Thursday, August 05, 2021

O CONHECIDÍSSIMO CASO DOS AVIÁRIOS DE FORMADORES

Só nos faltava isto: o regresso da formação de formadores

Com as Novíssimas Oportunidades, vamos todos aprender que é possível repetir os mesmos erros e o resultado final ser totalmente diferente. É desta, portugueses! Inscrevam-se para acreditar. - João Miguel Tavares

5 de Agosto de 2021

São cinco vírgula cinco mil milhões de euros. Um tiro de bazuca de dez dígitos para investir em “qualificações e competências”, ao abrigo de um – e cito – “Acordo de Formação Profissional e Qualificação: Um Desígnio Estratégico para as Pessoas, para as Empresas e para o País”, que foi assinado na semana passada entre o Governo e os seus parceiros sociais. Apesar dos efeitos da pandemia, a paz social fica assim assegurada durante os próximos anos, com fundos europeus a serem canalizados em barda através de sindicatos e de confederações patronais com a desculpa favorita da pátria – a qualificação dos trabalhadores –, dada a “necessidade” – e volto a citar – “de agir para cumprir a meta de alcançar em 2030 os 60% de participação anual de adultos em educação e formação”.

Reparem bem no português, porque ele é sintomático. Um redactor competente e produtivo saberia que a expressão “necessidade de agir para cumprir a meta de alcançar” é apenas uma modesta “necessidade de alcançar”. Mas o comboio verbal “agir para cumprir a meta de alcançar”, na sua desmesurada redundância, é um lapso freudiano que se aplica na perfeição a este programa, cujo nome deveria ser Novíssimas Oportunidades. Lembram-se?

O Governo socialista é como aqueles casais sem imaginação que só conhecem duas ou três posições na cama, e as repetem incessantemente sempre que há alguma energia, ou, neste caso, muito dinheiro. Chovem milhões de Bruxelas? Alguém grita “Eureka!” no Palacete de São Bento – “vamos investir que nem doidos na formação de adultos!” Como dizem os ingleses: been there, done that. Essa estratégia foi a menina dos olhos de José Sócrates. Chamou-se Novas Oportunidades e tratou-se de um programa espectacular – sobretudo para o anedotário nacional, com centenas de milhares de adultos a completarem magicamente o 12.º ano após despenderem vários serões a assistir à projecção de slides em paredes brancas.

É verdade que o Novas Oportunidades foi um sucesso de participação. Entre o seu início, em 2006, e até meados de 2011 – quando chegou Passos Coelho e a troika malvada –, inscreveram-se no programa cerca de 1,5 milhões de adultos. Estamos a falar de quase 30% da população activa em Portugal. Os socialistas ainda hoje se orgulham muito do Novas Oportunidades, e há mesmo estudos que perguntaram às pessoas se foi bom para elas, elas disseram que fez maravilhas pela sua autoestima, donde, o programa foi um sucesso.

Ainda assim, foi um sucesso insuficiente, porque António Costa quer agora formar mais 1,145 milhões de adultos activos, que isto da formação é um trabalho de Sísifo. E talvez também porque, olhando para a evolução da produtividade em Portugal, o efeito nos indígenas não parece ter sido espectacular. Para citar não Passos Coelho, mas a CGTP (que recusou subscrever o acordo), “o Governo não rompe com um passado de desaproveitamento de milhares de milhões de euros gastos em ‘formação profissional’, que não logrou tirar-nos do último lugar dos países europeus em matéria de qualificação média da população activa”. Ups.

Ah, mas desta vez vai ser diferente, não é? Claro que vai. Os objectivos são os mesmos, a estratégia é idêntica, os parceiros mantêm-se, e a sede de ir ao pote é igualzinha. Mas, com as Novíssimas Oportunidades, vamos todos aprender que é possível repetir os mesmos erros e o resultado final ser totalmente diferente e completamente maravilhoso. É desta, portugueses! Inscrevam-se para acreditar.

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