Sunday, May 21, 2006

A PRODUTIVIDADE DA PROXIMIDADE


A produtividade, em si, não tem nada de transcendente mas tem o seu quê de capcioso. O problema maior é medi-la. É uma autêntica enguia viva: enquanto se pega da fita métrica, contorce-se duas vezes e foge-nos da mão. A única forma de ultrapassar a dificuldade é ficar pelos palpites ou estabelecer critérios redondos.

A produtividade, já se sabe, tem a ver com a produção mas pode variar inversamente com ela: o pescador que pesca muito e por isso baixa o preço para vender a safra farta tem menor produtividade que o pescador que pescou pouco e consegue preço elevado pela fraca pescaria, se não venderem na mesma lota e a diferença nos preços de venda for maior que a diferença nas quantidades. Aquele que pescou mais pode, no entanto, aumentar a sua produtividade devolvendo, morta, uma parte ao mar. Os produtores de laranjas, por exemplo, aumentam a produtividade deixando fruta nas árvores quando estas são pródigas demais.

Um dos factores mais propícios à inversão da produtividade relativamente à produção é a proximidade. Nada que a filosofia popular não tenha atingido há muito tempo: muito bem se canta na Sé mas é para quem é e para quem lá está ao pé.

E isto porque a produtividade, tal qual como é entendida nos manuais, é um quociente que no denominador é medido em unidades monetárias, única forma de juntar todas as produções e calcular o per capita. A produtividade medida em unidades físicas tem aplicação sectorial, serve os propósitos da micro economia mas não permite formulações macro.

É nesta passagem da avaliação sectorial da produtividade em unidades físicas para a produtividade global, medida em unidades monetárias, que o conceito de produtividade se afasta claramente do seu radical para se aproximar de outra família, a da apropriação: não é mais produtivo quem mais produz mas quem tem mais arte ou oportunidade e arte para se apropriar da produção. Quem parte e reparte…

Se os bancos em Portugal, segundo as contas mais apuradas do governador do Banco Central, tiveram, em 2005, um crescimento nos lucros de “apenas” 8%, e não de 30% conforme antes reclamado pelos próprios bancos, e se o crescimento do PIB no mesmo período se conteve a um nível estimado de 1%, a transferência de quinhão de “PIB” das actividades não financeiras para estas não se deveu certamente tanto a uma perda real de produtividade de umas e de um ganho tão acentuado das outras mas de uma “capacidade” de apropriação dos bancos a que o resto da economia não teve engenho de opor-se.

A ausência ou debilidade de concorrência aumenta as possibilidades de apropriação, e tende diminuir a produtividade real global, aumentando, no entanto, a produtividade nominal sectorial, que é aquela que consta das estatísticas.
A proximidade, é por demais óbvio, também favorece a apropriação.

Se dois irmãos gémeos, física e culturalmente indistintos, nascidos na Totolândia, tiverem seguido caminhos distintos que os levaram a situações de proximidade diversas, se realizarem produções de qualidade idêntica mas de quantidades diferentes, as produtividades das produções realizadas não são função da qualidade (iguais em ambos os casos, por hipótese) nem das quantidades, mas das proximidades.

Concretizando: Assuma-se que um dos gémeos ficou na sua terra, a Totolândia, e optou por ser condutor de táxi na capital. Trabalha 15 horas por dia e ganha 1000 u.m.
O irmão emigrou, é também condutor de táxi, mas num país rico. Trabalha 10 horas por dia e ganha 3000 u.m.
Assumindo ainda que os ganhos estão traduzidos na mesma unidade monetária, equivalente em paridade de poder de compra, é imediato que o segundo atinge uma produtividade 3 vezes superior ao primeiro, realizando uma produção inferior e de qualidade idêntica, se a produtividade for medida em termos per capita. Se a medirmos em horas trabalhadas, a produtividade do primeiro é quase cinco vezes superior à produtividade do primeiro.

A produtividade da proximidade explica, em grande parte, a concentração urbana que faz de cidades como São Paulo e Cidade do México metrópoles em vias de estado de explosão social permanente, ou as acções, eventualmente chocantes, dos norte-americanos para impedir que os mexicanos se transfiram maioritariamente para seu vizinho do Norte, ou os espanhóis, ou os italianos, ou os europeus em geral, tenham cada vez mais dificuldades em impedir que sejam transpostas incontroladamente as suas muralhas. A quantidade e qualidade dos que emigram nem sempre aumenta, e muitas vezes reduz-se: em Portugal trabalham imigrantes qualificados do Leste realizando tarefas que requerem conhecimentos elementares; no estrangeiro trabalham portugueses em tarefas indiferenciadas na construção civil que em Portugal poderiam desempenhar funções mais exigentes.

Tal não significa, evidentemente, que a generalidade dos imigrantes mexicanos a trabalhar nos Estados Unidos não consiga melhores produções (físicas) das que as alcançavam no seu país, em consequência de melhores condições organizativas, métodos de trabalho, comando, entre outras. Conseguem, mesmo sem formação adicional. Mas esses são outros aspectos determinantes da produtividade. As remunerações pagas nos países mais desenvolvidos economicamente decorrem, por um lado, dos níveis de produtividade conseguidos (em termos físicos) e da proximidade de quem pode pagar. Robert B. Reich, que foi Secretário do Trabalho na Administração Clinton, dedica a este assunto uma parte do seu livro “O Trabalho das Nações”, edição portuguesa da Quetzal, 1993.

O capital tende a deslocalizar-se para a proximidade de factores de custo de produção de bens e serviços economicamente mais vantajosos (proximidade de fontes de matérias-primas, no passado, e de baixos salários nos tempos actuais); o factor trabalho tende a deslocalizar-se para a proximidade de utilizadores com poder de compra mais elevado.

É no sector dos serviços, aquele que tem observado maior crescimento nos países desenvolvidos, quer em termos de emprego quer de participação no PNB, que o factor proximidade é mais determinante para a produtividade, calculada segundo os critérios usuais. Na realidade, e contrariamente ao que se passa nos sectores produtores de bens, e sobretudo de bens transaccionáveis, onde a proximidade se alargou (globalizou) com o decréscimo dos custos de transporte (de aproximação), e onde a concorrência não dá margem de manobra para critérios supletivos na avaliação da produtividade, o sector dos serviços goza, geralmente, da protecção de uma razoável capa de distância. Esta distância vai sendo, no entanto, transposta, muitas vezes com risco da própria vida, por aqueles que procuram melhores condições de vida ou, simplesmente, trabalho que lhes permita sobreviver.

A deslocação de altas pressões (demográficas) para as baixas pressões pode vir, no entanto, provocar um vendaval social capaz de abanar seriamente a convivência pacífica nos países de acolhimento se a lógica da produtividade vier a tornar redundantes os milhões de pessoas que foram em demanda do El Dorado.

Porque não há nenhuma razão pela qual, tendo os sectores primário e secundário observado reduções drásticas nos, o sector de serviços não venha a seguir um caminho idêntico.

Dir-se-á: o sector dos serviços é demasiadamente heterogéneo para ser limitado, e comprimido o número dos que nele trabalham. O que é verdade. Mas também é verdade que a capacidade de consumir bens e serviços está limitada a 24 horas diárias. Ninguém tem mais mesmo que tenha todo o dinheiro do mundo ao seu dispor.

Estará o mundo condenado a provocar o crescimento da procura através do desperdício ou da guerra? Mesmo se a fome no mundo que habitamos continuar a ser ainda a doença mais mortal que se conhece?

No comments: