Sunday, March 16, 2014

BRANCO DE PORTUGAL

É geralmente admitido que a justiça é feita na inversa medida do peso dos bolsos dos arguidos: prende-se o que rouba um pão, iliba-se o que desvia um milhão. Os interesses colectivos, reunidos num ente abstrato sem querer nem poder chamado Estado, são repetidamente saqueados, umas vezes subrepticiamente, outras à vista de toda a gente. Sem que esta rapina sistemática suscite uma repulsa social idêntica aquelas que movem as multidões quando estão em causa interesses corporativos. O grau de indiferença social merecida pelos interesses colectivos mede o grau de falta de consciência cívica dessa sociedade. Quanto maior for o grau de indiferença social em consequência de défice de consciência cívica maior o risco de sossobrar o Estado, independentemente do perímetro físico dos interesses colectivos nele reunidos. É por esta razão que não são comparáveis as dimensõs relativas dos estados escandinavos - onde são elevados os níveis de consciência cívica colectiva - com as dos estados do sul da Europa.
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Comentei ontem, aqui, o caso da prescrição de um milhão e da mais que provável prescrição dos processos colocados na mesma calha. A reacção dos partidos foi tendencialmente nula - ouvi apenas o protesto do BE -, os media noticiaram, alguns comentaram, amanhã haverá outros casos que excitem as multidões, até porque hoje é domingo e amanhã é o dia seguinte, o da bola.

Diz-se, e comprova-se, que se escapa à justiça quem pode pagar a bons advogados. Contudo, no caso em questão, não faltaram recursos ao Banco de Portugal - 650 mil euros, segundo as notícias - para contratar advogados suficientemente competentes para defender uma acusação que se traduzia numa multa de um milhão de euros, que foi deixada prescrever. 

Por que é que isto aconteceu? Por que é que os advogados contratados pelo BP perderam a causa?
Enganaram-se nas contas das datas? dizem os jornais. 
Alguém, com um mínimo de senso, pode acreditar nisto? Não. Obviamente, não. Há, seguramente, outras razões. Quais são? Não sabemos, nem é provável que nos digam. O Ministério Público, incumbido da defesa dos interesses do Estado, tem uma má relação com a aritmética.  O que sabemos é que, na altura em que os factos multados ocorreram era governador do BP o senhor Vítor Constâncio, que admitiu distração no exercício das suas funções enquanto supervisor, e foi promovido.  Em sequência da promoção de Constâncio a vice-presidente do BCE foi nomeado governador do BP o senhor Carlos Costa, ex-director-geral do BCP, com vista para os offshores.

Isto não quer dizer nada?

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Correl. Ele não exige mas dão-lhe ...




4 comments:

Fenix said...

Claro que diz e muito!
Depois há aqueles que dizem não acreditar na teoria da conspiração. São os Illuminati(zinhos) de trazer por casa. Se calhar perceberemos tudo se lhes seguirmos as peugadas...

Fenix said...
This comment has been removed by the author.
Unknown said...

Grande post. Força que os distraidos eleitores acabam por desadormecer- esta inspirada na nossa 2º figura

Anonymous said...

Carta enviada de Bruges, pelo Infante D. Pedro a D. Duarte, em 1426, resumo feito por Robert Ricard e constante do seu estudo «L’Infant D. Pedro de Portugal et “O Livro da Virtuosa Bemfeitoria”», in Bulletin des Études Portugaises, do Institut Français au Portugal, Nova série, tomo XVII, 1953, pp. 10-11).

«O governo do Estado deve basear-se nas quatro virtudes cardeais e, sob esse ponto de vista, a situação de Portugal não é satisfatória.
A força reside em parte na população; é pois preciso evitar o despovoamento, diminuindo os tributos que pesam sobre o povo.
Impõem-se medidas que travem a diminuição do número de cavalos e de armas.
É preciso assegurar um salário fixo e decente aos coudéis, a fim de se evitarem os abusos que eles cometem para assegurar a sua subsistência.
É necessário igualmente diminuir o número de dias de trabalho gratuito que o povo tem de assegurar, e agir de tal forma que o reino se abasteça suficientemente de víveres e de armas; uma viagem de inspeção, atenta a estes aspetos, deveria na realidade fazer-se de dois em dois anos.
A justiça só parece reinar em Portugal no coração do Rei [D. João I] e de D. Duarte; e dá ideia que de lá não sai, porque se assim não fosse aqueles que têm por encargo administrá-la comportar-se-iam mais honestamente.
A justiça deve dar a cada qual aquilo que lhe é devido, e dar-lho sem delonga.
É principalmente deste último ponto de vista que as coisas deixam a desejar: o grande mal está na lentidão da justiça.
Quanto à temperança, devemos confiar sobretudo na ação do clero, mas ele [o Infante D. Pedro] tem a impressão de que a situação em Portugal é melhor do que a dos países estrangeiros que visitou.
Enfim, um dos erros que lesam a prudência é o número exagerado das pessoas que fazem parte da casa do Rei e da dos príncipes.
De onde decorrem as despesas exageradas que recaem sobre o povo, sob a forma de impostos e de requisições de animais.
Acresce que toda a gente ambiciona viver na Corte, sem outra forma de ofício.»