As mais citadas causas do nosso atraso e perda de passada relativamente à Europa são a nossa gritante falta de capacidades que possam confrontar-se com a globalização, a relativamente baixa percentagem de jovens que completam o ensino secundário ou a elevada percentagem dos que o abandonam a meio, a nossa elevada ileteracia, a vergonha do nosso analfabetismo. Interrogamo-nos das razões que levam jovens portugueses a marearem-se com a matemática e a somar pelos dedos, universitários a frequentarem o curso errado, o ensino secundário a preparar profissionalmente para nada, muitos atribuem à extinção do ensino técnico grande parte da nossa geral inabilidade.
E muita gente reclama mais e melhor educação, mais e melhor formação profissional, menos cimento e mais conhecimento. Não há político candidato que não prometa mais planos para nos tirar de vez da nossa relapsa burrice. O choque tecnológico, que agora virou plano, estas coisas não vão lá com choques, é a nova panaceia para nos curar de vez ou, pelo menos, nos garantir algumas melhoras.
Que o nosso ensino secundário não prepara quanto deve nem como deve é conclusão que não merece contestação; porque é que isto acontece, já exige resposta mais bicuda. Que o Estado continue a pagar diplomas em cursos superiores sem saídas profissionais, quando o que nos falta são enfermeiros, por exemplo, é um mistério insondável.
O fim do ensino técnico, que muitos consideram como uma das medidas negativas tomadas no pós 25 de Abril e em cuja reposição vêm como a melhor receita para formar pessoas capazes de produzir mais e melhor, não podia deixar de ter chegado ao fim. Criado pelo antigo regime com o objectivo de formar escriturários e operários qualificados, respondeu relativamente bem num enquadramento tecnológico muito simplificado quando comparado com a diversidade e complexidade do aparelho produtivo actual. Alguns, que as capacidades intrínsecas e as circunstâncias permitiram singrar para além das barreiras que as instituições do regime de então lhes haviam levantado, viriam a subir a degraus elevados e num caso ou noutro mesmo a posições de topo. Mas tal facto teve pouco a ver com a formação de base, se é que teve alguma.
Hoje, um ensino técnico decalcado daquele figurino não faria qualquer sentido porque cada forma de produção requer conhecimentos específicos que se desactualizam à velocidade do avanço das mais diversas tecnologias, das mais variadas soluções informáticas, dos mais díspares meios técnicos de produção, dos mais particulares processos produtivos.
Seria impossível ao Estado, hoje, garantir aos jovens um ensino técnico que correspondesse às necessidades específicas das empresas. Nem estas, evidentemente, pedem isso, a menos que se situem num estádio de desenvolvimento tecnológico pouco avançado relativamente ao de há trinta anos atrás. Nos tempos que correm, os livros selados não são livros nem selados, não se escrituram com letra francesa e cursivo inglês, a contabilidade é descentralizada em cada secção de trabalho onde se realiza uma função directa ou indirectamente produtiva, a soldadura de metais tornou-se uma especialidade, as madeiras trabalham-se com máquinas cada vez mais sofisticadas e cada vez menos universais, as montagens eléctricas obedecem a esquemas complexos mas a formação de instaladores electricistas tem que realizar-se nas empresas (on job) e o mesmo se aplica à generalidade das funções de produção nas indústrias transformadoras.
Por outro lado, a transferência cada vez mais acentuada do emprego nos sectores primário e secundário para os serviços mais acentua a diversidade do trabalho e a impossibilidade de o Estado munir os jovens com formação específica e muito diferenciada. Ainda recentemente a revista Atlantis, da TAP, noticiava a existência de uma escola no Canadá, privada, a formar candidatos a São Nicolau, emprego sazonal que pode render 40 mil dólares pelo Natal e Ano Novo.
O que se deve exigir ao Estado é que a formação dos jovens, a nível do ensino secundário, para além das matérias tradicionalmente ligadas às humanidades e às ciências da Natureza e que constituem o suporte necessário a qualquer formação profissional específica ou ao prosseguimento para o patamar académico seguinte, imprima hábitos de trabalho e inclua o ensino dos conceitos técnicos e sociais com que todos irão deparar no dia a dia, independentemente das funções que vierem a desempenhar.
