Friday, January 12, 2024

A INFIDELIDADE DAS SEGURADORAS DE RISCOS DE SAÚDE

O Expresso de anteontem publicava reportagem (na realidade, entrevistas comprometidas, sem contraditório) de três jornalistas sobre aumentos nos prémios de seguros de riscos de saúde em Portugal : Seguradoras carregam nos preços dos seguros de saúde e responsabilizam SNS e inflação.

"Os agravamentos das faturas para os clientes ocorrerão ao longo do ano, com o sector a atirar as culpas para a crise do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para a inflação. Uma decisão que ocorre quando o supervisor tem prometido mudanças neste segmento, nomeadamente com a possibilidade de criação de um seguro padrão e comparável entre companhias."

A quem subscreveu uma apólice de seguro de riscos de saúde há mais de 40 anos, a seguradora informou nos últimos dias do ano que os prémios em 2024 serão (contas feitas a partir dos valores informados) 86,5% acima dos valores que a seguradora cobrou em 2023, depois de neste último ano o aumento ter rondado os 20%

Há entre as seguradoras de riscos de saúde e o SNS uma conivência conveniente para ambas as partes.

Ao SNS (leia-se quem legisla na matéria) convém que haja quem subscreva apólices de seguro de riscos de saúde. Quanto mais segurados houver pelas empresas de seguros de riscos de saúde menos pessoas recorrerão ao saturado SNS. Aliás, o mesmo efeito se reflete na procura do SNS por segurados pela ADSE (com condições bem diferentes das apólices das segurados privadas) e de outros sistemas particulares não abrangidos pelo SNS.

Às seguradoras de riscos de saúde convém a incapacidade, insuperável, do SNS para atender todos quantos necessitam de cuidados, preventivos ou efectivos, de saúde. 

Mas a aparente conveniência recíproca entre SNS e seguradoras privadas tem consequências perversas: as seguradoras de riscos de saúde convém segurados situados em classes etárias com níveis de morbilidade baixos. Os segurados situados nestas classes etárias proporcionam às seguradoras elevados níveis de remuneração dos investimentos além da capacidade para competirem com o SNS no recrutamento de médicos, enfermeiros, técnicos especializados, oferecendo remunerações superiores às que o SNS pode suportar.

Os efeitos perversos da aparente conveniência recíproca entre SNS e seguradoras observam-se no crescimento da rede de estabelecimentos privados de cuidados privados de saúde e as crescentemente conhecidas dificuldades dos SNS.

Às seguradoras privadas não convêm segurados das classes etárias mais elevadas, aquelas em que os níveis de morbilidade são crescentes e as apólices deixam de ser lucrativas, independentemente da antiguidade das apólices contratadas. 
E, sem quaisquer restrições legais, aumentam os prémios ou, simplesmente, denunciam os contratos, independentemente das suas antiguidades. E os ex-segurados são obrigados a recorrer ao SNS. O que nem sempre é um mau recurso, segundo testemunhos de alguns expulsos, sem apelo nem agravo, pelas seguradoras. O problema reside depois na insuficiente capacidade do SNS para acolher todos os expulsos pelas seguradoras.
Manifestamente, esta iniquidade só pode ser colmatada com regras que coloquem limites à discricionariedade das seguradoras. 
 
Deve ainda recordar-se que a formação médica, longa e dispendiosa, é na sua quase totalidade suportada pelos contribuintes portugueses sem contribuições das empresas de cuidados de saúde nem das seguradoras de riscos de saúde que nelas se suportam.
Alguns argumentarão que o Estado também não cobra às empresas que recrutam engenheiros e outros profissionais os custos de formação suportados pelo OE. Mas é um argumento pífio porque ao SNS compete prestar cuidados de saúde a todos aqueles que, com direito a eles recorram, independentemente do seu grupo etário e dos seus antecedentes de saúde.

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