Tuesday, April 28, 2020

O IMPÉRIO DO MEDO

Provavelmente, nunca na história da humanidade a dicotomia entre segurança e liberdade foi tão dramática. Nem Orwell sequer sonhou que a humanidade alguma vez enfrentasse uma situação em que a liberdade pudesse ser sequestrada por meios que, provadamente, garantiram que um vírus sequestrador fosse sequestrado, salvando milhões de vidas. 

A China, onde o maldito vírus deu os primeiros sinais da sua velocidade de contágio e grau de  letalidade, tem cerca 1,4 mil milhões de habitantes, os EUA com cerca de 330 milhões têm menos de 1/4 da população chinesa. Até ontem, segundo dados da OMS, a China registava 4633 mortes, um número que nas últimas semanas não tem observado subidas significativas, do frio ponto de vista numérico. Os EUA tinham atingido 56803 mortes, praticamente na sua totalidade nas últimas semanas, com tendência crescente, doze vezes mais que o número tendencialmente estabilizado, observado na China. 

Mas a China é um país governado por uma ditadura, argumenta-se, ainda que no Japão, governado democraticamente, com 126 milhões de habitantes registasse até ontem 385 mortes. Argumenta-se que os orientais desde há muitos anos se habituaram a proteger-se, nomeadamente,  com máscaras, quando as condições envolventes recomendam essas protecções. 

Por cá leio no JN de hoje:  Medir a febre no trabalho? O que deve ser salvaguardado.  A  Comissão de Protecção de Dados não tem dúvidas: com a lei como está, uma medida deste tipo só é possível no âmbito da medicina do trabalho. O Governo já avisou que vai mudar a lei, mas os sindicatos alertam que há fronteiras que não devem ser transpostas. - cf  aqui

Também é público que predomina, ainda, que a geolocalização dos infectados e daqueles que com eles tiveram contactos, não é tolerável em democracia, uma conquista civilizacional inegociável. Por outro lado, os médicos em geral, aqueles que batalham contra o monstro na linha da frente porque a defesa civil, também desta vez, não compareceu a tempo, avisam que um retorno à normalidade, e o que é isso nas circunstâncias actuais?, é para já prematuro e arrisca despoletar uma segunda vaga com consequências muito mais dramáticas. 

Espera-se que os sindicatos, por um lado, e aqueles que vêem na democracia uma donzela inviolável até nas unhas dos pés, não estejam a ser promotores de um dilúvio em que se afundarão irremediavelmente as democracias liberais.

Se uma empresa, em fase de retorno às suas actividades, pretende defender os que nela trabalham, garantindo-lhes segurança e confiança, quem é que, racionalmente, se opõe? 

Numa perspectiva doméstica, que confiança tenho na não infecção de um técnico, e ele em mim, se tenho a máquina da roupa avariada desde ontem, ou a máquina da louça, ou o frigorífico, ou a televisão, por exemplo? Posso lavar a louça à mão, a roupa será mais difícil porque abandonámos o tanque há muitos anos, dispensamos o frigorífico comendo apenas alimentos comprados nos últimos dois dias, sem nenhuma tristeza dispensamos a televisão, mas se a canalização da água ou do gás se rompem? Podemos sobreviver sem gás, mas podemos sobreviver sem água? Não podemos. Chamamos o técnico da companhia das águas. Posso confiadamente  deixá-lo entrar em minha casa, e virá ele confiante que em minha casa ainda não entrou o invisível e imprevisível monstro?

Fala-se pouco destas ninharias, as discussões, as opiniões, mais correntes, situam-se a níveis de abstracção incompreensíveis quando o mal galgar a terra  em nome da tal donzela inviolável, mesmo até no dedo do pé, que se afundará quando já não tiver pé.

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