Saturday, December 31, 2005

A ESTRADA DA BEIRA E A BEIRA DA ESTRADA

As mais citadas causas do nosso atraso e perda de passada relativamente à Europa são a nossa gritante falta de capacidades que possam confrontar-se com a globalização, a relativamente baixa percentagem de jovens que completam o ensino secundário ou a elevada percentagem dos que o abandonam a meio, a nossa elevada ileteracia, a vergonha do nosso analfabetismo. Interrogamo-nos das razões que levam jovens portugueses a marearem-se com a matemática e a somar pelos dedos, universitários a frequentarem o curso errado, o ensino secundário a preparar profissionalmente para nada, muitos atribuem à extinção do ensino técnico grande parte da nossa geral inabilidade.

E muita gente reclama mais e melhor educação, mais e melhor formação profissional, menos cimento e mais conhecimento. Não há político candidato que não prometa mais planos para nos tirar de vez da nossa relapsa burrice. O choque tecnológico, que agora virou plano, estas coisas não vão lá com choques, é a nova panaceia para nos curar de vez ou, pelo menos, nos garantir algumas melhoras.

Que o nosso ensino secundário não prepara quanto deve nem como deve é conclusão que não merece contestação; porque é que isto acontece, já exige resposta mais bicuda. Que o Estado continue a pagar diplomas em cursos superiores sem saídas profissionais, quando o que nos falta são enfermeiros, por exemplo, é um mistério insondável.

O fim do ensino técnico, que muitos consideram como uma das medidas negativas tomadas no pós 25 de Abril e em cuja reposição vêm como a melhor receita para formar pessoas capazes de produzir mais e melhor, não podia deixar de ter chegado ao fim. Criado pelo antigo regime com o objectivo de formar escriturários e operários qualificados, respondeu relativamente bem num enquadramento tecnológico muito simplificado quando comparado com a diversidade e complexidade do aparelho produtivo actual. Alguns, que as capacidades intrínsecas e as circunstâncias permitiram singrar para além das barreiras que as instituições do regime de então lhes haviam levantado, viriam a subir a degraus elevados e num caso ou noutro mesmo a posições de topo. Mas tal facto teve pouco a ver com a formação de base, se é que teve alguma.

Hoje, um ensino técnico decalcado daquele figurino não faria qualquer sentido porque cada forma de produção requer conhecimentos específicos que se desactualizam à velocidade do avanço das mais diversas tecnologias, das mais variadas soluções informáticas, dos mais díspares meios técnicos de produção, dos mais particulares processos produtivos.

Seria impossível ao Estado, hoje, garantir aos jovens um ensino técnico que correspondesse às necessidades específicas das empresas. Nem estas, evidentemente, pedem isso, a menos que se situem num estádio de desenvolvimento tecnológico pouco avançado relativamente ao de há trinta anos atrás. Nos tempos que correm, os livros selados não são livros nem selados, não se escrituram com letra francesa e cursivo inglês, a contabilidade é descentralizada em cada secção de trabalho onde se realiza uma função directa ou indirectamente produtiva, a soldadura de metais tornou-se uma especialidade, as madeiras trabalham-se com máquinas cada vez mais sofisticadas e cada vez menos universais, as montagens eléctricas obedecem a esquemas complexos mas a formação de instaladores electricistas tem que realizar-se nas empresas (on job) e o mesmo se aplica à generalidade das funções de produção nas indústrias transformadoras.

Por outro lado, a transferência cada vez mais acentuada do emprego nos sectores primário e secundário para os serviços mais acentua a diversidade do trabalho e a impossibilidade de o Estado munir os jovens com formação específica e muito diferenciada. Ainda recentemente a revista Atlantis, da TAP, noticiava a existência de uma escola no Canadá, privada, a formar candidatos a São Nicolau, emprego sazonal que pode render 40 mil dólares pelo Natal e Ano Novo.

O que se deve exigir ao Estado é que a formação dos jovens, a nível do ensino secundário, para além das matérias tradicionalmente ligadas às humanidades e às ciências da Natureza e que constituem o suporte necessário a qualquer formação profissional específica ou ao prosseguimento para o patamar académico seguinte, imprima hábitos de trabalho e inclua o ensino dos conceitos técnicos e sociais com que todos irão deparar no dia a dia, independentemente das funções que vierem a desempenhar.

Os hábitos de trabalho são entre nós, teremos de convir, um problema complicado que se prende com a dificuldade em transmitir aos jovens uma atitude que muitos portugueses prezam pouco. Mas não é insolúvel e, querendo-se, podem fixar-se objectivos e medir a sua realização porque todo o trabalho é mensurável, e não só o dos alunos mas também o dos professores, o dos pais e o das comunidades em que as escolas se inserem. Definitivamente, os portugueses devem começar por compreender que vivem num mundo que é e será cada vez mais globalizado e que não podem querer melhorar o seu PIB per capita sem que cada capita produza mais PIB.

A adequação dos conhecimentos às exigências do dia a dia não parece que devesse colocar grandes dificuldades de para um consenso alargado: Se é consensual que aos jovens se ministrem no ensino secundário conhecimentos médios de português, inglês, matemática, química, física, biologia, mineralogia, lógica, informática e educação sexual, por exemplo, não deveria ignorar-se o ensino de conceitos com que eles vão ter certamente que lidar de perto, qualquer que seja a função que vierem a realizar, é importante para a sua integração na vida profissional: conceitos elementares de direito, de economia, mecânica, electricidade e electrónica, etc. A todos é importante saber, por exemplo, o que é um balanço de uma empresa, o que são acções e o que são obrigações, o que é uma sociedade por quotas e o que é uma sociedade anónima, o que é um monopólio, o que é que significa a concorrência nos mercados. Para além deste conjunto de conhecimentos indispensáveis para qualquer cidadão poder, a partir deles, adquirir todas as competências necessárias ao exercício de uma função na sociedade, a formação especializada não pode deixar de ser, patrocinada ou não pelo Estado, realizada on job. Havendo patrocínio do Estado, é fundamental que não se repita a experiência passada com a utilização desregrada dos fundos comunitários em acções de formação que, em muitos casos apenas camuflaram temporariamente o desemprego e aproveitaram a empregadores sem escrúpulos e não só.

Mas, acima de tudo, é inquestionável que o Estado deve privilegiar o esforço de garantir que todos os jovens frequentem o ensino secundário e nenhum o abandone. Também parece inquestionável que o Governo leve por diante a sua anunciada política de promoção de acções tendentes ao completamento do ensino secundário por parte daqueles que o abandonaram e ainda à equiparação dos conhecimentos adquiridos de forma auto didáctica ou outras não reconhecidas oficialmente, mediante provas.


Quanto ao ensino superior, o estado actual das coisas já deveria ter feito compreender ao Estado, aos professores, aos alunos, aos pais dos alunos, ao País inteiro, que não é admissível que os impostos de todos os contribuintes continuem a pagar a obtenção de cursos que não têm saídas profissionais e que, em muitos casos, não concedem conhecimentos que valham uma licenciatura e perseguem a mirífica e provinciana ambição de exibirem um penacho de falso doutor. Está fora de causa que a todos assiste o inegável direito de tirar um curso superior e, um dia, todos os cidadãos terão essa possibilidade e a esmagadora maioria aproveitá-la-á. O que está em causa é a quem cabe pagar o custo desse ensino. Se for o próprio, com possibilidades para o fazer, antes ou depois da obtenção do diploma, seguramente que a escolha do seu futuro profissional será mais ponderada e responsável evitando-se o malbaratar de meios e a redução de frustrações.


Chegado a este ponto, voltamos à questão inicial: Sendo a formação condição inicial para o suporte de uma sociedade evoluída e competitiva, porque dificilmente será evoluída se não for competitiva, as sociedades ao contrário de alguns indivíduos não costumam receber heranças embora algumas recebam finezas, é também condição suficiente?

Não é.

E não é porque todos sabemos que, neste momento, o desemprego aflige em elevado grau aqueles que obtiveram um curso dito superior. Se a formação académica fosse, só por si, motora do crescimento, seguramente que a nossa economia não estaria em divergência com a Europa e muitos desses jovens estariam a trabalhar.

Não há, ao contrário do que geralmente se quer fazer crer, falta de gente com preparação suficiente para trabalhar em novos projectos. Aliás, uma parte muito significativa daqueles que obtiveram graus académicos acima da licenciatura, procura no estrangeiro as oportunidades que não encontra no país onde nasceu e que até lhes pagou essa formação. É frequentemente referido na Imprensa a opinião, que se pretende abalizada, de que existe insuficiência de licenciados nas áreas científicas e tecnológicas. No entanto, mesmo licenciados nos diversos ramos de engenharia, incluindo a engenharia informática, por exemplo, não encontram facilmente colocação para o desempenho de funções para as quais têm habilitação académica e muitos acabam por enveredar por uma carreira profissional completamente diferente daquela para que se prepararam. A oferta de emprego continua a estar voltada para funções comerciais e administrativas, raramente tecnológicas e quase nenhumas científicas.

Argumenta-se, por outro lado, que não existem em número suficiente profissionais para trabalhos funcionalmente manuais: carpinteiros, canalizadores, electricistas, pintores da construção civil, mecânicos, técnicos de electrónica, etc. O que pode ser verdade mas não tem que ver com o déficit de formação a nível do ensino secundário, a menos que quem assim argumenta pretenda repor o sistema de castas que vigorou até ao 25 de Abril: o ensino liceal, para os mais favorecidos, como antecâmara para a Universidade e o ensino técnico destinado aos outros. A carência de profissionais para o desempenho daquelas tarefas não decorre da falta de formação suficiente já que qualquer jovem habilitado com o ensino secundário estará preparado para aprender facilmente, on job, o desempenho daquelas funções, o problema é que não quer porque supõe-se com direito a função socialmente mais prestigiada. Levada às últimas consequências esta atitude conduz-nos a um corolário obtuso: Seria prejudicial para a economia do País que os jovens completassem todos o ensino secundário porque no dia em que tal facto ocorresse deixaríamos de ter candidatos às profissões que requerem o insubstituível emprego das mãos, e que são quase todas.

O que falta, antes de mais, são projectos e empresários que os concretizem, porque sem novos projectos que produzam riqueza transaccionável não há crescimento económico sustentado nem criação de emprego.

Temos de cuidar da educação, claro que temos, mas temos sobretudo que nos interrogar porque razão não cresce o investimento reprodutivo em Portugal e acertar na resposta conveniente. Ao Estado compete criar as condições necessárias à incubação de novos projectos, nomeadamente tornando competitivas as condições envolventes que estão para lá da disponibilidade de recursos humanos e até mesmo financeiros.

Há falta de gente formada, ou susceptível de formação on job, que possa trabalhar de forma competitiva? Não há. Podia haver mais, temos quer ter mais, mas temos para já a suficiente e não é por essa razão que o investimento reprodutivo não nos procura. A Irlanda é citada vezes sem conta como um exemplo extraordinário de desenvolvimento bem sucedido suportado por uma política que privilegiou a formação e não valorizou as infra-estruturas. Não pode, no entanto, deixar de considerar-se o que ofereceu o Estado irlandês aos investidores para além de recursos humanos competentes.