Os hábitos de trabalho são entre nós, teremos de convir, um problema complicado que se prende com a dificuldade em transmitir aos jovens uma atitude que muitos portugueses prezam pouco. Mas não é insolúvel e, querendo-se, podem fixar-se objectivos e medir a sua realização porque todo o trabalho é mensurável, e não só o dos alunos mas também o dos professores, o dos pais e o das comunidades em que as escolas se inserem. Definitivamente, os portugueses devem começar por compreender que vivem num mundo que é e será cada vez mais globalizado e que não podem querer melhorar o seu PIB per capita sem que cada capita produza mais PIB.
A adequação dos conhecimentos às exigências do dia a dia não parece que devesse colocar grandes dificuldades de para um consenso alargado: Se é consensual que aos jovens se ministrem no ensino secundário conhecimentos médios de português, inglês, matemática, química, física, biologia, mineralogia, lógica, informática e educação sexual, por exemplo, não deveria ignorar-se o ensino de conceitos com que eles vão ter certamente que lidar de perto, qualquer que seja a função que vierem a realizar, é importante para a sua integração na vida profissional: conceitos elementares de direito, de economia, mecânica, electricidade e electrónica, etc. A todos é importante saber, por exemplo, o que é um balanço de uma empresa, o que são acções e o que são obrigações, o que é uma sociedade por quotas e o que é uma sociedade anónima, o que é um monopólio, o que é que significa a concorrência nos mercados. Para além deste conjunto de conhecimentos indispensáveis para qualquer cidadão poder, a partir deles, adquirir todas as competências necessárias ao exercício de uma função na sociedade, a formação especializada não pode deixar de ser, patrocinada ou não pelo Estado, realizada on job. Havendo patrocínio do Estado, é fundamental que não se repita a experiência passada com a utilização desregrada dos fundos comunitários em acções de formação que, em muitos casos apenas camuflaram temporariamente o desemprego e aproveitaram a empregadores sem escrúpulos e não só.
Mas, acima de tudo, é inquestionável que o Estado deve privilegiar o esforço de garantir que todos os jovens frequentem o ensino secundário e nenhum o abandone. Também parece inquestionável que o Governo leve por diante a sua anunciada política de promoção de acções tendentes ao completamento do ensino secundário por parte daqueles que o abandonaram e ainda à equiparação dos conhecimentos adquiridos de forma auto didáctica ou outras não reconhecidas oficialmente, mediante provas.
Quanto ao ensino superior, o estado actual das coisas já deveria ter feito compreender ao Estado, aos professores, aos alunos, aos pais dos alunos, ao País inteiro, que não é admissível que os impostos de todos os contribuintes continuem a pagar a obtenção de cursos que não têm saídas profissionais e que, em muitos casos, não concedem conhecimentos que valham uma licenciatura e perseguem a mirífica e provinciana ambição de exibirem um penacho de falso doutor. Está fora de causa que a todos assiste o inegável direito de tirar um curso superior e, um dia, todos os cidadãos terão essa possibilidade e a esmagadora maioria aproveitá-la-á. O que está em causa é a quem cabe pagar o custo desse ensino. Se for o próprio, com possibilidades para o fazer, antes ou depois da obtenção do diploma, seguramente que a escolha do seu futuro profissional será mais ponderada e responsável evitando-se o malbaratar de meios e a redução de frustrações.
Chegado a este ponto, voltamos à questão inicial: Sendo a formação condição inicial para o suporte de uma sociedade evoluída e competitiva, porque dificilmente será evoluída se não for competitiva, as sociedades ao contrário de alguns indivíduos não costumam receber heranças embora algumas recebam finezas, é também condição suficiente?
Não é.
E não é porque todos sabemos que, neste momento, o desemprego aflige em elevado grau aqueles que obtiveram um curso dito superior. Se a formação académica fosse, só por si, motora do crescimento, seguramente que a nossa economia não estaria em divergência com a Europa e muitos desses jovens estariam a trabalhar.
