IVO ROSA - 172 - MINISTÉRIO PÚBLICO - 6
Opinião - O acórdão do TC que afundou a Operação Marquês
João Miguel Tavares - 13 de Abril de 2021, 0:00
"Os tristes factos são estes: a
acusação da Operação Marquês foi entregue em 2017 para depois ser
dinamitada em 2021 por um juiz que baseou a sua decisão num acórdão do TC de
2019. Um acórdão absurdo e insensível ao mais elementar bom senso, que tem como
relator um juiz escolhido pelo Partido Socialista e que é um antigo deputado do
PS.
Prescreveu. Esta foi a palavra mais ouvida na sexta-feira. O negócio da PT prescreveu, o negócio da Oi prescreveu, o negócio de Vale do Lobo prescreveu, os negócios do Grupo Lena prescreveram. A palavra “prescrição” surge 305 vezes na decisão instrutória do juiz Ivo Rosa. Eis a pergunta fatal: porque é que aqueles crimes prescreveram? Rosário Teixeira enlouqueceu? O Ministério Público andou a esbanjar enormes recursos para perseguir crimes prescritos? O que é que permitiu a Ivo Rosa arquivar 172 crimes quando a circulação de 34 milhões de euros está tão bem documentada? Estas perguntas vão esbarrar no acórdão do Tribunal Constitucional de 6 de Fevereiro de 2019, que tem tudo para entrar para a pequena história da nossa democracia.
A primeira estranheza é esta: Ivo Rosa iniciou a fase de instrução da Operação Marquês a 28 de Janeiro de 2019 e dez dias depois recebeu de prenda o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que lhe permitiu destruir a acusação com base na prescrição de quase todos os crimes. Aquilo que o acórdão em causa – n.º 90/2019 – diz, em termos muito simples, é isto: a contagem da prescrição do crime de corrupção activa começa a partir do momento que a promessa de corrupção é feita, e não quando o dinheiro é entregue ao corrupto, e muito menos aquando do último suborno.
Imaginem que Ricardo Salgado acordava corromper José Sócrates em 2005, entregava a primeira tranche em 2007 e continuava a entregar-lhe dinheiro até 2011. Manda o bom senso que a prescrição do crime de corrupção comece a contar a partir de 2011, certo? Errado, segundo o TC: a contagem começa em 2005. O que significa – porque o prazo de prescrição da corrupção para acto lícito em 2005 era de apenas cinco anos – que em 2011 José Sócrates já estaria a receber dinheiro de um crime prescrito. Se declarasse o valor ao fisco e pagasse o respectivo imposto, provavelmente o dinheiro até seria legal. Viva o Estado de direito português!
O acórdão teve como relator Claudio Monteiro e recebeu os votos favoráveis dos conselheiros José Teles Pereira e João Pedro Caupers, actual presidente do TC. A conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros votou contra e deixou uma declaração de vencida duríssima, na qual afirma que o “Tribunal Constitucional exorbitou a sua jurisdição”, e acrescenta que o conteúdo daquele acórdão poderia vir a ter (parece que é bruxa) “custos irreparáveis para o prestígio da Justiça e do Estado de direito”.
As instituições que deviam proteger-nos estão a alimentar uma cultura de impunidade – e não se vê quem esteja disposto a combatê-la e a travá-la
A segunda estranheza é esta: logo por azar, o conselheiro Claudio Monteiro, que apenas esteve três anos no TC (entrou em Julho de 2016 e renunciou ao cargo em Janeiro de 2020, mudando-se para o Supremo Tribunal Administrativo), foi escolhido pelo Partido Socialista e é um antigo deputado do PS. Significa isto que tal acórdão foi redigido para fazer favores a alguém? Não significa. Mas significa que a transumância entre a política partidária e o Tribunal Constitucional é péssima, e que o sistema, tal como o conhecemos, tem guardas pretorianos nas mais elevadas posições. Isto desprestigia o regime, alimentando todas as desconfianças.
Os tristes factos são estes: a acusação da Operação Marquês foi entregue em 2017 para depois ser dinamitada em 2021 por um juiz que baseou a sua decisão num acórdão do TC de 2019. Um acórdão absurdo e insensível ao mais elementar bom senso. As instituições que deviam proteger-nos estão a alimentar uma cultura de impunidade – e não se vê quem esteja disposto a combatê-la e a travá-la."
No comments:
Post a Comment