Há falta de meios financeiros? Não há. Se houvesse falta de liquidez não se empenhavam tanto os bancos a convencer-nos a gastar naquilo que muitas vezes já não precisamos e de que a construção civil é o exemplo mais flagrante e pode ser o mais dramático: o nosso stock de casas excede largamente a procura não especulativa por mais optimistas que sejam as perspectivas que se queiram tomar.

Os mega projectos TGV e aeroporto da Ota, vão criar, segundo o Governo cem mil postos de trabalho e requerem meios financeiros fabulosos. Independentemente do juízo que possamos fazer acerca dos méritos e deméritos de tais projectos e do número de empregos anunciados, o que sabemos é que uma grande parte desses empregos serão do tipo dos que têm sido importados para as grandes obras públicas (ponte Vasco da Gama, Parque das Nações, estádios de futebol, etc.), correspondem ao modelo de crescimento que tanto tem sido criticado e só terão repercussões a longo prazo.

Até lá os projectos criadores de emprego e produtores de bens e serviços transaccionáveis, já a curto e médio prazos, têm de ser outros.

O caminho para o desenvolvimento passa pela identificação correcta dos obstáculos que em cada fase terão de ultrapassar-se, caso contrário a fuga em frente é, quanto muito, fuga para o lado.

Na Estrada da Beira, não vai para lá quem vai para a beira.

Wednesday, December 21, 2005

2 GALOS NA CAPOEIRA 2

“Dois galos na capoeira é asneira, a menos que um deles seja capado”
do Tratado Popular de Ciência Política


A eleição do Presidente da República em Portugal por sufrágio directo e universal confere a este Órgão de Soberania uma intensidade de representação da vontade popular, democraticamente expressa, bem acima daquela que sustenta os outros.

E, no entanto, dizem-nos e repetem-nos que, em Portugal, o Presidente da República tem poderes de intervenção muito limitados aparte o poder, eventualmente desproporcionado, de dissolver a Assembleia da República.

Todos os candidatos às próximas eleições concordam num ponto: O País está em crise. Todos se propõem tirar ou ajudar a tirar o País da crise, acrescentando a maior parte ser essa a razão fundamental da sua candidatura. Não houvesse crise e não teríamos candidatos...

A enigmática questão por onde se têm de desenvencilhar os candidatos durante a campanha eleitoral é, então esta: Com poderes tão limitados como podem os candidatos prometer o que não podem realizar ou como podem os candidatos candidatarem-se sem prometer já que não há candidatura sem promessa?

É a quadratura do círculo em todo o seu esplendor: Se promete, aqui d´el-rei, o Candidato vai subverter o sistema e não respeitar a Constituição! Se não promete, está visto, o Candidato não tem ideias para o País ou se tem não lhes pode dar corda!

Mas preso por prometer, preso por não prometer, um dos Candidatos um dia destes é Presidente e o mais certo é ter hipotecado a sua palavra a algumas promessas, explícitas ou implícitas, que fez aos eleitores. Se for homem de palavra o que é que ele pode fazer?

A democracia é para os guardiões do Templo um sistema político que se alimenta dos conflitos entre os desígnios contrários, ainda que para manter a conflituosidade se tenham de trocar os desígnios, qualquer sugestão de consenso tresanda-lhes a pensamento único.
Desconhecem que para lá da sabedoria popular a respeito da relapsa falta convivência dos galos se desenvolveram sofisticadas teorias dos jogos.

Por estas e por outras razões, os guardiões do Templo não toleram que seja democraticamente desejável a cooperação entre as diferentes forças políticas e os órgãos de soberania para a realização de estratégias consensuais e a remoção de bloqueios.

Porque os bloqueios são como as bruxas, podemos não acreditar que existam mas que os há, há. E até sabemos onde moram.






Wednesday, December 14, 2005

O PACTO



Os debates para as Presidenciais, realizados até agora, demonstraram que o limão não tem muito sumo para espremer. A não ser que haja algum deslize grave ou alguma falta à margem da lei, o jogo está jogado.

A diferença mais significativa entre as propostas dos candidatos com mais possibilidades de serem eleitos (CS,MS,MA) reside naquela que foi formulada por CS e que ele designou por “cooperação estratégica” com os governos, sejam eles quais forem. Esta designação tem sido a peça de caça preferida por MA, vai ser, provavelmente, acusada no último round por MS, fez saltar a tampa ao geralmente destampado Vasco Pulido Valente. Mas a maior parte dos analistas políticos ou não valorizou a proposta e continuou a dizer que o candidato ainda não disse nada, ou deixou escapar um sorriso condescendente.

A questão é esta: Se dois (ou mais) indivíduos dispuserem da mesma informação e igual capacidade de a interpretarem e concordarem entre si atingir os mesmos objectivos é indiscutível que concertarão o melhor caminho a seguir?

É, responderá quem não quiser arranjar, facilmente, argumentos para defender o contrário.

Nada é igual e muito menos a informação e as capacidades, os objectivos não são pontos geometricamente definíveis, quanto aos caminhos nem sempre a distância mais curta é em linha recta. A democracia, etimologicamente o governo do povo, não é uma méritocracia governada por um iluminado eleito. Em democracia os caminhos traçam-se por tentativas e aproximações sucessivas.

A democracia representativa assenta no princípio um-homem-um voto mas pode no voto germinar-se o seu descrédito. A democracia não nasceu sozinha mas de parto gemelado com a demagogia que nasceu instantes depois dela, tinha a democracia dado os berros primordiais. A sobrevivência da primeira é o resultado de uma luta interminável com a segunda. Com a evolução tecnológica dos meios de comunicação, as possibilidades de insinuação da demagogia têm-se fortalecido na disputa acérrima com as capacidades de afirmação da democracia.

E nisto reside o busílis da questão: na lota democrática dos votos os lances tendem a ser licitados com promessas frequentemente incumpridas, muitas vezes as mesmas, variando de sentido consoante os licitantes estejam no poder ou na oposição. A perversão é tanto mais acentuada quanto menor for a maturidade democrática dos votantes, isto é a sua capacidade para distinguir por onde se insinuam os cânticos da demagogia. Não se cumprindo as promessas, porque elas impõem mudanças e as mudanças incomodam, os caminhos deixam de ser tentados em frente para se calcarem em círculo.

Como pode, então, romper-se o círculo e arriscar avançar?

Há sempre um momento em que a demagogia se não soçobra enviesa a passada: quando os cofres se esgotam.

Pelo menos num ponto estão de acordo os cinco candidatos a Presidente da República: Portugal está em crise, económica, financeira, social, cada um cita a lista que lhe parece mas não se detectam divergências.

Se assim é, se a crise existe e não é um fantasma, a definição de meia dúzia de caminhos consensuais para a sua ultrapassagem pode ser complicada mas tem que ser tentada e não se perde a democracia por isso.

Posto entre a espada do deficit e a parede da União Europeia, o actual Governo tem demonstrado grande determinação para romper algumas teias tecidas ao longo de muitos anos e que impedem o caminho do progresso mas também tem abusado, em algumas situações críticas para o funcionamento salutar da democracia, da maioria de votos que recebeu. Pode o Governo continuar a assumir-se auto-suficiente na sua maioria absoluta mas a erosão é incontornável e os riscos de patinar quando os rastos se alisarem terão custos insuportáveis para o País.

E quando os custos são insuportáveis os órgãos entram em falência.
Um País falido é aquele que deixou de ter capacidade para solver os seus compromissos.
Infelizmente não estamos longe disso.

Sunday, December 11, 2005

A TRAGÉDIA DE SE CHAMAR DOUTOR

Há dias, toca o telemóvel e…

- Senhor Engenheiro?
-?
- Fala Fulano, queria …
- Vou enviar hoje mesmo.
- Senhor Engenheiro, já agora, podia dar-me uma informação: tenho uns eucaliptos que plantei há um ano. Acha que está na altura de os adubar?
- Lamento Senhor Fulano, mas não é a minha especialidade.
- Não é?!! Mas então que especialidade é a do senhor engenheiro?
- Lamento desiludi-lo de novo, mas não sou engenheiro…
- Não é engenheiro? Mas então o que é que o senhor engenheiro é?

Não sei porquê, mas volta e meia tratam-me por engenheiro. Acontece o mesmo, aliás, com muito boa gente. É pecha nacional.

Um dia estava A. Celeste com o Ministro V. O. e o Ministro desata a tratar A. Celeste por engenheiro, senhor engenheiro para cá, senhor engenheiro para lá, tão insistentemente que A. Celeste se sentiu na obrigação de interromper o Ministro e esclarecer que, lamentava, mas não era engenheiro.
- Não é engenheiro?!!, interrogou o Ministro com o mesmo espanto com que interrogaria um faltoso. Mas então o que é?
- Senhor Ministro não sou engenheiro mas o que eu gostava mesmo era ser Conde, terá respondido A. Celeste e assim começado um das suas histórias intermináveis.

Em situações idênticas vem-me sempre à lembrança a saída do Celeste.
Menos que Conde, hoje em dia, são trocos.


Vem isto a despropósito de dois comentários, subtis, publicados no Público:

… Alegre fez o incrível erro de esquecer que lhe cabia então falar para todos e não para os entrevistadores. E diga-se que é ridículo que aceite ser tratado por “dr. Manuel Alegre” (AMS) – 6/12/2005

…Já agora, falando em jornalistas, alguém consegue explicar por que razão Cavaco é “professor” e Louçã é “doutor”? Já agora também, desde quando é que Manuel Alegre é “doutor”? (SJA) - 9/12/2005

A prevalência da forma sobre a substância é desde há séculos uma tara nossa. A ascensão da burguesia incorporou os penachos da fidalguia arruinada do regime antigo. Os títulos valiam por si ainda que substancialmente muitas vezes não valessem nada. Em terra de analfabetos quem era doutor era rei.

A interiorização desta atitude foi tão longe que, em Portugal hoje, enrolado num mundo altamente competitivo porque cada vez, irreversivelmente, mais globalizado, ainda se continua, geralmente, a supor que o mais importante não é saber fazer mas ter canudo e chamar-se “doutor”.

Nestas condições, não admira que estando o País recheado de “doutores” muita gente dessa não saiba que fazer ou acha que o que há para fazer não é para ela fazer, tal como os fidalgotes antigos a quem o título ridículo impedia a produção de qualquer trabalho manual e a incompetência a realização de qualquer outro.

O Manuel Alegre não é doutor, parece poder depreender-se das notas biográficas que constam do seu site na Internet.

BIOGRAFIA DE MANUEL ALEGRE Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi fundador do CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra. Dirigiu o jornal A Briosa, foi redactor da revista Vértice e colaborador de Via Latina.

Mas o que é um doutor? Um licenciado?

É óbvio que não.

Doutor é um título atribuível apenas aqueles que prestam provas para obtenção desse grau académico e são aprovados. Todos os outros serão senhores, se forem, porque os verdadeiros senhores também vão escasseando.

Mesmo a designação de doutor atribuível aos médicos é, na tradição generalizada em muitos países, correlata com a profissão de médico e não como título.


Noventa e muitos por cento dos “doutores” deste País não o são de facto.

Se houvesse vergonha e decência os títulos deveriam desaparecer. Construir-se-ia, então, uma sociedade assente em alicerces sólidos, de competência, e não balofos de presunção.