Não há, ao contrário do que geralmente se quer fazer crer, falta de gente com preparação suficiente para trabalhar em novos projectos. Aliás, uma parte muito significativa daqueles que obtiveram graus académicos acima da licenciatura, procura no estrangeiro as oportunidades que não encontra no país onde nasceu e que até lhes pagou essa formação. É frequentemente referido na Imprensa a opinião, que se pretende abalizada, de que existe insuficiência de licenciados nas áreas científicas e tecnológicas. No entanto, mesmo licenciados nos diversos ramos de engenharia, incluindo a engenharia informática, por exemplo, não encontram facilmente colocação para o desempenho de funções para as quais têm habilitação académica e muitos acabam por enveredar por uma carreira profissional completamente diferente daquela para que se prepararam. A oferta de emprego continua a estar voltada para funções comerciais e administrativas, raramente tecnológicas e quase nenhumas científicas.
Argumenta-se, por outro lado, que não existem em número suficiente profissionais para trabalhos funcionalmente manuais: carpinteiros, canalizadores, electricistas, pintores da construção civil, mecânicos, técnicos de electrónica, etc. O que pode ser verdade mas não tem que ver com o déficit de formação a nível do ensino secundário, a menos que quem assim argumenta pretenda repor o sistema de castas que vigorou até ao 25 de Abril: o ensino liceal, para os mais favorecidos, como antecâmara para a Universidade e o ensino técnico destinado aos outros. A carência de profissionais para o desempenho daquelas tarefas não decorre da falta de formação suficiente já que qualquer jovem habilitado com o ensino secundário estará preparado para aprender facilmente, on job, o desempenho daquelas funções, o problema é que não quer porque supõe-se com direito a função socialmente mais prestigiada. Levada às últimas consequências esta atitude conduz-nos a um corolário obtuso: Seria prejudicial para a economia do País que os jovens completassem todos o ensino secundário porque no dia em que tal facto ocorresse deixaríamos de ter candidatos às profissões que requerem o insubstituível emprego das mãos, e que são quase todas.
O que falta, antes de mais, são projectos e empresários que os concretizem, porque sem novos projectos que produzam riqueza transaccionável não há crescimento económico sustentado nem criação de emprego.
Temos de cuidar da educação, claro que temos, mas temos sobretudo que nos interrogar porque razão não cresce o investimento reprodutivo em Portugal e acertar na resposta conveniente. Ao Estado compete criar as condições necessárias à incubação de novos projectos, nomeadamente tornando competitivas as condições envolventes que estão para lá da disponibilidade de recursos humanos e até mesmo financeiros.
Há falta de gente formada, ou susceptível de formação on job, que possa trabalhar de forma competitiva? Não há. Podia haver mais, temos quer ter mais, mas temos para já a suficiente e não é por essa razão que o investimento reprodutivo não nos procura. A Irlanda é citada vezes sem conta como um exemplo extraordinário de desenvolvimento bem sucedido suportado por uma política que privilegiou a formação e não valorizou as infra-estruturas. Não pode, no entanto, deixar de considerar-se o que ofereceu o Estado irlandês aos investidores para além de recursos humanos competentes.
Há falta de meios financeiros? Não há. Se houvesse falta de liquidez não se empenhavam tanto os bancos a convencer-nos a gastar naquilo que muitas vezes já não precisamos e de que a construção civil é o exemplo mais flagrante e pode ser o mais dramático: o nosso stock de casas excede largamente a procura não especulativa por mais optimistas que sejam as perspectivas que se queiram tomar.
Os mega projectos TGV e aeroporto da Ota, vão criar, segundo o Governo cem mil postos de trabalho e requerem meios financeiros fabulosos. Independentemente do juízo que possamos fazer acerca dos méritos e deméritos de tais projectos e do número de empregos anunciados, o que sabemos é que uma grande parte desses empregos serão do tipo dos que têm sido importados para as grandes obras públicas (ponte Vasco da Gama, Parque das Nações, estádios de futebol, etc.), correspondem ao modelo de crescimento que tanto tem sido criticado e só terão repercussões a longo prazo.
Até lá os projectos criadores de emprego e produtores de bens e serviços transaccionáveis, já a curto e médio prazos, têm de ser outros.
