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O símbolo da Justiça, que para a querer equânime a traja de cabra-cega, ajusta-se bem, em Portugal, ao jogo dos muitos processos que a risos contidos ou gargalhadas sonoras se escapam aos seus passos descontrolados e às suas mãos desorientadas, até que ela se cansa ou se diz cansada e dá o jogo por prescrito.
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Mas nem sempre: porque ou a justiça é vesga ou a venda é translúcida e distorce-lhe as perspectivas, ela encaminha-se, muitas vezes, por onde não lembraria ao Diabo.
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"PAI OU CRIMINOSO?
É possível um homem ser condenado a seis anos de cadeia por querer ser pai adoptivo? É. Sucedeu em Portugal. Ontem, para nossa vergonha.
Nuno Pacheco, in Público, 2007/01/17 "
2 comments:
“PARA NOSSA VERGONHA”
Viva.
O texto, intitulado “PAI OU CRIMINOSO” vale pelo fim, quando diz, “ para nossa vergonha”. Esta expressão, que penso referir-se à Justiça Portuguesa, estará correcta, mas por outras razões quanto a mim mais abrangentes, que não por esta decisão do tribunal de Torres Novas.
Não sei qual é a formação académica e prática profissional do autor do texto, mas não me parece ser jurista. Ora não o sendo, não é especialistas em termos de julgar uma decisão de um técnico de Direito, que por acaso é Juiz. Eu, que também não sou jurista (sou lá das contas), não vou nem acho que se deva ir por aí. Porque em primeiro lugar está a lei. Está mal a lei, revoguemo-la. Porque entre nós há logo aquela mania de dar um palpite (geralmente a tender para a agressão), que neste texto se expressa naquela frase final... “para nossa vergonha” . Mas qual vergonha? A vergonha da Justiça não se vislumbra aqui (mas sim noutros casos que podemos vir a falar um dia...), porque o Tribunal condenou o pai adoptivo por crime de sequestro, previsto no art º 158 do C. Penal. Pelos vistos havia outra via, que era considerar a atitude do pai adoptivo, como crime de subtracção de menor, art º 249º do C. Penal.
A pergunta do texto, se pode um pai ser condenado por querer ser pai adoptivo?, não faz sentido nenhum. Querer ser pai adoptivo!... Ma também há querer nesta matéria? Não, quando muito, haverá a possibilidades de ... se houver condições para tal e dentro destas condições está o querer do adoptado.
O que se passou não foi nada essa do sargento querer ser pai adoptivo. A bronca está em que, parece-me não haver motivo para se considerar sequestro, causa próxima da condenação, quando o bem jurídico lesado não está privada da sua liberdade. O Juiz entendeu que sim, que existe uma privação da liberdade da criança, que não tem vontade própria, e na decisão foi considerado que o pai adoptivo está reter a criança. Ah....sim, reténs, então vais parar à cadeia. Seis anos. Estou de acordo. Num Estado de Direito a lei é para se cumprir.
João Brito Sousa
Olá JB Sousa!
Concordo inteiramente consigo de que as leis são para se cumprirem ou alterarem. Quanto a este ponto, nenhuma discordância.
Quanto ao caso em questão, tenho as maiores dúvidas acerca da legitimidade que assistiu ao juiz na sentença que proferiu. Porque se as decisões do Tribunal devem ser cumpridas, as mesmas decisões não gozam de qualquer estatuto de indisputabilidade moral.
Dito de outro modo: Que direitos assistem a um pai "biológico" que se furtou durante toda a vida (ainda que muito curta) da criança até a conhecê-la? Que instintos movem este "homem" para reivindicar agora, e só agora, a tutela da criança?
Estas são, pelos vistos, algumas das interrogações daqueles que, de perto, conhecem os protagonistas desta história vergonhosa, mesmo que o termo não caiba nos Códigos de Direito.
Depois também eu reputo a justiça como pilar fundamental de um estado democrático. Acontece que, lamentavelmente, ela tem vindo a dar de si uma imagem que nos faz recear que se abram brechas irreparáveis na nossa democracia.
Obrigado pelo seu comentário. Volta sempre.
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