Quanto a Manuel Alegre o “doutor” fica-lhe francamente mal.

Tuesday, December 06, 2005

O DISCURSO DO FEITOR

É provável que Dom José ainda seja vivo mas, seguramente, mais arruinado e louco. Da última vez que o vi continuava a bradar, quando lhe davam corda, rouco, por detrás das barbas ruças que só viam água das chuvas, de olho esgazeado, o indicador direito a varrer nevrótico como um radar pifado o horizonte de um canto ao outro, é tudo meu, é tudo meu!

Dom José era o mais novo de quatro irmãos; a irmã mais velha casara com um oficial do exército e andava por onde o Ministério da Guerra mandava andar, o irmão agrónomo abominava a Quinta e tornou-se funcionário do Ministério da Terra para não lidar com trabalhos agrícolas, preferia as questões agronómicas; o irmão veterinário, preferiu juntar-se ao irmão agrónomo no mesmo Ministério e dedicar-se às questões veterinárias por considerar que a sua realização pessoal passava pelas manjedouras públicas e não pelos estábulos da Quinta. De modo que Dom José, por não ter formação específica, quando foi surpreendido pela morte do pai, viu-se obrigado a assumir as responsabilidades que os outros enjeitavam.

Como o pai morreu sem avisar, Dom José agarrou-se à primeira tábua que lhe passou à frente a boiar no seu mar de angústias e promoveu Tadeu a feitor, por ser o capataz que ele melhor conhecia, eram quase da mesma idade, talvez Tadeu fosse um pouco mais velho, e continuou a borga inerente a um herdeiro que quando veio ao mundo no mundo estava tudo feito, ou quase, talvez faltassem alguns pormenores mas desses incumbia-se o pai com tal dedicação e exclusividade que não lhe sobrava tempo para se porem um ao outro a vista em cima.

Dom José teve uma caterva de filhos, tantos que quando lhe perguntavam quantos, respondia orgulhoso, já lhe perdi a conta, e continuava a aumentar as parcelas da soma. Todos rapazes e todos filhos de mães ilegítimas. Aparentemente, estes atributos parecem desafiar as leis da demografia e a lógica mais elementar, por isso merecem explicação. Dom José só aceitava rapazes porque as filhas davam mais preocupações, dizia ele, e preocupações era o que Dom José mais abominava. Também por essa razão, Dom José nunca casou.

Os filhos perfilhava-os a todas as mães solteiras que o procuravam quando os pais biológicos enjeitavam a ninhada. Ele, compenetrado à sua maneira das responsabilidades inerentes à paternidade, ia sozinho ao Registo Civil, dava o nome aos rapazes de quem passava a ser legitimamente pai ficando as mães legalmente incógnitas.

Ganhavam todos: ele aumentava a prole mas não a sustentava, elas penduravam os rebentos na esperança de um quinhão razoável nas partilhas a haver. Dos Ministérios da Guerra e da Terra não saltavam dúvidas nem oposição, até porque Dom José comprometia, com a sua excepcional vocação de paternidade, um quarto, não mais que um quarto, da herdade.

Tadeu tinha um filho, Romeu. Quando Romeu nasceu, Dom José achou por bem seguir o exemplo do feitor. Mas, sendo solteiro e sem vocação para fecundar, decidiu adoptar. A Lei, naquele tempo, considerava ilegítimos todos os não nascidos de matrimónio civil ou religioso e aos ilegítimos só era atribuída paternidade ou maternidade dos progenitores que se apresentassem no acto do registo. Os abandonados de pai e mãe eram filhos ilegítimos de pais incógnitos, salvo se o caso fosse do conhecimento de Dom José, sempre disponível para atribuir paternidade, mais não estava ao seu alcance. O instinto de paternidade de Dom José circunscrevia-se, porém, a um sentimento diáfano de posse, em muitos casos mal conhecia os perfilhados, aliás tantos, mas deleitava-se a dizer, o meu Abreu, o meu Alceu, o meu Alfeu, o meu Amadeu, o meu Bartolomeu, o meu Dirceu, o meu Eliseu, o meu Fileu, o meu Galileu, o seu Ga-li-leu era o seu preferido a pronunciar sílaba a sílaba, ainda que o visse apenas pela Páscoa quando o rapaz se apresentava para receber o folar e não fosse sequer capaz de o distinguir dos outros. A distância que o separava dos adoptados era idêntica à que mantinha relativamente às propriedades que compunham a Herdade, conhecia-lhe os nomes mas desconhecia-lhe os limites.

Sempre que Dom José passava na rua não havia rapazote que não o saudasse, como está meu pai, ao que ele, muito compenetrado pai, respondia sempre com um como estás meu filho. Os perfilhados mantinham, deste modo, acesa a sua legitimidade à herança, não fosse alguém esquecer-se ou negar-se, os outros saudavam-no por chalaça, e, deste modo, Dom José era pai de tudo o que nas redondezas usava calças.

Tadeu era um bom feitor. Dedicado, esforçado, leal, sempre que os anos eram fartos e sobrava rendimento, Tadeu investia em melhorias na irrigação, na compra de mais alfaias, na recuperação das casas e dos telheiros; nos anos em que Deus nosso senhor não ajudava, ajudava Tadeu. Nunca se soube muito bem como, embora não faltassem as explicações em surdina, mas Tadeu conseguia, sempre que necessário, suprir a tesouraria de Dom José com fundos seus, remunerados, naturalmente, com taxas correntes para empréstimos de ocasião.

Dom José sabia que a sorte não cabe a todos e tornara-se o mais devoto dos homens por se sentir, de entre os eleitos, porventura um dos mais bafejados. Tinha os filhos que queria sem fazer por isso, todos masculinos porque era assim que ele queria, não os sustentava porque não se comprometera, a herdade crescia porque Deus assim queria ou o Tadeu abonava, circunstância que, entretanto, passou a ser constância. Dos Ministérios, o consentimento era calado.

Os anos passaram, como em todas as histórias o tempo é sempre personagem discreta mas decisiva, e quando Dom José tinha atingido a plenitude da sua bem-aventurança, disse Tadeu a Romeu, espraiando a vista sobre a herdade soberba, o indicador a agarrar todo o horizonte visível: É tudo teu, Romeu!

O resto da história é conhecido desde o princípio.


ESTADO VERSUS ESTADO


O Estado é mau gestor, é uma afirmação quase consensual.

Há quem discorde, alguns dizem sim mas, os irredutíveis crentes na mão invisível, ainda os há, não concedem excepções nem meias tintas, os outros contestam com um discurso mas geralmente confirmam com outro. Isto é, há quem não concorde mas confirme, raros contestam sem concessões.

A história do feitor, verídica na parte substancial, ocorre-me sempre que se avaliam os dotes do Estado em matéria de capacidade de gestão.

O Estado, o que é? Dom José?

O DONO DOS TEMAS


A entrevista de ontem, 2005-12-05, ao “Público” é uma antologia condensada do pensamento soarista.



Público – Contudo as políticas sociais são definidas pelo Governo, não pelo Presidente.
M. Soares – Isso é verdade, mas a conflitualidade (supõe-se que MS queria dizer conflituosidade) social pode ser evitada por alguém que saiba evitá-la. Cavaco Silva até está a fazer um esforço para falar em temas que são meus, mas é porque lhe disseram que era necessário apanhar um bocado do eleitorado da esquerda, já que a maioria sociológica é de esquerda.


Público – Já houve privatizações a mais?
M. Soares – Tive o gosto de ver que Cavaco Silva concordou comigo, mas eu disse primeiro.

Numa perspectiva muito benevolente dir-se-ia que quem muito dura chega à segunda infância.

Mas não é o caso.

Uma das características de Mário Soares, para o bem e para o mal, sempre foi o de sentir-se e querer-se o “dono da bola”. E agarra-se a ela como se a ninguém mais assista o direito de jogá-la.

Monday, December 05, 2005

TEMA ANTIGO



“Quem não é por nós é contra nós”, pensam os fanáticos.


A tolerância é uma das vigas que assentam sobre os pilares da democracia. A democracia não subsiste sem a prevalência da tolerância, isto é, o respeito pelas opiniões contrárias e a discussão serena das diferenças. Frequentemente, contudo, o que reina é o insulto e o golpe baixo.

A história está repleta de exemplos de intolerância religiosa, política e, mais recentemente, desportiva.

A quem pertence a um clube não importa se o “seu clube” joga bem ou mal, importa sim que o “seu clube” ganhe. Todos os outros jogam mal e, mesmo se jogarem assim-assim porque nunca jogarão como deve ser, devem perder. Aquele que gosta do desporto pelo espectáculo em si e não pelas camisolas é uma aberração.

A intolerância religiosa foi, e continua a ser, a causa de enormes atrocidades.

A intolerância política não concebe ninguém fora dos clubes, sem palas nem cabrestos. Um homem livre será sempre um suspeito.

Sunday, November 27, 2005

O PRÓXIMO HOMEM E A PRÓXIMA HISTÓRIA


Os motins em França e outras cidades francesas, que depois se estenderam episodicamente a Bruxelas e a outras cidades vizinhas, suscitaram aos analistas políticos um conjunto de explicações que, cumulativamente, incidem:

- no modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes;
- no modelo social europeu;
- nas elevadas taxas de desemprego de jovens;

- No modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes, nomeadamente dos muçulmanos, por oposição ao modelo americano do “melting pot”, tese esta defendida por F. Fukuyama em artigo publicado no “Público” de 6/11, de que se transcreve a seguir a parte final.

Muitos europeus asseguram que o “melting pot” americano não pode ser transplantado para solo europeu. A identidade, aqui, continua enraizada no sangue, na terra e em memórias antigas partilhadas. Isto pode ser verdade mas, se é assim, a democracia na Europa terá grandes problemas no futuro, á medida que os muçulmanos representam uma parte da população cada vez maior. E se a Europa é, hoje, um dos principais campos de batalha da guerra ao terrorismo, esta realidade terá importância para todo o mundo.”

Por outras palavras: ou temos “melting pot” na Europa ou entorna-se o caldo globalmente; se queremos as vantagens do liberalismo económico e da democracia, temos de adoptar políticas de integração por assimilação e não por compartimentação e, sobretudo, temos que obrigar os jovens a trabalhar.

O “The Economist”, na sua edição de 12/18 Novembro, 2005, faz questão de salientar que, a este respeito, na Europa, o Reino Unido se distingue notavelmente do modelo francês. Nestas coisas os britânicos não gostam de ser menos americanos que os próprios.

“ At the top end, the contrast with multicultural Britain is noticeable. There are now 15 British members of parliament from ethnic minorities, including Muslims …There are no black or brown mainland members of the National Assembly; hardly any black or brown faces on national television…As Nicolas Sarkosy, the interior minister and head of the ruling UMP party, often says, “If we want young Muslims offspring of immigrants to succeed we need examples of success, and not only from football.”
- O modelo social europeu como causa dos distúrbios é uma variante da tese anterior e atribui a culpa, em última instância, ao sistema social europeu que dá o peixe em vez de obrigar a pescar, isto é, se puserem os jovens a trabalhar eles irão sossegar.

