O insuspeito de alinhamento com os republicanos, Washington Post, do passado dia 9 de Abril, publicava, no seu Magazine, suplemento do jornal aos domingos, um artigo sintomático do estado de espírito dos norte-americanos que habitam na capital e redondezas, Norte da Virgínia e Marilândia, depois do 11 de Setembro de 2001: “Rallying ´round the flag” , de William Duke.
É importante realçar o facto de a população que habita em Washington DC e à sua volta votar, tradicionalmente, no partido democrático. Bush obteve nas duas eleições os piores resultados nesta área.
O artigo é relativamente longo mas o que o autor procura é ilustrar com alguns dados a evolução da situação nesta zona depois dos acontecimentos que abalaram a América de uma forma que até aí nunca experimentara no seu próprio território.
“E o facto é que, desde o 11 de Setembro de 2001, a vida tem corrido bem ... A área de Washington tem desfrutado, de longe, das melhores condições económicas de toda a nação durante os últimos quatro anos. O que não nos mata enriquece-nos”, conclui, à partida.
“Era isto o que bin Laden pretendia?”
“O colapso das torres gémeas transmitido em directo pelas televisões, e o ataque ao Pentágono, polarizou as preocupações do governo – isto é, a despesa – de uma forma tão intensa nunca observada desde Pearl Harbor”.
O efeito conjugado de aumento das despesas federais, em grande parte aplicadas em sistemas digitais de segurança e defesa, e das reduções de impostos, têm propulsionado o consumo e a construção civil a ritmos de crescimento sem precedentes. As consequências sobre o déficit gémeo não parecem preocupar a maioria dos americanos, satisfeitos com os chineses que lhes fornecem a preços imbatíveis os produtos que eles deixaram de estar interessados em produzir e a financiar-lhes, em grande medida, o consumo e investimentos públicos através da compra de títulos de dívida pública. O Banco da China, aliás, detêm já o mais elevado volume de reservas, tendo ultrapassado recentemente o Japão, não vai deixar de aplicar os seus excedentes, em grande parte, em dólares. Mas os americanos não contam apenas com as remessas dos chineses. Há mais remetentes.
Segundo os cálculos do Centro de Análise Regional da Universidade George Mason, divulgados pelo seu director, Stephen Fuller, citado no mesmo artigo, “sem o 11 de Setembro, os contratos com o governo federal ter-se-iam situado em 5,5 biliões de dólares nos últimos quatro anos, mas com o 9/11 o seu valor subiu para 18 biliões...determinando a criação de 200 mil novos empregos... principalmente nas áreas científicas, técnicas, da gestão, consultoria e novos programas informáticos, mas também baby-sit, cortadores de relva, limpeza de casas”.
“Uma amostra, referente a Janeiro, do Washington Technology magazine dá uma ideia do tipo de contratos que estão a ser celebrados com o governo federal:
Man Tech International Corp., Fairfax, Va, ganhou um contrato de 300 milhões de dólares, …para a prestação de serviços ao Exército no Afeganistão e no Iraque...
Multimax Inc., Md, ganhou um contrato... de 75,7 milhões de dólares para fornecer serviços na área das telecomunicações à Força Aérea...
Science Applications International Corp. …ganhou dois contratos no valor de 68,4 milhões de dólares ... com os Centros de Prevenção e Controle de Doenças”
O reverso desta medalha é, no mínimo, preocupante. Ao mesmo tempo que a economia norte-americana, e em particular na área da capital, produz aceleradamente software e sensores, as economias dos estados muçulmanos produzem extremistas ao mesmo ritmo, receia ainda o autor do artigo.
A ideia de um Plano Marshall para o Médio Oriente que possibilitasse o crescimento económico e a melhoria das condições de vida naquela área do globo, reduzindo assim as condições ambientais em que se choca o terrorismo, não parece ter alguma hipóteses de vingar porque não existem nela nem as competências nem a conjunção de vontades que permitiram o sucesso daquele Plano na reconstrução da Europa do pós-guerra.
Aliás, continuam as dificuldades na recuperação da área devastada pelo Katrina, em New Orleans, onde se confrontam interesses muito divergentes, ainda que todos eles norte-americanos. De modo que é difícil contrariar aqueles que duvidam da capacidade dos Estados Unidos para reconstruírem o Iraque quando têm tido tanta dificuldade em recuperar uma parte do seu próprio território.
Este conjunto de reflexões suscita várias leituras, a mais apressada das quais nos sugere os benefícios da guerra, e só depois uma outra, inevitavelmente, nos impõe a interrogação acerca dos seus prováveis horrores.