O caminho para o desenvolvimento passa pela identificação correcta dos obstáculos que em cada fase terão de ultrapassar-se, caso contrário a fuga em frente é, quanto muito, fuga para o lado.
Na Estrada da Beira, não vai para lá quem vai para a beira.
E muita gente reclama mais e melhor educação, mais e melhor formação profissional, menos cimento e mais conhecimento. Não há político candidato que não prometa mais planos para nos tirar de vez da nossa relapsa burrice. O choque tecnológico, que agora virou plano, estas coisas não vão lá com choques, é a nova panaceia para nos curar de vez ou, pelo menos, nos garantir algumas melhoras.
Que o nosso ensino secundário não prepara quanto deve nem como deve é conclusão que não merece contestação; porque é que isto acontece, já exige resposta mais bicuda. Que o Estado continue a pagar diplomas em cursos superiores sem saídas profissionais, quando o que nos falta são enfermeiros, por exemplo, é um mistério insondável.
O fim do ensino técnico, que muitos consideram como uma das medidas negativas tomadas no pós 25 de Abril e em cuja reposição vêm como a melhor receita para formar pessoas capazes de produzir mais e melhor, não podia deixar de ter chegado ao fim. Criado pelo antigo regime com o objectivo de formar escriturários e operários qualificados, respondeu relativamente bem num enquadramento tecnológico muito simplificado quando comparado com a diversidade e complexidade do aparelho produtivo actual. Alguns, que as capacidades intrínsecas e as circunstâncias permitiram singrar para além das barreiras que as instituições do regime de então lhes haviam levantado, viriam a subir a degraus elevados e num caso ou noutro mesmo a posições de topo. Mas tal facto teve pouco a ver com a formação de base, se é que teve alguma.
Hoje, um ensino técnico decalcado daquele figurino não faria qualquer sentido porque cada forma de produção requer conhecimentos específicos que se desactualizam à velocidade do avanço das mais diversas tecnologias, das mais variadas soluções informáticas, dos mais díspares meios técnicos de produção, dos mais particulares processos produtivos.
Seria impossível ao Estado, hoje, garantir aos jovens um ensino técnico que correspondesse às necessidades específicas das empresas. Nem estas, evidentemente, pedem isso, a menos que se situem num estádio de desenvolvimento tecnológico pouco avançado relativamente ao de há trinta anos atrás. Nos tempos que correm, os livros selados não são livros nem selados, não se escrituram com letra francesa e cursivo inglês, a contabilidade é descentralizada em cada secção de trabalho onde se realiza uma função directa ou indirectamente produtiva, a soldadura de metais tornou-se uma especialidade, as madeiras trabalham-se com máquinas cada vez mais sofisticadas e cada vez menos universais, as montagens eléctricas obedecem a esquemas complexos mas a formação de instaladores electricistas tem que realizar-se nas empresas (on job) e o mesmo se aplica à generalidade das funções de produção nas indústrias transformadoras.
Por outro lado, a transferência cada vez mais acentuada do emprego nos sectores primário e secundário para os serviços mais acentua a diversidade do trabalho e a impossibilidade de o Estado munir os jovens com formação específica e muito diferenciada. Ainda recentemente a revista Atlantis, da TAP, noticiava a existência de uma escola no Canadá, privada, a formar candidatos a São Nicolau, emprego sazonal que pode render 40 mil dólares pelo Natal e Ano Novo.
O que se deve exigir ao Estado é que a formação dos jovens, a nível do ensino secundário, para além das matérias tradicionalmente ligadas às humanidades e às ciências da Natureza e que constituem o suporte necessário a qualquer formação profissional específica ou ao prosseguimento para o patamar académico seguinte, imprima hábitos de trabalho e inclua o ensino dos conceitos técnicos e sociais com que todos irão deparar no dia a dia, independentemente das funções que vierem a desempenhar.
