Monday, August 07, 2017

O QUE NÃO DIZEM OS ESPECIALISTAS

Enquanto à volta da mesa se discutia a questão da insegurança nacional tendo como pratos fortes do dia o descalabro dos incêndios florestais e o roubo das armas em Tancos, o Veríssimo beberricava a terceira imperial, mastigava tremoços dos pratos mais próximos depois de esgotado o que tinha à frente, olhando por cima das lentes de ver ao longe os intervenientes quando a polémica aquecia. 
...
- Temos militares a mais e bombeiros a menos.
- Não há bombeiros a menos. O que eles estão é mal treinados... Não há defesa interna e defesa externa, os bombeiros profissionais deveriam ser integrados nas forças armadas e a estas deveria ser atribuída a responsabilidade da defesa total do território incluindo os incêndios. Os voluntários ficariam com as atribuições restantes, o transporte de doentes ...
- Não estou a ver, nada, o que é que há de comum entre militares e bombeiros ...
- Eu penso que ele tem razão. Se há coisa que os militares sabem fazer é definir estratégias de ataque e atingir objectivos...
- Essa é uma anedota?
- ?
- Pois se os tipos até as armas deixaram roubar!
- Quem pouco faz menos lhe apetece fazer. Sem guerra, a tropa adormece. Os militares não têm grande coisa a fazer para além de uns quantos, poucos, enviados para missões internacionais. Temos 35 mil militares! 35 mil!
- Continuo a não entender o que é que tem a tropa que ver com os incêndios ...
- Imagina tu que há um inimigo, não imagino quem possa ser mas partamos do princípio que o território nacional pode ser invadido por um inimigo externo, se não, não faria sentido haver tropa incumbida da defesa territorial. Que meio fácil, eficaz e praticamente gratuito disporia esse inimigo para causar a maior perturbação no território que pretendia ocupar? Incendiar no verão matas e florestas de norte a sul, não? Que capacidade de defesa sobraria a uma população num país todo a arder? Portugal é, no verão, um extenso barril de pólvora.
- Então é preferível retirar a pólvora a meter os militares no meio dela.
- Não é possível retirar tanto combustível. 
- Mas é possível reduzi-lo ...acabem com os eucaliptos, plantem sobreiros, árvores que não ardam ...
- Essa é outra anedota?
- ?
- O que é que não arde?
- Os eucaliptos ardem mais, é o que dizem os especialistas ...
- Não. Os especialistas não dizem isso. O que os especialistas dizem é que a propriedade florestal, e, já agora, a propriedade agrícola, deve ser redimensionada de modo a que seja economicamente viável e defensável, nomeadamente contra os incêndios. Mas enquanto isso não acontece, e não se sabe quando acontecerá porque é matéria politicamente altamente inflamável, há que combater os fogos florestais. E aí os proprietários de grandes plantações de eucaliptos - não há florestas de eucalipto em Portugal, há plantações de eucaliptos, com ciclos de corte,  e povoamentos mistos florestais mistos com eucaliptos - sabem como isso se faz. A prova disso é a reduzida sinistralidade de incêndios em propriedades das celuloses. Deviam ouvi-los em vez de atacá-los ...
- Se todos os proprietários florestais fossem obrigados a manter as matas limpas ...
- Já são obrigados ...
- Mas não são penalizados.
- Sabes quantos proprietários florestais há em Portugal?
- Há muitos ...
- Mas quantos?
- Nunca os contei.
- Há mais de trezentos e cinquenta mil!
- Fora aqueles que apenas são proprietários de matos de e silvas!

- E eu sou um deles, disse o Veríssimo ao mesmo tempo que limpava vestígios de tremoços que se tinham anichado no bigode.
Tenho um terreno que os meus pais me deixaram, era uma vinha mas agora é mato.
Ao lado, ainda há uma vinha, mas o resto do vale onde havia vinhas agora só há mato.
Diz-me o dono da vinha, meu vizinho, que o mato já tem mais de metro e meio de altura. Foi cortado há três anos, custou-me uma pipa de massa, seiscentos euros. Já disse ao dono da vinha que lhe vendo o terreno, mas pelos vistos ele não o quer nem dado. O que é que vocês me recomendam que faça ao terreno?

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