Três dias após a publicação deste artigo, dia 12 de Abril, o mesmo Washington Post, noticiava no topo da primeira página que:
“No dia 29 de Maio de 2003, 50 dias após a que de Baghdad, o Presidente Bush proclamou uma vitória prematura no Iraque: Dois pequenos atrelados capturados pelas tropas norte-americanas e curdas foram tidos como o objectivo longamente perseguido de encontrar os laboratórios biológicos e ele declarou: Encontrámos as armas de destruição maciça.”
“A informação de uma missão enviada nessa altura ao Irão, e da qual até agora não tinha sido dado conhecimento público, concluía que os atrelados nada tinham a ver com armas biológicas. Essa informação foi prestada ao presidente a 27 de Setembro, dois dias antes da proclamação”
e, ao lado desta notícia, esta outra:
“O Irão conseguiu enriquecer urânio a níveis mais elevados, disse o Presidente Mahmoud Ahmadinejad, ... Anuncio oficialmente que o Irão junta-se ao grupo de nações que dispõem de tecnologia nuclear... Este é um momento histórico... é o começo do progresso do nosso país” .
Até hoje, as previsões mais insistentes acerca da evolução da guerra no Médio Oriente em geral e no Iraque em particular, e das suas consequências, têm caprichado por atirarem em sentido contrário ao da evolução observada:
- Bush mentiu ao povo americano, invocando como razão fundamental para a invasão do Iraque a existência de armas de destruição maciça que, soube-se depois, não existirem de todo; a famigerada encenação à volta dos atrelados acabou agora por confirmar a precipitação dos propósitos da administração americana ao invocar as razões que invocou para a invasão; contudo, o povo americano acabou por atribuir a Bush, contrariando muitos prognósticos que o davam por vencido, um segundo mandato sem as dúvidas e atribulações de toda a espécie que lhe conferiram o primeiro.
- A redução dos impostos agravou o déficit do orçamento e incentivou o consumo, agravando o déficit comercial; aparentemente, e contrariamente ao que muitos pressagiaram, os fluxos de entrada de capitais têm sustentado bem os desequilíbrios observados;
- A economia dos Estados Unidos no pós 11 de Março não se ressentiu do esforço da guerra; antes, pelo contrário, tem crescido com consistência a ritmos superiores aos da União Europeia;
- O dólar, tem mantido a sua paridade relativamente ao euro dentro de um intervalo de variação bem longe das previsões que auguravam desvalorizações substanciais;
- A ameaça do terrorismo não pôs em debandada a população residente à volta da capital; o crescimento económico na região envolvente do Distrito de Colúmbia tem atraído muitos profissionais e milhares de emigrantes;
O problema da emigração ilegal, aliás, tem sido objecto, um pouco por toda a parte nos Estados Unidos, de movimentações e manifestações que são o reflexo da atracção que o País exerce sobretudo sobre as populações latino-americanas vizinhas, em particular do México, e das posições divergentes dos norte-americanos, também nas duas câmaras, sobre o assunto;
É espantoso, no entanto, que raramente a causa da presença dos Estados Unidos no Médio Oriente seja atribuída à necessidade de assegurar à sua economia aquilo que lhe é vital e procede em grande parte daquela área do globo: o petróleo.
Até agora, aqueles que davam como certa a retirada americana do Iraque tão sendeira como aquela que os empurrou do Vietname, não se confirmou nem é previsível que venha a confirmar-se por uma simples razão: os americanos não podem retirar do Médio Oriente enquanto não for descoberta alternativa economicamente viável para o petróleo.
Todas as civilizações, segundo Jared Diamond, in Collapse, se extinguiram à míngua de energia. Talvez a sua conclusão seja forçada ou demasiadamente simplista, mas é inegável que a sobrevivência da economia-norte americana, e, por idênticas razões, de todas as economias desenvolvidas depende indiscutivelmente do petróleo, e fundamentalmente do petróleo do Médio Oriente.
Atolados no Afeganistão e no Iraque que podem os Estados Unidos fazer agora relativamente ao Irão, que se gaba de ter entrado no clube do nuclear, e onde os chineses pretendem marcar posições sólidas quanto à exploração do crude? Que pode fazer a comunidade internacional se os norte-americanos lhe endossarem o problema?
Provavelmente, nada.
Até ao dia em que desabe sobre o mundo a histeria do petróleo. Ontem, o preço do barril já ultrapassou os 70 dólares. Há quem preveja que atinja os 200 dólares até ao fim desta década. Oxalá se engane.