Os hábitos de trabalho são entre nós, teremos de convir, um problema complicado que se prende com a dificuldade em transmitir aos jovens uma atitude que muitos portugueses prezam pouco. Mas não é insolúvel e, querendo-se, podem fixar-se objectivos e medir a sua realização porque todo o trabalho é mensurável, e não só o dos alunos mas também o dos professores, o dos pais e o das comunidades em que as escolas se inserem. Definitivamente, os portugueses devem começar por compreender que vivem num mundo que é e será cada vez mais globalizado e que não podem querer melhorar o seu PIB per capita sem que cada capita produza mais PIB.
A adequação dos conhecimentos às exigências do dia a dia não parece que devesse colocar grandes dificuldades de para um consenso alargado: Se é consensual que aos jovens se ministrem no ensino secundário conhecimentos médios de português, inglês, matemática, química, física, biologia, mineralogia, lógica, informática e educação sexual, por exemplo, não deveria ignorar-se o ensino de conceitos com que eles vão ter certamente que lidar de perto, qualquer que seja a função que vierem a realizar, é importante para a sua integração na vida profissional: conceitos elementares de direito, de economia, mecânica, electricidade e electrónica, etc. A todos é importante saber, por exemplo, o que é um balanço de uma empresa, o que são acções e o que são obrigações, o que é uma sociedade por quotas e o que é uma sociedade anónima, o que é um monopólio, o que é que significa a concorrência nos mercados. Para além deste conjunto de conhecimentos indispensáveis para qualquer cidadão poder, a partir deles, adquirir todas as competências necessárias ao exercício de uma função na sociedade, a formação especializada não pode deixar de ser, patrocinada ou não pelo Estado, realizada on job. Havendo patrocínio do Estado, é fundamental que não se repita a experiência passada com a utilização desregrada dos fundos comunitários em acções de formação que, em muitos casos apenas camuflaram temporariamente o desemprego e aproveitaram a empregadores sem escrúpulos e não só.
Mas, acima de tudo, é inquestionável que o Estado deve privilegiar o esforço de garantir que todos os jovens frequentem o ensino secundário e nenhum o abandone. Também parece inquestionável que o Governo leve por diante a sua anunciada política de promoção de acções tendentes ao completamento do ensino secundário por parte daqueles que o abandonaram e ainda à equiparação dos conhecimentos adquiridos de forma auto didáctica ou outras não reconhecidas oficialmente, mediante provas.
Quanto ao ensino superior, o estado actual das coisas já deveria ter feito compreender ao Estado, aos professores, aos alunos, aos pais dos alunos, ao País inteiro, que não é admissível que os impostos de todos os contribuintes continuem a pagar a obtenção de cursos que não têm saídas profissionais e que, em muitos casos, não concedem conhecimentos que valham uma licenciatura e perseguem a mirífica e provinciana ambição de exibirem um penacho de falso doutor. Está fora de causa que a todos assiste o inegável direito de tirar um curso superior e, um dia, todos os cidadãos terão essa possibilidade e a esmagadora maioria aproveitá-la-á. O que está em causa é a quem cabe pagar o custo desse ensino. Se for o próprio, com possibilidades para o fazer, antes ou depois da obtenção do diploma, seguramente que a escolha do seu futuro profissional será mais ponderada e responsável evitando-se o malbaratar de meios e a redução de frustrações.
Chegado a este ponto, voltamos à questão inicial: Sendo a formação condição inicial para o suporte de uma sociedade evoluída e competitiva, porque dificilmente será evoluída se não for competitiva, as sociedades ao contrário de alguns indivíduos não costumam receber heranças embora algumas recebam finezas, é também condição suficiente?
Não é.
E não é porque todos sabemos que, neste momento, o desemprego aflige em elevado grau aqueles que obtiveram um curso dito superior. Se a formação académica fosse, só por si, motora do crescimento, seguramente que a nossa economia não estaria em divergência com a Europa e muitos desses jovens estariam a trabalhar.
