De cada vez que alguém subscreve um contrato em nome do Estado, um ente abstracto sem capacidade volitiva própria, a probabilidade de o resultado desse acto redundar em perdas para os contribuintes é muito alta. Tão alta que é raro o dia, se é que há algum, em que não seja noticiado um caso em que os contribuintes não sejam burlados ou, no mínimo, vítimas da irresponsabilidade material, porque não estão em causa interesses materiais próprios, de quem actuou como representante do Estado.
O sr. Carlos Costa termina o seu mandato hoje, mantém-se em funções até que o sr. Mário Centeno ocupe o lugar. Costa atribuiu em Novembro de 2016, vd. aqui, sem mencionar o nome, os sucessivos escândalos na banca portuguesa a deficiências nas funções de supervisão durante o mandato do seu antecessor.
Espera-se que o Centeno não desiluda e promova, até onde possa ir, a recuperação de pelo menos parte dos rombos, para não dizer roubos, cometidos no Orçamento do Estado por agentes que subscreveram contratos ruinosos paras as finanças públicas.
----
Novo Banco vendeu activos com 70% de desconto a fundo ao qual o seu chairman esteve ligado
Até ser nomeado chairman do Novo Banco, Byron Haines liderou
um banco detido pelo fundo Cereberus. Foi a este fundo que o banco
vendeu 200 imóveis com uma perda de 328 milhões de euros. Uma queixa à
autoridade europeia denuncia “gestão ruinosa”, “conflito de interesses” e
pede uma investigação criminal. - aqui
Em Agosto de 2019, o Novo Banco vendeu um lote de quase 200 imóveis
com um desconto próximo de 70%, a entidades ligadas ao fundo
norte-americano Cerberus. A operação ter-se-ia destacado apenas pela
perda de 328,8 milhões de euros caso o fundo comprador não fosse o
principal accionista do banco austríaco BAGAW P.S.K. que foi gerido por
Byron Haines até este assumir o cargo de chairman da instituição financeira portuguesa.
Os indícios de conflito de interesse e de eventuais decisões ruinosas
no Novo Banco deram origem a uma queixa reportada à ESMA, Autoridade
Europeia de Mercados e Títulos, na qual também se requer que se apure se
“pessoas politicamente expostas” estiveram envolvidas na transacção.
No dia 7 de Agosto de 2019 o Novo Banco vendeu por 159 milhões de
euros um lote de 195 propriedades agregadas a sociedades detidas
indirectamente pelo fundo norte-americano Cerberus,
que as adquiriram com um desconto de 67,9%. O valor bruto
contabilístico da carteira de activos imobiliários era de 487,8 milhões
de euros e o conjunto incluía 1.228 unidades individuais, de diferentes
usos (industrial, comercial, terrenos e residencial), abarcando também
estacionamentos. A gestão do Novo Banco baptizou a transacção de
“Project Sertorius”.
Contas feitas, o negócio implicou uma perda de 328,8 milhões de euros
em relação ao valor dos activos registados no banco, ainda que tenha
ocorrido num contexto em que o mercado imobiliário em Portugal se
valorizou 15,6% em cinco anos. O fundo
nova-iorquino Cerberus relacionado com os veículos que adquiriram os
imóveis desvalorizados é, desde 2006, o dono do banco austríaco BAGAW P.S.K., cujo CEO foi, até Março de 2017, Byron Haynes. Trata-se do actual chairman do Novo Banco, em funções desde Outubro de 2017.
Todas
as informações constam da queixa enviada a 30 de Dezembro de 2019
à ESMA, e quem a subscreve tem envolvimento e interesse directo no Novo
Banco. Na denúncia, é sublinhado que o desconto de 67,9% “oferecido pelo
Conselho de Administração do Novo Banco” às sociedades do universo do
fundo Cerberus consistiu “numa decisão ruinosa”. E, por isso, é pedido
que a autoridade europeia garanta o “direito” de os stakeholders,
do banco saberem se apurarem as razões que levam “o Novo Banco a vender
activos abaixo do seu valor.” Na queixa, é também realçado que “o
Project Sertorius foi executado num claro conflito de interesses, dado
que Haynes, o chairman do Novo Banco, foi até final de 2017 o CEO
do BAGAW P.S.K., do qual o Cerberus é o accionista.”
Chairman na supervisão
Depois de, em Outubro de 2017, o fundo norte-americano Lone Star ter concretizado a compra de 75% do banco português
(injectando quase mil milhões de euros), e ter assumido o controlo
total da gestão, foi buscar o britânico Byron Haynes, para presidir ao
CGS (Conselho Geral e de Supervisão, o equivalente a uma administração
não executiva) do Novo Banco, que é reportado na qualidade de
independente. A escolha do britânico, devido à sua experiência de gestão
no banco austríaco BAGAW P.S.K., sob fiscalização europeia, serviu então para legitimar a presença do Lone Star como accionista de controlo do Novo Banco.