- Daí que as elevadas taxas de desemprego de jovens são, ainda segundo o mesmo “The Economist”
“A much greater contributor than Islam to the malaise in the suburbs is the lack of jobs. Mr. Chirac promised in 1995 that unemployment would be his top priority, an assertion repeated ten years on by his new prime minister, Dominique de Villepin, when he took office last May. It is here, not in esoteric disputes over different models of assimilation, integration or multiculturalism, that the biggest differences between France and countries such as America and Britain are to be found. Over the past decade de British and American economies have generated impressive growth and plenty of new jobs; the French economy has failed on both counts.”
E refere os números do rastilho da revolta em França:

desemprego em França 10%
desemprego jovens 22%
desemprego jovens muçulmanos 40%

Os muçulmanos representam 10% da população total francesa
Mais de metade da população nas prisões francesas é muçulmana
-------------------------------------------------------------------------------------------

Segundo as mesmas fontes (Economist cit. Eurostat; US Bureau of Statistics ) o desemprego dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, apresentava noutros países os valores seguintes:

Itália 24%
Bélgica 23%
Espanha 21%
EU 25 18%
EUA 12% (entre 16 e 24 anos)



Quando, há 13 anos, foi editado “The End of History and the Last Man” de F. Fukuyama a obra foi muito aplaudida no seu lançamento mas viria a necessitar da parte do seu autor uma série de retoques mais ou menos profundos. Fukuyama, professor de Economia Política na Universidade de Johns Hopkins, foi, em certa medida, obrigado a dar o dito por não dito ou a dizer que afinal era outra coisa que queria ter dito.

Passou-se o mesmo com a “Nova Economia” e o anúncio precipitado do fim dos ciclos económicos.

E quem é que imaginaria, há ainda pouco tempo, que um vírus da gripe se vai modificar e pode matar milhões de vidas humanas? À medida que o conhecimento avança os deuses vão-nos colocando armadilhas no caminho.

Fukuyama, apesar do seu incontestado prestígio, já se tem enganado e não está provado que, apesar do “melting pot”, os Estados Unidos não possam vir a defrontar problemas idênticos aos que a França actualmente enfrenta. Sempre que a actividade económica abranda nos EUA aumentam os índices de criminalidade urbana.

Steven D. Levitt, da Universidade de Chicago, galardoado com a John Bates Clark Medal, atribuída de dois em dois anos ao melhor economista com menos de quarenta anos, publicou este ano “Freakonomics”, onde além do mais, dá conta dos resultados a que chegou acerca das consequências da adopção da lei do aborto nos Estados Unidos sobre a criminalidade urbana, concluindo que a lei do aborto teve efeitos decisivos na redução da taxa de criminalidade urbana por ter diminuído o número de adolescentes desintegrados.

Os recentes acontecimentos nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas, não ocorreram seguramente apenas porque, sendo os amotinados muçulmanos ou franceses filhos de emigrantes de outras origens e credos, não estão representados nos órgãos do poder, não fazem parte das forças da ordem, vivem acantonados e não em “melting pot”. O rastilho ateou-se no facto de se sentirem a mais. O “melting pot” poderá conter temporariamente a chama da revolta mas não a evita em definitivo se forem de mais os que se perguntarem,

que faço eu aqui?
Níveis de desemprego, a rondar os 40%, põem muita gente a pensar mesmo que tenham garantida casa, mesa e roupa lavada. E quando um homem se põe a pensar…



PRIMEIRO HOMEM E A PRIMEIRA HISTÓRIA

Toda a gente, ou quase, sabe que a primeira história começa no Jardim das Delícias, a única discussão possível acerca do assunto é onde ele ficava, mas é uma discussão peregrina porque ainda subsistem hoje recantos do tal jardim, onde o homem caça e pesca e come os frutos que a natureza lhe põe ao alcance da mão. O primeiro homem ter-se-á portado mal, o tal pecado original, foi expulso e obrigado a ganhar o pão com o suor do seu rosto.
Mas o mais certo é que se tenha posto a pensar e a pensar tenha complicado a sua vida.

Num dia de trovoada, caiu um raio que pegou fogo à floresta. Depois choveu, o fogo apagou-se e, no rescaldo, o homem encontrou a caça assada. O odor do assado arregalou-lhe as narinas e o primeiro homem concluiu que a caça no carvão era mais saborosa e tenra que a carne crua.

E pensou, pecado original, que melhor seria guardar o fogo aceso quando por lá caísse outro raio incendiário.

Depois concluiu que o fogo, além de assar a carne lhe aquecia a caverna. Tomou-lhe o gosto e tornou-se sedentário à volta do seu fogo. Passou a semear e a colher os seus frutos. Nasceram as comunidades e apareceram os chefes, depois os sacerdotes e os militares, as guerras, as pilhagens, as pragas, os sacrifícios aos deuses e aos outros.

Sem dar bem por isso, às tantas era escravo, depois servo da gleba, proletário, o mundo era outro e o homem pensou e revoltou-se, tinha trabalho a mais e frutos a menos.

O SEGUNDO HOMEM E A SEGUNDA HISTÓRIA

Foi então que alguém pensou: se o homem se revolta por trabalhar demais vamos inventar máquinas para produzir mais e pôr o homem a trabalhar menos.

Inventaram-se as máquinas e com elas a produtividade, um simples quociente entre o que é produzido e os meios utilizados nessa produção. Com as máquinas aumentaram as produções e as produtividades dos homens que as conduzem. Tanta produção gerou a concorrência, e a concorrência novas máquinas e outros meios de produção, maiores produções, melhores produções, outros produtos, maiores produtividades, maiores produções, mais concorrência, alargaram-se os mercados, o mundo tornou-se cada vez mais pequeno, globalizou-se.

E agora, homem?

O TERCEIRO HOMEM E A TERCEIRA HISTÓRIA

Agora cerca de 2% da população activa seria suficiente para produzir os bens alimentares suficientes para alimentar todos os habitantes do mundo. Se tal não acontece não é por falta de meios mas por outras razões.

Nas sociedades economicamente mais desenvolvidas o número de pessoas empregadas no sector primário ronda os 2% mas se forem removidos as barreiras alfandegárias aos produtos das nações mais desfavorecidas aquele valor, já muito baixo, vai reduzir-se.

No sector secundário, o tal que faz as máquinas e produz a energia que substituem o homem, a perseguição da produtividade vai, mais dia menos dia, determinar que não há lugar para mais de 3% da população activa para produzir tudo.

Os serviços terão, então, 95% da população activa ao seu dispor.


O FIM DO HOMEM E A ÚLTIMA HISTÓRIA


A concorrência entre produtores de serviços está em fase de globalização, mas não tão adiantada.
A produtividade dos mais eficientes determinará a localização da produção dos serviços e o número de servidores. Um dia destes haverá lugar, na produção de serviços, quanto muito, para 30% da população activa.

Que farão os 65% restantes?

O trabalho tornar-se-á um bem escasso, a procura (por parte de quem quer trabalhar por não saber fazer outra coisa) excederá brutalmente a oferta de oportunidades. Os manuais de Economia ensinam, logo nas primeiras páginas, que quando a procura excede a oferta os preços aumentam. Se assim é, um dia (sabe-se lá quando) quem quiser trabalhar terá de pagar para experimentar esse gozo limitado. Teremos a economia ao contrário.

Dito de outro modo: Os governos, quase todos os governos, inscrevem nas suas promessas eleitorais a prioridade na criação de empregos. Mas em geral falham. Mas falham, sobretudo, porque globalmente o trabalho está em vias de extinção

Há quem seja de opinião contrária: a produtividade não elimina o emprego, aumenta-o. E apontam, a título de exemplo, os Estados Unidos. A criação de emprego nos Estados Unidos é, contudo, outra história. O crescimento do número de empregos criados nos Estados Unidos, quando ocorre, não decorre substancialmente do aumento de produtividade mas do, até agora, inesgotável afluxo de poupanças provenientes dos grandes aforradores e gabirus do mundo. Voltaremos a ela.

Outros garantem que a descoberta de novas tecnologias induz a criação de novos produtos e de novos serviços. O que é certo. Nenhuma tecnologia, porém, aumenta mais um minuto sequer a cada dia: temos todos 24 horas por dia para consumir, seja o que for. Podemos é desperdiçar ou destruir a uma cadência que 24 horas podem chegar e sobrar.


O HOMEM E A HISTÓRIA, HOJE


Quem consultar http://hdr.undp.org/ terá diante de si o relógio do horror mundial:

CHILD MORTLITY: HUMAN COST OF MISSED TARGETS

CHILDS DEATHS SINCE JANUARY 1st. 2005 9096000 (às 15 horas de 27/11/2005)

Durante o minuto em que consultei o site morreram 20 crianças em todo o mundo, a maioria delas por fome. No mesmo minuto os programas de assistência das Nações Unidas conseguiram salvar 3 crianças.

É assim o mundo que habitamos: revoltam-se e incendeiam milhares de carros milhares de jovens que, sem trabalho, se sentem a mais; morrem milhões de crianças porque não trabalhamos o suficiente para as salvar.

O fim da história será o fim do homem; que ninguém se ponha à espera do último homem, mas invente o próximo. O próximo homem da próxima história.


Saturday, November 26, 2005

NA REPÚBLICA DOS GAMBOZINOS

na república dos gambozinos
os gambozinos estão convencidos que não existem

há vários tipos de república, o mais bacano é o das bananas, mas esse não é o nosso género. a nossa república não é das bananas, a nossa república é dos gambozinos. nós, quanto muito, temos uma região das bananas, a região da madeira, o resto do país não tem condições para isso.

explico porquê:

numa república das bananas a sério se o presidente do supremo tribunal de justiça acusasse o executivo de ser imprudente, incorrecto e indelicado e de ter mentido aos portugueses, o presidente do stj era convencido com argumentos sem recurso, no minuto seguinte, a deixar de o ser.

na república dos gambozinos a pesca é sempre feita em águas turvas, dizem-se umas coisas, mas ninguém vai preso. a república das bananas caracteriza-se pelos sujos costumes, a república dos gambozinos pelos brandos e muitas vossas excelências.

na república dos gambozinos da mágoa faz-se reflexão, na república das bananas, explosão.

só numa república de gambozinos o mais alto magistrado da nação tira o tapete ao executivo, depois de o ajudar a pôr, com a maior displicência e convencido sentido de estado, e não se passa nada.

