribuição de uns ridículos três milhões de euros serão superiores a três milhões de euros. Não só António Costa andou entretido em cerimónias de propaganda por causa da alocação de 0,0035% dos recursos do Estado, como certamente vai ser maior a despesa da propaganda do que o investimento que propagandeia. Digam-me: sou eu que tenho mau feitio? Ou andar a perder tempo e dinheiro com uma iniciativa destas, no actual contexto do país, é mesmo uma vergonha?
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