Uma das poucas possibilidades lúdicas de esquecer o tempo em salas de espera de médicos, dentistas, fisioterapeutas e outras profissões com preocupações de literacia dos seus pacientes é a leitura de crónicas sociais em revistas do semestre passado.
Por falta de alternativas e algum “voyeurismo” a que ninguém escapa, há dias, numa daquelas salas de espera, pesquei uma destas revistas (Visão) que preenchia a capa com um título apelativo: “O negócio sexual em alta”, ou coisa parecida.
O artigo a que se reportava o título gordo de capa girava à volta de uma entrevista a uma antropóloga portuguesa, salvo erro com mestrado em Universidade inglesa com uma tese sobre a prostituição.
Esta antropóloga, que considera que a prostituição é uma actividade profissional como outra qualquer, realizou acções, por razões de reciprocidade (ela tinha obtido informações para o seu estudo junto de prostitutas, era natural que lhes oferecesse algum contributo) conducentes à sindicalização das profissionais do sexo naquele país. Além do mais, segundo ela, é absurda a ideia de ligar a prostituição à venda do corpo. Se a prostituta vendesse o corpo ficava sem ele, argumenta a antropóloga de forma não rebatível. A prostituta simplesmente aluga o corpo, como o modelo, como a actriz ou o actor, como o cantor aluga a voz, acrescenta, entre outros argumentos.
A prostituição é, portanto, um negócio e como tal deve ser jurídica e socialmente enquadrado. Acresce que é um negócio em franca expansão e susceptível de atrair pessoas de formação académica elevada. Interrogada sobre as indicações de que existem universitárias licenciadas, mestradas, e mesmo doutoradas, que se prostituem, confirmou que sim. A prostituição masculina, com configurações sociológicas semelhantes à feminina, encontra-se também em franca expansão. Só por razões de sociologia histórica se encontra menos desenvolvida que a sua congénere.
Não custa acreditar que o negócio é florescente. Há bem pouco tempo, os jornais noticiavam volumosos investimentos feitos pelos alemães em bordéis para receber o caudal esperado de clientes durante o Mundial de Futebol. A semana passada teve lugar em Lisboa uma “Feira do Erotismo” ou coisa parecida, nestas coisas nunca se sabe bem por onde passam as fronteiras do erótico e do pornográfico. Por essas estradas do interior do país vêm-se, cada vez mais, cartazes a publicitar casas de actividades eróticas e similares.
A antropóloga acha que é a falta de legalização da actividade que promove os negócios de tráfico de pessoas e outras actividades criminosas. A invocação para a legalização da actividade encontra, neste aspecto, argumentos paralelos aos invocados pelos defensores da legalização do comércio de drogas.
Sem indiciar qualquer ideia cínica preconcebida, a antropóloga insere a sua perspectiva na evolução inelutável da criação de novas oportunidades de emprego no sector de serviços. Ainda que essa oportunidade não faça deslocar o gabarito da duração dos dias e, portanto, a possibilidade de um aumento da produtividade do prestador de serviços não colidir com a redução de produtividade dos, ou das, clientes.
Naturalmente, como em tudo na vida, os negócios são números e estes requerem produtividade, o negócio sexual não escapa à relação entre o que factura quem factura.
Lamentavelmente, também neste caso, produtividade tem pouco a ver com produção, não crescendo aquela em função desta. E não havendo qualquer correlação, não há meio de promover o aumento da produtividade, produzindo mais ou produzindo melhor.
Tome-se, para melhor se perceber a situação, o exemplo das duas irmãs (ou dois irmãos) gémeas: uma dedica-se ao aluguer do corpo, usando a terminologia da antropóloga, no seu país de origem (a Trastilândia), aluga que se farta, factura muito pouco. A irmã, que a sorte conduziu à companhia de um maganate, na Goldilândia, aluga de vez em quando, factura em grande. A primeira dá um pequeno contributo para o reduzido PIB da Trastilândia, a segunda contribui bem para o enormíssimo PIB da Goldilândia. À maior produção da primeira corresponde uma produtividade reduzida; a uma produção espaçada da segunda corresponde uma produtividade excelente.
Como é possível a convergência real do PIB por habitante entre a Trastilândia e a Goldilândia de modo a que se reduzam as desigualdades de oportunidades entre as irmãs gémeas, supostamente iguaizinhas por dentro e por fora?
O tráfico humano entre a Trastilândia e a Goldilândia decorre daquela divergência inicial e não a reduz, mesmo que o negócio seja legalizado. De modo que a Trastilândia continuará como fornecedora de prestadoras (ou de prestadores) de serviços e os intermediários, que sempre continuarão a existir, terão a sua actividade legalizada também.
Aparentemente, a antropóloga não deve ter pensado nisto.
Também não pensou que se o negócio não implica a venda do corpo obriga à venda da alma. Porque a alma existe, se vai ou não para o céu é outro assunto.
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