numa república dos gambozinos só há minúsculas.
--------------------------------------------------------------
Segundo os jornais,
O Presidente da República disse ontem compreender a posição dos juízes em relação ao Governo e criticou a forma como o Executivo tem justificado algumas políticas para o sector e pediu aos juízes que "façam da mágoa reflexão", na sessão de abertur a do congresso dos juízes portugueses, que ontem começou no Algarve, sob o lema "Justiça, Garantia do Estado de Direito". Na abertura solene do congresso, Jorge Sampaio disse ser "o primeiro a compreender a mágoa" dos magistrados com a abordagem que o Governo tem dado às "relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade" dos juízes. "Ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das férias judiciais constitui, na 1.ª instância, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de atrasos de despachos de maior complexidade ou de decisões com maior fólego", frisou.O Presidente responsabilizou ainda o poder político pelos atrasos na Justiça "A maioria das vezes são causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino não são os juízes responsáveis", considerou.Recorde-se que o Governo diminuiu as férias judiciais de dois para um mês e retirou aos magistrados os serviços sociais do Ministério da Justiça, invocando a necessidade de aumentar a produtividade dos tribunais e acabar com alguns privilégios, de acordo com palavras várias vezes ouvidas ao ministro da Justiça, Alberto Costa.Apesar de ter promulgado os diplomas que introduziram estas alterações, Sampaio contrariou ontem os argumentos do ministro "O presidente da República compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razões para ser instituído e mantido, enquanto fosse financeiramente viável conferir um tratamento específico a quem muito dá à comunidade", disse, apelando aos juízes para que saibam "fazer da mágoa reflexão e projecto que contribua para a edificação da Justiça". Alberto Costa estará no encerramento dos trabalhos, no sábado.marcelo critica. Marcelo Rebelo de Sousa foi um dos oradores de um congresso participado por cerca de 350 juízes, na maioria jovens. O professor considerou que a justiça "nunca foi uma prioridade para o poder político nos últimos 10 anos" e que "é preciso sentido de Estado, humildade e bom senso para encontrar soluções para o sector".Num discurso inflamado, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Nunes da Cruz, acusou o Executivo de José Sócrates de ser imprudente, incorrecto e indelicado, e de ter mentido aos portugueses."O actual poder executivo passou a dizer que os tribunais fecham três meses por ano, o que não é verdade; passou a declarar que os juízes precisam de trabalhar mais para ter a justiça em dia, o que é inverdade; passou a afirmar que os juízes querem estar acima de tudo e de todos, o que não é verdade. Talvez outros o queiram", frisou.As palavras do presidente do STJ caíram mal no seio do partido no Governo. Vitalino Canas, porta-voz do PS para questões de justiça, qualificou o discurso como "crispado" e passível de "pôr em causa o relacionamento entre órgãos de soberania".

Thursday, November 24, 2005

A BOTA

Se um dia destes, neste País, um qualquer objectivo nacional for consensual ou quase, é quase certo que nos mudaram a todos as meninges ou estamos a falar de mais estádios de futebol. Os políticos mudam de opinião como quem muda de camisa, estando na oposição dizem branco, estando no governo, preto, e vice-versa. O pagode fica baralhado e anda de um lado para o outro sem saber bem onde param as modas.

Vejam só o caso da Ota:

O Governo concluiu que o aeroporto da Portela não aguenta mais de 10 anos. Os anteriores governos, ao que parece, também.

Manter a Portela e construir um segundo aeroporto é economicamente inviável.

De modo que das dezasseis hipóteses, sobraram três menos más: a Ota, o Montijo e Rio Frio. Como estas duas últimas não são apoiadas pela União Europeia por razões ambientais, sobra a menos menos má: a Ota.

Isto é, em síntese, o que diz o Governo.

Mas os do Turismo não concordam porque…

Os da CIP não concordam porque…

Os do Porto não concordam porque…

O Presidente da Câmara de Lisboa não concorda porque…

E quem não é especialista em aeroportos, nem tem pretensões, pergunta:

Afinal é preciso ou não sair da Portela dentro de 10 anos? Ou 15, ou 20.
Devíamos começar por aí. É uma questão de números, e muito prosaicamente de estatísticas e aritmética, não? É assim tão difícil porem-se os senhores políticos de acordo sobre este assunto? Ou teremos de concluir que não sabem fazer contas?
É do mais elementar bom senso que uma bota se descalça mais facilmente pressionando primeiro no calcanhar e só depois se empurra o cano e puxa na biqueira.

Sunday, November 13, 2005

MEA CULPA

A propósito de "A culpa é do barro ou dos oleiros?"

Desenvolve uma interessante análise em torno do conceito do barro e dos oleiros. Pena é que esteja suportado por uma falsa ideia. O texto nunca foi publicado no Público, muito menos escrito por EPC. O que é uma pena. Porque andou a construir um edifício teórico em torno de um boato. Ou seja perdeu tempo. E pior: ajudou a propalar um boato, uma falsidade, sem se preocupar com a verificação da sua autenticidade. Deixou-se enganar por uma das mil e uma pequenas fraudes que circulam pela internet ou diariamente entopem as caixas de correio electrónico. Verifique toda a história aqui: http://ablasfemia.blogspot.com.

Quando recebi o e-mail estranhei que o autor fosse EPC. Daí ter referido que de EPC esperava melhor. Mas como o e-mail tinha sido enviado por um amigo, confiei.
Contudo, é certo que muito boa gente acha que o País não anda porque o povo não presta.
E muitos acham que é necessário mais formação para o país progredir, o que é verdade, mas também é verdade que há, hoje, em Portugal milhares de licenciados sem colocação.
Afinal o que é que que faz falta? Bons oleiros, não?

Saturday, November 12, 2005

O FIM DAS ESPÉCIES

"Manuais escolares do estado do Kansas vão poder por em causa a teoria da evolução" - Público.

Há uns anos atrás, não teria acreditado, se me tivessem dito que estas seriam notícias de 10 de Novembro de 2005. Teria pensado em ficção de má qualidade, em devaneios irrealistas sobre a decadência ocidental, em cenários desviantes, marginais, em baterias mal apontadas... (AF)

Um Portugal que não se vê todos os dias atravessa neste momento Lisboa

Fora de Fátima, claro. Mas Fátima é um ecossistema. (JPP)
Abrupto


A forma desinformada como muitas vezes se retrata a sociedade norte-americana leva a uma generalizada convicção na Europa que os norte-americanos são geralmente pouco esclarecidos

Vem isto a propósito das notícias que, de vez em quando, aparecem na nossa Imprensa e que, propositadamente ou não, sublinham alguns aspectos aparentemente ininteligíveis do comportamento da sociedade norte-americana. Um dos mais batidos é a questão à volta do evolucionismo versus criacionismo.

Não pretendo divagar sobre o assunto que, aliás, não é susceptível de discussão científica, mas apenas referir o seguinte:

1 – Cerca de 50% dos norte-americanos está consciente que a espécie humana é resultado de um processo de evolução natural, tendo os desenvolvimentos científicos mais recentes concluído que existe uma similaridade genética da ordem dos 98,4% entre humanos e chimpanzés. O próprio Darwin, certamente, se espantaria com tão elevado grau de proximidade.

2 – Darwin, contudo, ficaria não menos espantado se soubesse que, passados 146 anos sobre a publicação da “Origem das Espécies”, cerca de 50% dos norte-americanos e uma percentagem idêntica de europeus ainda, intransigentemente, rejeita a sua teoria. Em Portugal, quantos? Não sabemos, mas a avaliar pelo que se vê à nossa volta, o número é seguramente muito superior.

3 – A principal razão pela qual o assunto é objecto de discussão, tão badalada, nos Estados Unidos decorre do facto da política tradicional de decisão dos conteúdos de ensino serem votados ao nível dos “town councils” e dos “local school boards”, encorajando uma larga variedade de opiniões que, naturalmente, tendem a competir entre si no sentido de ganhar influência e poder de decisão. Esta descentralização extrema não se faz sentir apenas ao nível do ensino e decorre do modo com os Estados Unidos se formaram.

4 – Tendo sido rejeitadas pelo Supremo Tribunal de Justiça diversas tentativas de validar o Criacionismo como Ciência, os adeptos do Criacionismo (e existem diversos ramos com diferentes perspectivas e diferentes nomes) evoluíram para uma plataforma que consiste grosso modo em afirmarem-se utilizando como contra-argumentos alguns aspectos científicos da teoria que ainda se encontram por confirmar.

5 – Em resumo: O criacionismo não é ensinado nas escolas norte americanas como ciência (por não ser legalmente consentido, enquanto tal) mas em algumas escolas de alguns Estados, o criacionismo é indicado como uma proposta que tem os seus defensores.

Não penso que venha grande mal ao mundo por isso.

Uma vantagem da controvérsia pode e está, aliás, a promover o avanço da confirmação da teoria da evolução natural.

E por cá? Quantos é que se preocupam com isto?

E já agora: Quantos se preocupam com o fim das espécies?

Thursday, November 10, 2005

A CULPA É DO BARRO OU DOS OLEIROS?



Enviou-me um amigo cópia de um artigo de Eduardo Prado Coelho publicado, suponho, na sua coluna diária de “O Público”, titulado “Precisa-se de matéria-prima para construir um País”.

Não li o artigo mas quem mo enviou certamente gostou. Com toda a consideração que me merece o meu amigo, tenho que dizer-lhe que o artigo de EPC me parece uma daquelas conversas de xaxa com que se rematam os almoços de amigos se o tema não se virou para o futebol.

De EPC exige-se mais.

Pertenço a um país onde as empresas privadas são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel. Lápis, …”
“ Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser compradas, sem se fazer qualquer exame …”
Na origem das lesões de civismo relatadas por EPC está, segundo EPC, a (má) qualidade da matéria-prima que ocupa o País.

E não está! Está nos oleiros!

“País, mas que país, onde qualquer pateta diz, não é para mim este país. O´Neill”
Parte do barro criado nesta País tem sido exportado ao longo dos séculos e, ao longo dos séculos tem, geralmente, dado boa obra lá fora. Em França, na Alemanha, no Luxemburgo, nas Américas, na África do Sul, as comunidades portugueses são, na generalidade dos casos tidas como das mais competentes, empreendedoras e cívicas.

Porquê? Porque lá fora há bons oleiros!
Em Portugal há alguns bons, mas são poucos.

Se o roubo de lápis numa empresa privada aflige EPC, não o aflige a notícia de ontem, 9/11, segundo a qual “O processo de extinção da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos, em 2002, deixou uma dívida de 368 mil euros e resultou em perda de bens patrimoniais públicos na ordem dos 100 mil euros”?

(E porquê empresa privada e não pública? Porquê da empresa e não do Estado? Porque não da Universidade? Porque não até dos Tribunais? Porque não até da Procuradoria Geral da República?)

Quase todos os dias temos notícias de casos em que o erário público é defraudado ou as Instituições são desonradas, não pelo barro mas pelos oleiros.

Quem são, então os oleiros? Pois, muito prosaicamente, os que trabalham o barro. Aqueles a quem por eleição, nomeação ou herança coube o privilégio, mas também a responsabilidade, de conduzir acções e opiniões, com probidade.

Se o Chico-Esperto paga a um médico um atestado falso, a culpa é do Esperto ou do Falsário? Convenhamos que nenhum deles será boa rês mas pedir não é crime ainda que possa ser, eventualmente, recriminável. Mas um falsário é um criminoso.

Perguntar-me-ão: mas então, o povão não tem culpas no cartório? A qualidade da matéria-prima, para voltar à terminologia de EPC, não é importante? Será, mas a capacidade do oleiro é determinante.

EPC é oleiro? Claro que é. Mas subliminarmente tira a água do capote. Os culpados somos nós, como Povo, diz ele. O Tanas! Digo eu. Os culpados são os oleiros, ou se preferirem, a maior parte deles. Somos todos culpados, dizem os que são realmente culpados.

E é patética a parte final do artigo de EPC. “Eu pecador me confesso…”,
A desgastada fórmula dos desculpados.