Não há, ao contrário do que geralmente se quer fazer crer, falta de gente com preparação suficiente para trabalhar em novos projectos. Aliás, uma parte muito significativa daqueles que obtiveram graus académicos acima da licenciatura, procura no estrangeiro as oportunidades que não encontra no país onde nasceu e que até lhes pagou essa formação. É frequentemente referido na Imprensa a opinião, que se pretende abalizada, de que existe insuficiência de licenciados nas áreas científicas e tecnológicas. No entanto, mesmo licenciados nos diversos ramos de engenharia, incluindo a engenharia informática, por exemplo, não encontram facilmente colocação para o desempenho de funções para as quais têm habilitação académica e muitos acabam por enveredar por uma carreira profissional completamente diferente daquela para que se prepararam. A oferta de emprego continua a estar voltada para funções comerciais e administrativas, raramente tecnológicas e quase nenhumas científicas.
Argumenta-se, por outro lado, que não existem em número suficiente profissionais para trabalhos funcionalmente manuais: carpinteiros, canalizadores, electricistas, pintores da construção civil, mecânicos, técnicos de electrónica, etc. O que pode ser verdade mas não tem que ver com o déficit de formação a nível do ensino secundário, a menos que quem assim argumenta pretenda repor o sistema de castas que vigorou até ao 25 de Abril: o ensino liceal, para os mais favorecidos, como antecâmara para a Universidade e o ensino técnico destinado aos outros. A carência de profissionais para o desempenho daquelas tarefas não decorre da falta de formação suficiente já que qualquer jovem habilitado com o ensino secundário estará preparado para aprender facilmente, on job, o desempenho daquelas funções, o problema é que não quer porque supõe-se com direito a função socialmente mais prestigiada. Levada às últimas consequências esta atitude conduz-nos a um corolário obtuso: Seria prejudicial para a economia do País que os jovens completassem todos o ensino secundário porque no dia em que tal facto ocorresse deixaríamos de ter candidatos às profissões que requerem o insubstituível emprego das mãos, e que são quase todas.
O que falta, antes de mais, são projectos e empresários que os concretizem, porque sem novos projectos que produzam riqueza transaccionável não há crescimento económico sustentado nem criação de emprego.
Temos de cuidar da educação, claro que temos, mas temos sobretudo que nos interrogar porque razão não cresce o investimento reprodutivo em Portugal e acertar na resposta conveniente. Ao Estado compete criar as condições necessárias à incubação de novos projectos, nomeadamente tornando competitivas as condições envolventes que estão para lá da disponibilidade de recursos humanos e até mesmo financeiros.
Há falta de gente formada, ou susceptível de formação on job, que possa trabalhar de forma competitiva? Não há. Podia haver mais, temos quer ter mais, mas temos para já a suficiente e não é por essa razão que o investimento reprodutivo não nos procura. A Irlanda é citada vezes sem conta como um exemplo extraordinário de desenvolvimento bem sucedido suportado por uma política que privilegiou a formação e não valorizou as infra-estruturas. Não pode, no entanto, deixar de considerar-se o que ofereceu o Estado irlandês aos investidores para além de recursos humanos competentes.
Há falta de meios financeiros? Não há. Se houvesse falta de liquidez não se empenhavam tanto os bancos a convencer-nos a gastar naquilo que muitas vezes já não precisamos e de que a construção civil é o exemplo mais flagrante e pode ser o mais dramático: o nosso stock de casas excede largamente a procura não especulativa por mais optimistas que sejam as perspectivas que se queiram tomar.
Os mega projectos TGV e aeroporto da Ota, vão criar, segundo o Governo cem mil postos de trabalho e requerem meios financeiros fabulosos. Independentemente do juízo que possamos fazer acerca dos méritos e deméritos de tais projectos e do número de empregos anunciados, o que sabemos é que uma grande parte desses empregos serão do tipo dos que têm sido importados para as grandes obras públicas (ponte Vasco da Gama, Parque das Nações, estádios de futebol, etc.), correspondem ao modelo de crescimento que tanto tem sido criticado e só terão repercussões a longo prazo.
Até lá os projectos criadores de emprego e produtores de bens e serviços transaccionáveis, já a curto e médio prazos, têm de ser outros.
O caminho para o desenvolvimento passa pela identificação correcta dos obstáculos que em cada fase terão de ultrapassar-se, caso contrário a fuga em frente é, quanto muito, fuga para o lado.
Na Estrada da Beira, não vai para lá quem vai para a beira.
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