Apesar de ser o chairman do Novo Banco, o CGS indicou-o para
integrar três dos principais órgãos de controlo interno. Um deles é o
comité de risco (onde está também o vice-presidente Karl-Gerhard Eick), a
que preside, que tem, entre outras competências, a análise das
operações de crédito e a tomada de decisões sobre alterações de
políticas de risco.
Haynes preside ainda ao comité de
remunerações, que aprova a contratação de colaboradores com remuneração
anual superior a 200 mil euros. E integra o comité para as matérias
financeiras, que faz o “acompanhamento e a supervisão
da performance financeira”, das “políticas e processos de reporte de
contas e no acompanhamento do auditor externo”, este encabeçado pelo seu
número dois, Gerhard Eick, apresentado como independente, mas que está
relacionado com a Lone Star (IKB).
Quem a assina a denúncia,
sugere à directora executiva da ESMA, Verena Ross, que equacione avançar
com um pedido de investigação criminal aos actos de gestão do Novo
Banco, deixando questões para serem respondidas: “Qual é nome do último
beneficiário das entidades detidas indirectamente pelos fundos de
investimentos geridos pelo Cerberus?”; “Qual é o montante de crédito
concedido pelo Novo Banco ao Cerberus Capital na transacção do
Project Sertorius”; “Porque que é que o Novo Banco está a esconder
informação pública relevante?”; “Será para esconder os montantes de
compensação pedidos ao governo português no âmbito do Acordo de Capital
Contingente?”; ou, ainda, para saber se a ausência de informações
acontece “devido às decisões ruinosas do Conselho de Administração do
Novo Banco?”
Logo nas primeiras linhas da queixa, é mencionado que
o objectivo da comunicação é denunciar as “irregularidades no Novo
Banco associadas à apresentação de informação e de práticas
contabilísticas relativamente à venda do portfolio de imóveis, conhecido
como Project Sertorius”. A autoridade europeia é instada a obrigar o
Novo Banco a prestar informação completa aos stakeholders sobre
esta operação, em particular sobre os valores de venda dos activos
imobiliários, com o tal desconto de 67,9%, assim como a sua localização
geográfica. Na mesma carta, com três páginas, é descrito que o mecanismo
de capital contingente “permite enganar o Estado português com
operações como” a do “Projecto Sertorius”.
“Tudo o que se passa no Novo Banco
só foi possível devido às condições do acordo de venda fechado em
Outubro de 2017”, é referido à ESMA. E isto porque, explicam os autores
da queixa, o negócio está protegido por uma almofada de capital
(público) contingente de 3,89 mil milhões de euros, a que o Novo Banco
pode aceder automaticamente sempre que necessitar de repor os rácios de
capital nos patamares definidos ou acomodar as perdas relacionadas com
créditos. E é precisamente o que o Lone Star tem vindo a fazer nos
últimos dois anos e meio. Desde Outubro de 2017 que o Fundo de
Resolução, que é risco público, já injectou no Novo Banco 2,9 mil milhões de euros (2, 1 mil milhões dos quais com empréstimos do Tesouro), do bolo de 3,89 mil milhões.
O
procedimento é este: o Novo Banco solicita ao Fundo de Resolução acesso
ao mecanismo de capital contingente, o Fundo de Resolução, gerido no
quadro do BdP, após verificar se as condições do protocolo assinado são
respeitadas, autoriza e informa o Conselho de Administração do BdP da
sua avaliação. E é a equipa de Carlos Costa que comunica o pedido ao
Ministério das Finanças que transfere os fundos, a título de empréstimo ao Fundo de Resolução, a 40 anos.
A negociação deste acordo que envolve a utilização de dinheiros
públicos foi encabeçada por Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado
das Obras Públicas de Pedro Passos Coelho, que actuou por delegação do
BdP, ainda chefiado por Carlos Costa. O primeiro contrato, de 12 meses,
assinado (em 2015) com Monteiro custou ao Fundo de Resolução 304,8 mil
euros brutos e o último de seis meses mais 152,4 mil.
Quando o
acordo foi assinado o Fundo de Resolução (que era o dono de 100% do
Novo Banco) era presidido pelo vice-governador José Ramalho, mais tarde
substituído por Luís Máximo dos Santos,
agora no cargo. Já no Ministério das Finanças estava em Outubro de 2017
Mário Centeno, que em Junho último renunciou, para ser indicado por
António Costa como próximo governador do BdP. E será agora nessa nova
função (ainda por formalizar), que terá de decidir sobre futuros pedidos
de injecções de fundos.
No comments:
Post a Comment