------------------------------------------------------------------------------------------

A questão da formação académica, que alguns julgam, erradamente, ser essencial à formação cívica e também suporte essencial do crescimento económico, tem sido um razoável bode expiatório para a inabilidade dos nossos oleiros

Aliás, o problema está mais que diagnosticado e aplica-se igualmente a barros de outras origens. A título de exemplo, transcrevo um dos muitos textos que já se escreveram sobre o assunto, geralmente coincidentes nas conclusões.

“Many people believe that educational attainment of a nation’s current labor force is responsible for the success or failure of its economy. The importance of the education of the workforce has been taken way too far. In other words, education is not the way of the poverty trap. A high education level is no guarantee of high productivity. The truth of the matter is that regardless of institutional education level, workers around the world can be adequately trained on the job for high productivity… … …If illiterate Mexican immigrants can reach world-class productivity building apartments in Huston, there is no reason why illiterate Brazilian agricultural workers cannot achieve the same in São Paulo” – in The Power of Productivity – William W. Lewis – McKinsey Global Institute Reports
http://www.mckinsey.com


Precisa-se de matéria prima para construir um País
> >
> > Eduardo Prado Coelho - in Público
> >
> > A crença geral anterior era de que Santana Lopes
> não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que
> Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá
> para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no
> trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O
> problema está em nós. Nós como povo.
> Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a
> ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um
> país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada
> do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
> Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão
> ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos
> passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL,
> DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
> >
> > Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são
> fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que
> levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis,
> canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola
> dos filhos ... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas
> se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso
> da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar
> menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um
> hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital
> humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram
> lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.
> Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde
> não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é
> "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política,
> histórica nem económica. Onde os nossos políticos trabalham dois dias
> por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os
> pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
> >
> >
> > Pertenço a um país onde as cartas de condução e as
> declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer
> exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com
> uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro,
> enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o
> lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não
> para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos
> sempre a criticar os nossos governantes.
> Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor
> me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de
> trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é
> culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela
> manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar
> algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.
> >
> >
> > Como "matéria prima" de um país, temos muitas
> coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o
> nosso país precisa. Esses defeitos, essa "CHICO-ESPERTERTICE
> PORTUGUESA"
> congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e
> evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta
> de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou
> Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são
> portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra
> parte... Fico triste.
> Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o
> suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima
> defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer
> nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor,
> mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
> primeiro os v> ícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu
> Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, e nem serve Sócrates,
> nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um
> ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do
> terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não
> comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do
> centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente
> condenados, igualmente estancados....igualmente abusados! É muito bom
> ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um
> empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação,
> então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos,
> a ver se nos mandam um messias.
> >
> >
> > Nós temos que mudar. Um novo governante com os
> mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós
> que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o
> que anda a
> acontecer-nos: desculpamos a mediocridade de programas de televisão
> nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da
> desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente
> decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe
> exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça
> de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU
> SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO
> PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
> >
> > E você, o que pensa?.... MEDITE!
> >
> > EDUARDO PRADO COELHO
> >
> >
>

Tuesday, November 08, 2005

O PRIMA-DONA

Sempre que Mário Soares se candidatou e eu votei, votei em Mário Soares.
Mas nele, não voto mais.

Mário Soares demonstrou no seu segundo mandato que, mais do que os interesses do País, são, agora, os desígnios indisfarçáveis de afirmação pessoal que movem as suas intenções: o palco é dele e não o cede.

Mário Soares diz-se republicano e laico mas adoraria que o entronizassem e adorassem. Aliás, ele sente-se entronizado e crê-se adorado; podem as sondagens, eventualmente, dizer o contrário, mas ele está seguro que o Povo acabará, na altura própria, por recolher ao seu redil.

A ele tudo se consente, porque ele a tudo se sente consentido.

Qualquer outro político que arrotasse aos sete ventos que era “um homem de cultura”, “um homem culto”, “um humanista”, ou coisa parecida, seria trucidado na praça pública por gabarolice sonsa. Mário Soares, não: diz o que lhe dá na real gana, ninguém comenta.

E como prima-dona que não soube retirar-se a horas, nunca deixará de se sentir em palco.

Mais dia, menos dia, com palmas gravadas.

Friday, November 04, 2005

O DIABO DO TABULEIRO DE XADREZ


A Justiça é, inegavelmente, não só um dos pilares da democracia, mas o seu pilar central. A democracia não sobrevive fora de um Estado de Direito, quando a Justiça não se afirma a democracia dissolve-se. Reciprocamente, a ausência de democracia gera a arbitrariedade da Justiça, isto é, a sua contrafacção.

Por tudo isto é lamentável que se ridicularize a Justiça e que a Justiça se deixe ridicularizar. Quando tal situação ocorre é a democracia que é posta em causa.

Há dias a impagável “Contra Informação” relatava as aventuras de “Os Malucos da Justiça” à volta da evasão fiscal e do eventual branqueamento de capitais em bancos portugueses. É salutar a ironia inteligente mas esta tinha sabor a mel e a fel. Dava para rir se não desse para recear o pior.

Os casos burlescos são já tantos, os níveis de confiança dos portugueses na Justiça são tão baixos, que os pilares de sustentação da democracia já gemem, só não ouve quem é duro de ouvido ou prefere assobiar para o ar.

Quase todos os dias temos casos novos. Ontem saiu mais um da cartola do prestidigitador: O caso do Tabuleiro de Xadrez.

Porque bulas é que se o Diabo afirma que ofereceu um magnífico jogo de xadrez a um homem íntegro, a Polícia invade a casa do homem íntegro à procura do Tabuleiro, não havendo suspeita de crime do homem íntegro?

E se, como era de esperar, não foi encontrado o Tabuleiro na casa do homem íntegro, porque continua o Diabo à solta? Porque é que o homem íntegro se contenta com a anunciação que, da parte dele, não há suspeita de crime e não exige á Justiça a condenação do Diabo por perjúrio?



Monday, October 31, 2005

O PRESIDENTE PODE

“Se não for cobarde o Presidente pode…”

Leio esta frase na crónica dominical de António Barreto no “Público” do passado domingo, 23 de Outubro, e constato que ninguém reagiu ou eu não dei por isso.

E, no entanto, a gravidade dos termos pareceria dever suscitar reacção equiparada. Nos tempos em que a defesa da honra se sobrepunha à defesa da vida, alguém teria obrigado AB a um duelo.

Nos dias de hoje, contudo, o instinto de sobrevivência sobrepõe-se a tudo e a honra anda pelas ruas da amargura. Duelos, só verbais, e mesmo assim, com todas as cautelas, não vá alguém ficar arranhado.

Algumas questões elementares se podem, no entanto levantar a propósito da acção possível do Presidente sobre, por exemplo, a decência na política em Portugal.

Se o Presidente tivesse dirigido à Assembleia da República uma mensagem exortando aqueles que, vergonhosamente, apresentaram contas por viagens fictícias, a demitirem-se por peculato, os casos Marco de Canavezes, de Felgueiras, Oeiras e outras roubalheiras teriam acontecido?

Se o Presidente tivesse, em nome da decência política, denunciado publicamente a contradição entre as promessas (de Durão) de não aumento dos impostos e a prática oposta logo que ganhou as eleições, aumentando-os, teria Sócrates procedido exactamente do mesmo modo passado pouco tempo, quando chegou o seu tempo?

Se o Presidente tivesse exortado os agentes da Justiça a procederem de forma que a Justiça exista, teríamos tantos processos acumulados, tantos prescritos, tanta descrença, tanta falta de sentido de Estado?

Se o Presidente, antes de promulgar, perguntar porquê, assistiríamos a esta corrida oportunista dos autarcas para salvaguardar o seu regime especial de reforma antes da entrada em vigor de novas condições, aproveitando o propositado relaxe das entidades por onde transitaram até chegar até ele?

Se o Presidente, eleito por sufrágio universal, usar todos os poderes que a Constituição lhe confere, não poderemos passar a viver num País mais decente, mais justo e mais próspero?

Para exercer tão alto cargo é preciso assim tanta coragem?

Não é. Basta cumprir o juramento.

A VOO DE GAMBOZINO

(A propósito de “Portugal a voo de pássaro” de José Pacheco Pereira, e de “Portugal, Hoje – O Medo de Existir” de José Gil)

Os gambozinos não existem, pensam os gambozinos.

Tal qual os gambozinos, os portugueses, mais do que terem medo de existir (tese que tem rendido ao seu autor muito mais que ele estava à espera, o que comprova o receio generalizado da existência de uma patologia social endémica), os portugueses simplesmente não existem. Para cada português, em geral, o País continua a ser uma choldra e a culpa é dos portugueses.
Que portugueses?

Pois, naturalmente, os outros. De modo que, como da auto exclusão das partes não pode se não resultar a auto exclusão do todo, os portugueses não existem pela mais que óbvia razão de pensarem que não existem.
Todos os portugueses? Nem todos. O Filósofo JG avisa-nos (pg. 43) que

“A leviandade suscitada pela não-inscrição permite que a lei não se cumpra ou que dela se escape, que os programas não se realizem, que não se pense nunca a longo prazo, que as fiscalizações não se façam, que a administração não se transforme realmente, que os projectos de reforma não se executem, que os governos não governem. Nada tem realmente existência.” E (pg. 71) “Portugal arrisca-se a desaparecer.”

Temos de convir que a leviandade de que fala o filósofo não se aplica aqueles que não têm o mínimo entendimento destas questões. E são muitos.

Por outro lado, o Historiador JPP (Publico de 28/4/2005) mostra-nos um “retrato de Portugal bem triste e sinistro, que se agrava todos os dias, numa obra de destruição em que muitos portugueses estão activamente empenhados, perante a complacência e a colaboração activa do Estado e das autarquias...” “Começo. Caminhando pelo ar, a direito, passo por uma ETAR (estação de tratamento de águas residuais) que começou a ser feita num local, depois verificou-se que havia um erro de localização e construção e mudou-se para outro. Parece que a consistência das terras impedia a construção. Responsabilidades? Nenhumas. Depois a mesma ETAR que devia funcionar há muito, não está a funcionar, os esgotos correm em campo aberto perante a indiferença generalizada, com excepção dos mosquitos e moscas.”

E continua a mostrar-nos outros retratos igualmente deprimentes.

JPP habituou-nos a ver nele uma atitude de independência que não cede aos favores que a proximidade do poder geralmente concede e a uma isenção na análise que não concede favores nem aos seus mais próximos.

JG, embora muito menos conhecido dos portugueses, é um pensador prestigiado no estrangeiro, que por ter vindo dizer que em Portugal, hoje, subsiste o medo de existir, pôs muita gente a perguntar: quem é este?

Temos, portanto, duas personalidades de indiscutível bagagem e prestígio que desta feita se juntam à volta da mesa das lamentações onde a generalidade dos portugueses que, quando não se queixam dos árbitros de futebol, se queixam dos outros portugueses. Aliás, à mesma mesa se sentam quase todos os analistas políticos com lugares vitalícios nos jornais, na rádio e na televisão.

Porquê?

Porque é que JPP, que conhece bem a realidade portuguesa e sente certamente o choque dos contrastes todas as muitas vezes que aterra na Portela de Sacavém se lembra, no fim deste Abril, de nos recordar a nossa choldra? Porque é que JG, verbera os nossos medos, as nossas pequenezas e os nossos queixumes, mas a sua verberação não passa, afinal, de um lamento, também?