Porque as árvores não crescem até ao céu e os déficits também não.
E porque o que não mata só engorda enquanto não mata.
É importante realçar o facto de a população que habita em Washington DC e à sua volta votar, tradicionalmente, no partido democrático. Bush obteve nas duas eleições os piores resultados nesta área.
O artigo é relativamente longo mas o que o autor procura é ilustrar com alguns dados a evolução da situação nesta zona depois dos acontecimentos que abalaram a América de uma forma que até aí nunca experimentara no seu próprio território.
“E o facto é que, desde o 11 de Setembro de 2001, a vida tem corrido bem ... A área de Washington tem desfrutado, de longe, das melhores condições económicas de toda a nação durante os últimos quatro anos. O que não nos mata enriquece-nos”, conclui, à partida.
“Era isto o que bin Laden pretendia?”
“O colapso das torres gémeas transmitido em directo pelas televisões, e o ataque ao Pentágono, polarizou as preocupações do governo – isto é, a despesa – de uma forma tão intensa nunca observada desde Pearl Harbor”.
O efeito conjugado de aumento das despesas federais, em grande parte aplicadas em sistemas digitais de segurança e defesa, e das reduções de impostos, têm propulsionado o consumo e a construção civil a ritmos de crescimento sem precedentes. As consequências sobre o déficit gémeo não parecem preocupar a maioria dos americanos, satisfeitos com os chineses que lhes fornecem a preços imbatíveis os produtos que eles deixaram de estar interessados em produzir e a financiar-lhes, em grande medida, o consumo e investimentos públicos através da compra de títulos de dívida pública. O Banco da China, aliás, detêm já o mais elevado volume de reservas, tendo ultrapassado recentemente o Japão, não vai deixar de aplicar os seus excedentes, em grande parte, em dólares. Mas os americanos não contam apenas com as remessas dos chineses. Há mais remetentes.
Segundo os cálculos do Centro de Análise Regional da Universidade George Mason, divulgados pelo seu director, Stephen Fuller, citado no mesmo artigo, “sem o 11 de Setembro, os contratos com o governo federal ter-se-iam situado em 5,5 biliões de dólares nos últimos quatro anos, mas com o 9/11 o seu valor subiu para 18 biliões...determinando a criação de 200 mil novos empregos... principalmente nas áreas científicas, técnicas, da gestão, consultoria e novos programas informáticos, mas também baby-sit, cortadores de relva, limpeza de casas”.
“Uma amostra, referente a Janeiro, do Washington Technology magazine dá uma ideia do tipo de contratos que estão a ser celebrados com o governo federal:
Man Tech International Corp., Fairfax, Va, ganhou um contrato de 300 milhões de dólares, …para a prestação de serviços ao Exército no Afeganistão e no Iraque...
Multimax Inc., Md, ganhou um contrato... de 75,7 milhões de dólares para fornecer serviços na área das telecomunicações à Força Aérea...
Science Applications International Corp. …ganhou dois contratos no valor de 68,4 milhões de dólares ... com os Centros de Prevenção e Controle de Doenças”
O reverso desta medalha é, no mínimo, preocupante. Ao mesmo tempo que a economia norte-americana, e em particular na área da capital, produz aceleradamente software e sensores, as economias dos estados muçulmanos produzem extremistas ao mesmo ritmo, receia ainda o autor do artigo.
A ideia de um Plano Marshall para o Médio Oriente que possibilitasse o crescimento económico e a melhoria das condições de vida naquela área do globo, reduzindo assim as condições ambientais em que se choca o terrorismo, não parece ter alguma hipóteses de vingar porque não existem nela nem as competências nem a conjunção de vontades que permitiram o sucesso daquele Plano na reconstrução da Europa do pós-guerra.
Aliás, continuam as dificuldades na recuperação da área devastada pelo Katrina, em New Orleans, onde se confrontam interesses muito divergentes, ainda que todos eles norte-americanos. De modo que é difícil contrariar aqueles que duvidam da capacidade dos Estados Unidos para reconstruírem o Iraque quando têm tido tanta dificuldade em recuperar uma parte do seu próprio território.
Este conjunto de reflexões suscita várias leituras, a mais apressada das quais nos sugere os benefícios da guerra, e só depois uma outra, inevitavelmente, nos impõe a interrogação acerca dos seus prováveis horrores.
