"...É preciso definir melhor as formas da coordenação e intervenção hierárquica nos inquéritos, devidamente documentada, para assegurar a responsabilização individual de cada magistrado e do órgão MP e a transparência dos procedimentos.
É preciso questionar o âmbito do sacrossanto princípio da legalidade na acção penal. Não faz o mínimo sentido que o MP tenha de iniciar tantos inquéritos para desperdiçar recursos nos 80% que acaba por arquivar e depois não consiga cumprir os prazos nos 20% em que tem de deduzir acusação.
É preciso discutir a justiça penal negociada. Pelo menos na pequena e média criminalidade, não há razão para o MP e a defesa não poderem acordar sobre os limites da pena, a troco da admissão da culpabilidade e da dispensa do julgamento, deixando para o tribunal a fixação concreta da pena numa sentença abreviadíssima. Não vale a pena arrancar cabelos com uma coisa que se faz em tantos países com bom resultado.
É preciso ver a utilidade da fase de instrução com a extensão que hoje tem. Será mesmo necessário um juiz para validar o juízo de apreciação da prova indiciária feito por uma magistratura qualificada, que actua sujeita ao dever de objectividade e livre de interferências externas? Talvez se possa reduzir a instrução ao controlo da legalidade do inquérito e das provas e a outras questões prejudiciais, como a prescrição do crime. É indefensável haver instruções — como a do “caso Marquês” — em que se podem gastar seis anos (para já) apenas para saber se os arguidos têm ou não de subir a escada e entrar pela porta do tribunal que os há-de julgar.
É preciso, por fim, dar ao juiz do processo um poder efectivo para travar a litigância manifestamente abusiva com intenção dilatória. É ridículo um sistema em que se coloca o juiz a fazer figura de “pau-mandado”, à ordem de um qualquer interveniente, com um processo pronto para avançar para a fase seguinte, parado, refém de um interesse que não é de certeza o da justiça.
É preciso travar este monstro, antes que a justiça e com ela o regime democrático sejam engolidos de vez.
O autor é colunista do PÚBLICO
1 comment:
Gostei. Abraço.
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