Percebe-se que a grande maioria dos portugueses não consiga ir além da queixa contra o governo e vote contra quando lhe dão oportunidade para isso e não tem melhor programa para esse dia. Geralmente, neste lado da mesa, o governo, qualquer que ele seja, é o bombo da festa.

Os portugueses deste lado não se recriminam dos outros, normalmente ignoram-se mutuamente e todos esperam que o governo resolva tudo. Se, ocasionalmente, congregam forças é para protestar e pintar a manta.Do outro lado da mesa, abancam as elites, os analistas, os políticos, os “opinion makers”. Aqui, neste outro lado, uns são irredutivelmente pró, outros contra o governo, e todos contra todos. É, sobretudo, deste lado que voam os gambozinos.

O caso da ETAR sobrevoada é só uma prova muito evidente, entre muitas outras (igualmente demasiadamente evidentes) da existência de gambozinos. Os gambozinos, como se sabe, pensam que não existem, sapando, deste modo, a basezinha do racionalismo. Ora o mesmo acontece neste caso pouco singular da ETAR sobrevoada.

JPP sabe muito bem que há responsabilidades e há responsáveis, os gambozinos é que andam por aí a fazer crer o contrário aos burgessos.Porque é que JG não vai além do estafada lamentação das causas do nosso atraso?

“Foi o salazarismo que nos ensinou a irresponsabilidade – reduzindo-nos a crianças, crianças grandes, adultos infantilizados.” Pag. 17.

Note-se como, neste caso, a não auto exclusão (JG seria, também ele, um adulto infantilizado, irresponsável até) funciona como camuflagem de um acto de mágica: o autor não se exclui mas espera que os leitores minimamente preparados o excluam e se excluam a eles também. Restarão os outros, os burgessos, os que se deixaram infantilizar e são, portanto, os responsáveis pela irresponsabilidade do sistema.

O anedotário português remonta as causas do nosso atraso ao Afonso Henriques mas com anedotas não vamos lá. Mesmo as causas da decadência dos povos peninsulares enunciadas por Antero onde é que já vão! Quando o Eça chamou a isto uma choldra, Salazar ainda não era nascido. E a choldra a que o Eça se referia não tinha que ver com as estrumeiras á porta dos casebres nas serras. A única coisa que o Zé Maria conhecia das serras era o arroz de favas, se é que as chegou a provar.

Mas ainda que possamos convergir no elenco das causas que formataram o nosso presente que vantagens temos em tatuar-nos de passado?

Somos um país de chorões que levou demasiado longe a convicção de que quem não chora não mama. O pior serviço que nos podemos prestar é arranjar argumentos para nos justificarmos e expor as nossas mazelas ao espanto alheio.

“Que força ética resta àqueles que não param de se queixar, achando-se vítimas da sociedade e dos outros, da infância e da má sorte, e fazem disso o sentido das suas vidas.?” Pag. 101.

A que lado da mesa se dirige JG? Aos que não tiveram infância? Aos desafortunados? Coitados deles! Mesmo que se queixassem, quem é que os ouviria?

Não, não pode ser a esses que passam a vida sem entender o sentido do caminho que percorrem. E são, lamentavelmente, muitos.Queixam-se, em regra, os que menos razões teriam para se queixar, por que a sorte ou a habilidade os favoreceu. Além, claro dos profissionais da queixa, os tais que fazem disso o sentido das suas vidas.

Uma das pechas da lamentação nacional é que tende para mais infinito: começa-se e só se acaba por esgotamento de qualquer outra coisa e nunca de motivos. Geralmente ninguém sugere propostas, não se discutem soluções porque se afina naturalmente o coro dos lamentos mas não se atina com o tom para uma discussão construtiva. E na próxima oportunidade lá nos sentamos, de novo, à mesa das lamentações.

A mudança, se a queremos, não passa pela lamentação porque já ninguém se comove. E a mudança só pode operar-se se mudarmos as atitudes perante os problemas e a responsabilidade pela mudança de atitudes compete, irrecusavelmente, ao grupo dos mais favorecidos.

O CASO DA ETAR SOBREVOADA

“... passo por uma ETAR (estação de tratamento de águas residuais) que começou a ser feita num local, depois verificou-se que havia um erro de localização e construção e mudou-se para outro. Parece que a consistência das terras impedia a construção. Responsabilidades? Nenhumas. Depois a mesma ETAR que devia funcionar há muito, não está a funcionar, os esgotos correm em campo aberto perante a indiferença generalizada, com excepção dos mosquitos e moscas.” JPP – Público de 28/4/2005

Duvido que o artigo de JPP “A voo de pássaro”, tenha suscitado reacção notória neste País letárgico. A nossa propensão para a lamentação, onde o coro se afina com facilidade e entusiasmo para desancar, não atina para pensar a mudança e as formas de mudar; e quando eventualmente pensa, não encontra o tom para a reflexão construtiva.

As eleições autárquicas estão á porta, é agora a hora de reflectir sobre o decantado poder autárquico, as suas virtudes, os seus custos, as suas responsabilidades e os seus desastres. É a hora de dizer que este não é um país de burgessos que alguns querem continuar a iludir com cartazes que ainda não sabemos bem quem paga mas sabemos porque paga.

A fotografia de JPP só não apanhou o rio de recursos gastos acima dos previstos mas sabemos que é geralmente caudaloso.

Porque é que isto acontece?

Responder a esta pergunta implica olhar para a forma de governação autárquica que muitas vezes desgoverna. Porque o desgoverno é isso mesmo: a utilização descontrolada e ineficiente dos recursos postos à disposição de quem os deveria governar com lisura.Neste período que antecede as eleições autárquicas deveria a normalmente designada sociedade civil (a outra, por antinomia só pode ser a sociedade armada de poderes e vantagens que deveríamos controlar) debater e provocar a mudança. E a mudança não se provoca apenas porque se limita o número de mandatos. Podemos pensar até que pode impedi-la. Não pelo raciocínio simplista de que mamará menos o que está há mais tempo a mamar mas por razões mais subtis e, por isso mesmo, mais ruinosas.

A decisiva razão porque, normalmente não se apuram responsabilidades nem se penalizam os responsáveis na gestão autárquica (pode até ocorrer o contrário, i.e., beneficiar-se o infractor) decorre do modelo que se caracteriza por ausência ou ineficiência dos mecanismos de controlo e que induz e consente actuações perversas. A ausência de controlo efectivo é factor de perversidade que arruina não só os municípios portugueses mas tem sido a causa do desmoronamento de grandes corporações a nível internacional (casos da Enron, da Parmalat, p.e.).

1 – Sendo o executivo autárquico, em princípio, pluripartidário a responsabilidade da gestão compete ao Presidente e, por delegação, aos vereadores representantes dos partidos pelos quais foram eleitos;

2 – Em nome da eficiência da gestão, o pluripartidarismo da gestão autárquica transforma-se em gestão de coligação forçada, podendo ocorrer mesmo casos de trânsfugas de um partido para outro por solidariedade oportunista com o grupo dominante; se a coligação forçada não for consumada, ocorrem situações de guerrilha interna que determinarão mais cedo ou mais tarde, dependendo da relação de forças, a queda do executivo;

3 – A partir do momento em que todas as forças partidárias, com implantação local significativa se encontram representadas no poder executivo, e são, portanto, parte desse poder, esvai-se a capacidade de controlo partidário. A regra interna passa a ser então: desculpai-vos uns aos outros;

4 – Por outro lado, a probabilidade de ocorrerem erros graves de gestão é muito elevada. Os vereadores a quem são delegadas competências de gestão não têm, em muitos casos, experiência das áreas que vão gerir. Subiram na hierarquia partidária por outros méritos. E se têm, eventualmente alguma experiência por antecedentes no sector privado, tornam-se suspeitos de favorecimentos;

5 – Os vereadores, ao assumirem a gestão de áreas de intervenção tão específicas quanto a recolha de lixos, a rede esgotos, o plano de urbanização, os cemitérios, etc., subalternizam as responsabilidades dos Directores dos departamentos respectivos e, implicitamente, desresponsabilizam-nos. A estrutura orgânica da câmara fica, portanto, totalmente dependente dos senhores vereadores e dos seus caprichos e interesses próprios, muito atenta, veneradora e obrigada.

6 – A gestão camarária deveria ser da responsabilidade de uma comissão executiva constituída por um Presidente proposto pelo partido maioritário e um número variável de vogais, consoante a dimensão do município, responsáveis pelas direcções dos diferentes departamentos. Aos vereadores eleitos competiria a aprovação dos Planos e Orçamentos Plurienais e Anuais e controlar a respectiva execução.

7 – No caso concreto da ETAR sobrevoada, se a vereação municipal tivesse aprovado a sua construção, em sede de Plano Anual, e em sequência da estratégia fixada para a área de sanemento em Plano Plurienal, a sua execução seria da responsabilidade da comissão executiva e a vereação pedir-lhe-ia contas.

8 – Deste modo, responsabilizar-se-iam aqueles que por incompetência tivessem previsto uma ETAR para local não adequado e a tivessem construído sem que o seu arranque estivesse coordenado com os outros investimentos ou requisitos que a colocariam de imediato em funcionamento após a conclusão da construção.Na situação actual, são indestrinçáveis as responsabilidades dos directores das dos vereadores, donde a conclusão óbvia que alguém está a mais ou os directores não o são efectivamente ou são-no à maneira de Sir Humphrey.

9 – As relações perversas entre os autarcas e os construtores, que leva aqueles a encomendar obra e estes a obrar sem planos de coordenação nem controlo, seria muito minorada.

10 – Os vereadores não deveriam ter retribuição, ou deveriam ser retribuídos em função da sua presença nos reuniões mensais de conselho municipal com a comissão executiva; deste modo, a vereação deixaria de ser tido como emprego e reforma prematura para gente à procura de vantagens próprias e seria fundamentalmente desempenhada como serviço público; Já a comissão executiva deveria ser remunerada de forma competitiva com as condições prevalecentes no mercado de trabalho para as exigências que as funções dos seus membros impõem.

11 – Os planos, orçamentos e contas dos municípios deveriam ser de publicação obrigatória nos jornais locais. É, indiscutivelmente, absurdo que a lei obrigue (e bem) a publicação dos relatórios e contas das sociedades anónimas que poderão ter muitos accionistas mas não excederão nunca o número de contribuintes que somos todos nós, incluindo os que são accionistas e não seja exigida igual publicação das contas dos municípios e institutos públicos.Já alguém disse, há muito tempo, que a luz do sol é o melhor dos desinfectantes. É a este título exemplificativo de quanto os autarcas se servem dos lugares que ocupam em lugar de servir nesses lugares, os boletins que nos enviam periodicamente os autarcas das freguesias promovendo-se através de editoriais bacocos ilustrados com as suas fotografias. Nunca nesses boletins são publicadas as contas da autarquia. Porquê?Porque não lhes sobra espaço. Os boletins enchem-se de relatos de excursões que estas autarquias promovem. Na minha, há tempos foram até ao Vaticano. Quem foi? Não os mais desfavorecidos, coitados, esses foram acamados em depósitos a que chamam lares ou, se ainda se mexem, nunca viram o mar.Num destes últimos fins-de-semana almoçava num restaurante da Carapinheira, próximo de Montemor-o-Velho, um grupo de gente madura que se transportava num autocarro da Câmara Municipal de Oeiras. Aliás, é frequente encontrarem-se autocarros destes um pouco por todo o país.