Três dias após a publicação deste artigo, dia 12 de Abril, o mesmo Washington Post, noticiava no topo da primeira página que:
“No dia 29 de Maio de 2003, 50 dias após a que de Baghdad, o Presidente Bush proclamou uma vitória prematura no Iraque: Dois pequenos atrelados capturados pelas tropas norte-americanas e curdas foram tidos como o objectivo longamente perseguido de encontrar os laboratórios biológicos e ele declarou: Encontrámos as armas de destruição maciça.”
“A informação de uma missão enviada nessa altura ao Irão, e da qual até agora não tinha sido dado conhecimento público, concluía que os atrelados nada tinham a ver com armas biológicas. Essa informação foi prestada ao presidente a 27 de Setembro, dois dias antes da proclamação”
e, ao lado desta notícia, esta outra:
“O Irão conseguiu enriquecer urânio a níveis mais elevados, disse o Presidente Mahmoud Ahmadinejad, ... Anuncio oficialmente que o Irão junta-se ao grupo de nações que dispõem de tecnologia nuclear... Este é um momento histórico... é o começo do progresso do nosso país” .
Até hoje, as previsões mais insistentes acerca da evolução da guerra no Médio Oriente em geral e no Iraque em particular, e das suas consequências, têm caprichado por atirarem em sentido contrário ao da evolução observada:
- Bush mentiu ao povo americano, invocando como razão fundamental para a invasão do Iraque a existência de armas de destruição maciça que, soube-se depois, não existirem de todo; a famigerada encenação à volta dos atrelados acabou agora por confirmar a precipitação dos propósitos da administração americana ao invocar as razões que invocou para a invasão; contudo, o povo americano acabou por atribuir a Bush, contrariando muitos prognósticos que o davam por vencido, um segundo mandato sem as dúvidas e atribulações de toda a espécie que lhe conferiram o primeiro.
- A redução dos impostos agravou o déficit do orçamento e incentivou o consumo, agravando o déficit comercial; aparentemente, e contrariamente ao que muitos pressagiaram, os fluxos de entrada de capitais têm sustentado bem os desequilíbrios observados;
- A economia dos Estados Unidos no pós 11 de Março não se ressentiu do esforço da guerra; antes, pelo contrário, tem crescido com consistência a ritmos superiores aos da União Europeia;
- O dólar, tem mantido a sua paridade relativamente ao euro dentro de um intervalo de variação bem longe das previsões que auguravam desvalorizações substanciais;
- A ameaça do terrorismo não pôs em debandada a população residente à volta da capital; o crescimento económico na região envolvente do Distrito de Colúmbia tem atraído muitos profissionais e milhares de emigrantes;
O problema da emigração ilegal, aliás, tem sido objecto, um pouco por toda a parte nos Estados Unidos, de movimentações e manifestações que são o reflexo da atracção que o País exerce sobretudo sobre as populações latino-americanas vizinhas, em particular do México, e das posições divergentes dos norte-americanos, também nas duas câmaras, sobre o assunto;
É espantoso, no entanto, que raramente a causa da presença dos Estados Unidos no Médio Oriente seja atribuída à necessidade de assegurar à sua economia aquilo que lhe é vital e procede em grande parte daquela área do globo: o petróleo.
Até agora, aqueles que davam como certa a retirada americana do Iraque tão sendeira como aquela que os empurrou do Vietname, não se confirmou nem é previsível que venha a confirmar-se por uma simples razão: os americanos não podem retirar do Médio Oriente enquanto não for descoberta alternativa economicamente viável para o petróleo.
Todas as civilizações, segundo Jared Diamond, in Collapse, se extinguiram à míngua de energia. Talvez a sua conclusão seja forçada ou demasiadamente simplista, mas é inegável que a sobrevivência da economia-norte americana, e, por idênticas razões, de todas as economias desenvolvidas depende indiscutivelmente do petróleo, e fundamentalmente do petróleo do Médio Oriente.
Atolados no Afeganistão e no Iraque que podem os Estados Unidos fazer agora relativamente ao Irão, que se gaba de ter entrado no clube do nuclear, e onde os chineses pretendem marcar posições sólidas quanto à exploração do crude? Que pode fazer a comunidade internacional se os norte-americanos lhe endossarem o problema?
Provavelmente, nada.
Até ao dia em que desabe sobre o mundo a histeria do petróleo. Ontem, o preço do barril já ultrapassou os 70 dólares. Há quem preveja que atinja os 200 dólares até ao fim desta década. Oxalá se engane.
Porque as árvores não crescem até ao céu e os déficits também não.
E porque o que não mata só engorda enquanto não mata.
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