Saturday, August 28, 2021

O JOGO DA CABRA-CEGA

Sentença talibã em Paredes (Portugal).
 
Agora que os talibãs voltaram a ser senhores quase absolutos do Afeganistão (resta a resistência no Vale do Panjshir) e os noticiários televisivos preenchem-se com imagens repetidas de amostras da monstruosidade da sua misoginia, relembrem-se julgamentos de juízes e juízas portugueses em vários casos de violência doméstica, dos quais, um dos mais recentes ocorreu em Maio deste ano.

Violência doméstica. Juíza absolve homem que arrastou mulher pelo pescoço Mulher foi agarrada pelo pescoço e arrastada até ao carro. Nunca testemunhou. Tribunal de Paredes dá agressão como provada, mas ato não teve "crueldade" suficiente para ser violência doméstica.

Não foi o primeira episódio a envolver polícia. Desta vez, o homem de 37 anos agarrou na companheira pelo pescoço e obrigou-a a entrar num carro. O episódio ocorreu em outubro passado, em Paredes, e uma patrulha da GNR que ia a passar assistiu a tudo: a mulher a ser agarrada, a ser levantada do chão e, depois, a ser arrastada pelo pescoço até ao interior de uma viatura.

Apesar de os factos terem sido dado como provados pelo tribunal de Paredes, a juíza Isabel Pereira Neto considerou não haver crueldade suficiente para o ato ser considerado violência doméstica. A agredida não testemunhou nem apresentou queixa, e o homem foi absolvido. A notícia é avançada pelo Jornal de Notícias (conteúdo para assinantes).

Segundo aquele jornal, também em novembro de 2019 a GNR foi chamada, durante a noite, a casa da vítima. A mulher estava junto da habitação, debaixo de chuva intensa, e precisou da proteção da GNR para poder entrar em casa e retirar alguns objetos seus e dos filhos, já que iria procurar abrigo na casa de familiares. No entanto, o casal acabaria por reatar a relação.

Perante os mais recentes factos, que reportam a outubro passado, o homem foi acusado pelo Ministério Público de um crime de violência doméstica e três de ameaças aos militares da GNR que o detiveram. O arguido não compareceu a nenhuma das sessões de tribunal, escreve o JN, acabando absolvido de todos os crimes no final de abril. Embora os atos tivessem gravidade para ser crime de ofensa à integridade física, sem queixa da vítima para chegar a julgamento — que recusou testemunhar —- o agressor acabou em liberdade.

Na sentença, a que o Jornal de Notícias teve acesso, a juíza Isabel Pereira Neto diz que “resultou provado” que a mulher “foi agarrada pelo pescoço, pelo arguido, seu companheiro, que com recurso à violência a tentou introduzir no interior da viatura”. Apesar disso, a juíza considera que se tratou de “apenas de um ato, que não reveste a gravidade ínsita” ao crime de violência doméstica. “Entendemos que a conduta do arguido não integra o conceito de maus-tratos, previsto no artigo 152.º do Código Penal“, apoiando-se na tese de que o ato não teve a “crueldade, insensibilidade e desprezo” suficiente para ser considerado crime de violência doméstica.

Isabel Pereira Neto defende que a agressão cumpre os requisitos do crime de ofensa à integridade física, mas, por ser um crime semipúblico, depende de queixa formalizada pela vítima — o que nunca aconteceu. Já sobre as ameaças feitas aos militares da GNR, a juíza considerou que foi “um desabafo”. Embora ao ser detido e encaminhado para o posto da Guarda o homem tenha dito que queria o nome dos GNR para ir procurá-los, a magistrada entendeu que ele nunca quis “matá-los ou sequer bater-lhes”.

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