12 – Porque não se pergunta para que servem as juntas de freguesia e quanto custam? A verdade é que custam muito e servem, sobretudo, os autarcas excursionistas.

Com estas tortas e bolos só deixaremos de ser um país de tolos quando houver informação da forma como são gastos os dinheiros públicos.

O CASO DA INDIFERENÇA GENERALIZADA

“...os esgotos correm em campo aberto perante a indiferença generalizada, com excepção dos mosquitos e moscas. Depois, terrenos que estando nos planos como sendo do domínio agrícola, povoam-se de barracões e casas de habitação e veraneio, construídas ao modelo maison, térreas e com colunas e pórticos, felizmente menos horríveis que o mesmo tipo de casas de emigrante de há uns anos. Ao lado caem aos bocados casas, adegas, lagares, currais, que seriam na América antiguidades protegidas com as suas cantarias de pedra, as suas portas de arco... Mas não estamos na América, somos um povo mais velho, logo podemos estragar à vontade...” .José Pacheco Pereira, Público, 28 Abril 2005.

Somos um povo mais velho mas não decorre da nossa velhice a indiferença generalizada. Se assim fosse não teríamos remissão. E temos, se quisermos.

Na Suíça, como é sabido, tudo está no seu lugar, graças aos suíços. Os suíços não são um povo novo. Qual a razão, então, porque a Suíça é um modelo de limpeza e organização e Portugal um exemplo do contrário?

A diferença, parece claro, está em que na Suíça há suíços (e não só, vinte por cento são emigrantes, entre os quais muitos portugueses) e em Portugal portugueses.

E, no entanto, não é tão claro quanto parece.

Vejamos um caso conhecido: Alguém, mas certamente com a aprovação da Câmara Municipal de Lisboa de então, decidiu construir um “driving range” de golfe sobre os depósitos da EPAL, nas Amoreiras. Foi necessário montar umas estruturas enormes para evitar que as bolas atingissem as ruas circundantes. Levantou-se o povo protestando (o tal, tão frequentemente vilipendiado) e o “driving range” parou e as estruturas encolheram mas não desapareceram.

Até quando?

Até que caiam de podres corroídas pela ferrugem? Que mais pode o povo fazer?

Se uma Câmara ou qualquer outra entidade por ela tutelada constrói uma ETAR que não arranca e os esgotos continuam a correr em campo aberto, que podem os vizinhos fazer? Protestar, claro, se lhes cheirar mal.

Que pode fazer JPP? Que posso fazer eu?Protestar. E depois?

Se o Município se mantiver mudo e quedo como um penedo?

Se perguntarmos, até quando? E não responderem.

Se perguntarmos, quanto custa? E não responderem.

Se perguntarmos, quem paga? E não responderem.

Se perguntarmos, quem é responsável? E não responderem?

Que fazer?

Estou a escrever estas interrogações em Reston, a seis milhas da Casa Branca, na América que JPP refere.Esta casa em que me encontro tem cerca de 30 anos e a estrutura é de madeira, como é muito habitual nos Estados Unidos. Está pintada de verde, um verde seco, a da vizinha à esquerda é “bordeaux”, outras são brancas, outras camurça, outras verde azeitona de Elvas. Pergunto aos proprietários o que sucederia se a pintassem de outra cor. Por exemplo, “bordeaux” como a vizinha da esquerda. Resposta sem hesitações: a administração do “cluster” intimar-nos-ia a repor a cor inicial, e se o não fizéssemos, ao fim de algum tempo e de algumas insistências, a administração tomava conta da casa, repunha a cor e vendia a casa a outros. Por essa razão a casa é verde seco há 30 anos ainda que o dono da casa gostasse de a pintar de amarelo.

Alguns acharão que tanta rigidez é uma violência, uma prepotência até. Talvez seja tudo isso mas quem comprou a casa comprou-a verde seco e com um regulamento atrás. Regulamento que, obviamente, é cumprido á risca.

É nisto que está a diferença.

A diferença entre Portugal, a Suíça e os Estados Unidos está no regulamentozinho que é para ser cumprido.

Já se disse que na Suíça vivem 20% emigrantes e os Estados Unidos são um “melting pot”. Aqui nas redondezas vejo pessoas de todas as cores, entre os quais vários portugueses. E todos cumprem.Afinal, o problema é do povo?Não é nada.

Há que chamar as coisas pelos nomes: os regulamentos não se cumprem porque não se fazem cumprir. Se a Câmara não me responde, se a Câmara se propagandeia em cartazes que custam rios de dinheiro mas não presta contas nem aos contribuintes nem aos munícipes, queixo-me á Justiça. E depois?Depois, nada.

Muita gente clama que a Justiça em Portugal não funciona e essa é, seguramente, uma das principais causas, se não a principal, do nosso atraso.A lei não é respeitada quanto devia, os regulamentos não se cumprem, os contratos não se honram.

A culpa de quem é? Não é do povo.

É das elites?É.

No caso da Justiça, a culpa é sobretudo dos juizes porque continuam a arrastar a carga quando há muito tempo que foi inventada a roda, generalizadamente indiferentes às críticas que chovem de todos os lados.Porque é que a justiça não é paga segundo o princípio do utilizador pagador nos casos em que os Tribunais julgam casos em que as Empresas (cobrança coerciva de créditos) entregam à justiça a resolução dos casos bicudos assumidos na gestão dos seus negócios? Dito de outro modo, porque é que a Vodafone ou a TMN ou a Optimus, p.e., não pagam a preço de custo, pelo menos, a resolução do contencioso das dívidas que decorrem da sua pressão para aumentar o número de clientes e de chamadas via telemóvel? Porque é que os contribuintes, que podem ser ou não também clientes daquelas empresas, com os seus impostos e contas em dia têm que suportar, via orçamento de Estado os custos das cobranças que deviam ser da inteira responsabilidade das mesmas empresas?

Porque é que o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados sabe contar até um milhão o número de processos que se acumularam em 2003 (e em 2004? E, até agora, em 2005, não se sabe?) mas não sabe (sabe mas não quer propor) medidas que resolvam o problema sem agravar as já complicadas contas do Estado?

A última vez que demos conta das preocupações dos agentes da Justiça foi a propósito dos seus irrenegociáveis dois meses de férias.

UMA ALDEIA PORTUGUESA, QUE TRISTEZA

“Aldeias. Actividade económica? Nula. Ou quase. Cafés, com a Sport TV e gente falando muito alto. Alcoolismo. Restaurantes, como se imagina. Velhos. Cada vez mais velhos. Farmácias. Único emprego para os jovens que os faz fugir da escola e alimentar a estatística do abandono escolar: construção civil. Muitos jipes, carros, motas. Anúncios de discotecas, bares, cada vez mais. Os movimentos pendulares de carros pela noite, prenunciando o tráfico de droga. Depois ruínas, de quintas, lagares, fabriquetas, de vinhas, de zonas de cultivo de tomate, de campos de oliveiras, ruínas da agricultura portuguesa” – José Pacheco Pereira, Público, 28 Abril 2005.

“Mesmo eu sou de uma aldeia à beira mar e oiço-o duas léguas aoredol: meio ano a lavoirar e outro meio aoanzol (Afonso Duarte).”

Não sou da Ereira mas nasci por perto. Naquele tempo as aldeias “ao redol” pareciam jardins, regados com muito suor. Mas era uma economia de subsistência e vivia-se mal, alguns mesmo muito mal. Foi por viverem mal que muito saltaram para França, Luxemburgo, para toda a parte. Eram terras de pequenos agricultores e de pequenos pescadores e ninguém apareceu a ensinar-lhes a crescer. Talvez já existissem engenheiros e outros técnicos agrários mas nunca os vimos por lá. Os animais, se adoeciam, eram vistos e receitados por um alveitar. O veterinário não ia além do matadouro para assinar os papéis.Hoje, onde era jardim, há mato. A economia que era de subsistência é agora de assistência. Vegeta-se melhor.

Entretanto, em matéria de agricultura e pescas o Ministério da Agricultura e Pescas não parou de crescer. Segundo dados recentes, para cada 4 agricultores existe 1 funcionário no Ministério.

O Ministro, recentemente empossado, declarou para sossego das hostes e garantia dos votos que não haverá despedimentos. Nem precisava dizer, a Constituição não deixa.

Pode perguntar-se, no entanto:

Não se pode por essa gente a trabalhar?

A Constituição proíbe?

Que faz tanta gente no Ministério? Mistério.

Porque não aparece essa gente nas aldeias promovendo a melhor utilização dos recursos? Mistério. Porque nunca apareceu? Mistério.

O Ministro da Agricultura (e ás vezes das Pescas) e os seus colaboradores mais próximos não podem arredar pé de Bruxelas. E o resto do Ministério?Mistério.

A redução de postos de trabalho observada no sector primário nos últimos cinquenta anos (à excepção, como vimos, do Ministério Mistério) foi normal e acompanhou, com o nosso habitual atraso, o movimento de transferência para os sectores secundário e terciário, característico das economias em desenvolvimento. Entretanto, da economia de susbsistência, subsistiu, além do mais, fora do Alentejo e Ribatejo, uma propriedade fragmentada que, na maior parte dos casos, não pode ser competitiva. Os nossos solos não têm, geralmente, a potencialidade produtiva da Europa Verde. Mas aos poucos que temos, que lhes fazemos?Não sabemos.Alguns plantam eucaliptos, outros plantam casas, outros plantam barracões, outros não plantam nada porque não é preciso plantar para as silvas crescerem.E, evidentemente, os campos de silvas não pagam impostos, pelo que nenhum incentivo existe para lhe dar alguma eficiência económica. Aliás, enquanto a expectância não for tributada ou for menos tributada que a criação de riqueza a propensão para deixar crescer as silvas é, obviamente, enorme.

O que diz o Ministério a isto? Como de costume não diz nada.

Tenho um amigo, hoje na casa dos setenta, analfabeto, que comeu o pão que o diabo amassou, esgotou-se a trabalhar em franças e araganças, até que há meia dúzia de anos voltou a dar à costa. Continua a viver num barraco, tem um filho alcoólico, que provavelmente vê a TV Sport na tasca mais próxima, fala alto, e pelas contas da Nação também é considerado agricultor. Há dias encontrei-o a cuidar do batatal. Estava satisfeito com as amostras da sementeira e dentro de um mês vai poder comer batatas novas.

Que culpa, meus senhores, tem o meu amigo António que a agricultura em Portugal não passe da cepa torta? Em média (as médias são o que são, já se sabe) deve haver no Ministério um funcionário que ocupa metade do seu tempo preocupado com o António e o filho. Fá-lo, evidentemente, de forma muito discreta e fala baixo, tão baixo que o meu amigo António nunca o conseguiu ouvir.

- E se ele, António, viesse ajudar-te a apanhar as batatas?

- Nem pensar. Isto, parece que não, mas tem ciência. Quem não sabe apanhar batatas corta-as todas ao meio.