Meu caro António,
Há dias deu-nos o tempo da viagem tempo para divagar sobre futebol. Eu gosto de ver futebol mas não lhe concedo nenhum privilégio. Se tenho disponibilidade e o jogo promete, vejo. Anteontem assisti ao Barcelona-Benfica, o Benfica perdeu e mereceu perder. O Barcelona tem melhor equipa, quer isto dizer que, no Barcelona, os brasileiros que lá jogam, com destaque para o Ronaldinho, são melhores do que os brasileiros contratados pelo Benfica. Claro que a bola é de ronda e se o Simão tivesse marcado aquele golo talvez o Benfica passasse a eliminatória. Mas não seria normal.
Com tantos brasileiros de um lado e do outro só mesmo quem seja benfiquista desde pequenino se pode rever naquela equipa como se ela fosse representante do futebol português. Quanto muito é representante do empresariado futebolístico português, das suas capacidades para muitas coisas e também para as mais sórdidas.
Eu, defeito meu, vejo no futebol a arte do espectáculo e do jogo, não vejo mais nada. Sou anómalo, não tenho dúvidas, quanto a isto. Para mim o futebol é um espectáculo e um jogo, e só é desporto porque há um resultado em disputa e é essa disputa que confere ao desporto em geral a adesão popular que fomenta. O circo, por exemplo, arrasta-se frequentemente arruinado porque deixou de ser um espectáculo de luta, como na Roma antiga onde morria o escravo ou a fera ou um dos gladiadores, para ser um espectáculo de arte sem confronto. No circo, se os trapezistas, em vez de voarem sincronizadamente e de forma cooperativa, disputassem entre si os poleiros disponíveis, os perdedores cairiam ao chão para gáudio do público e o circo deixaria de ser um espectáculo repetitivo, interessante para crianças, para se tornar num desporto emocionante para gente de barba dura.
O desporto de alta competição em geral, e o futebol em particular, vive do espectáculo que os novos gladiadores continuam a proporcionar às multidões de desportistas de bancada.
Mas não são apenas as equipas portuguesas e espanholas de futebol que se recheiam de craques brasileiros. Na Europa não há muitas equipas de futebol que não contem com vários brasileiros nos seus plantéis. Em Portugal, há equipas que podem alinhar onze brasileiros no jogo e ainda sentar alguns na bancada. Na Alemanha, que tem uma tradição de grande potência futebolística, os jogadores brasileiros começam a ter presença notória. Na Itália, o mesmo.
Não tenho dúvidas a este respeito: o Brasil é o maior viveiro de futebolistas de gama alta. O Brasil, será este ano, na Alemanha, novamente campeão.
A bola é redonda, e até podem acontecer surpresas. O campeonato do mundo joga-se, na fase a valer, em sistema de mata-mata como diz o Filipão. Trata-se de um torneio exige regularidade mas, principalmente, inspiração, e ás vezes a inspiração é volúvel e nem sempre se enrola aos melhores. Ainda que não seja Hexa este ano, o Brasil conta com os melhores jogadores do mundo na maior parte das onze posições.
O Brasil, este ano na Alemanha, será Hexacampeão, salvo grande perturbação.
E porquê?
Porque o Brasil tem, para o futebol, um universo de recrutamento enorme.
O Brasil é, ainda, um país de grandes contrastes. De forma involuntariamente irónica o título da obra de Stefan Zweig, “O Brasil, País do Futuro”, continua actual.
Há dois Brasis.
Pode argumentar-se, com grande fundamento, que essa dualidade se observa em muitas outras sociedades, mesmo nas mais economicamente desenvolvidas. No Brasil, contudo, o número de pessoas com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, é muito elevado e é neste universo de desesperados que germina o crime mas também se iniciam no jogo da bola os futuros heróis dos estádios de futebol.
O Brasil, esclarece-nos, Stefan Zweig, de forma muito sucinta mas também muito convincente, foi povoado por importações maciças de escravos porque Portugal, pequenino, não tinha gente que se deslocasse para lá, os poucos que havia corriam para a Índia atrás do cheiro da canela.
Como não há fome que não dê em fartura, a economia brasileira tornou-se escravo-dependente, dispensou os avanços tecnológicos na altura crítica e continuou a importação de negros mesmo quando já assumira acabar com ela.
Assim se explica o excedente de uma população que depois de deixar de ser escrava continuou, e continua, marginalizada, e alguns encontram no futebol uma saída que as escolas, por uma razão ou outra, lhes negam. Com excepção das escolas de samba, mas essa é outra história.
Em Portugal também temos problemas, graves, de requalificação de grande parte da nossa população activa. Entre nós também os níveis médios de escolaridade são os mais baixos da Europa. Também isso explica porque é que temos, no futebol, uma projecção internacional que está muito além das nossas dimensões totais.
O universo de recrutamento, contudo, não explica o sucesso todo. É uma condição necessária mas não é uma condição suficiente. Existem outras razões, sociais, culturais, que explicam, por exemplo, porque é que os chineses não são (ainda) campeões de ciclismo, eles que em muitos casos fazem da bicicleta quase uma parte integrante do seu corpo; ou porque é que os indianos, que são tantos, não dão uma para a caixa em matéria de pontapé na bola.
O sucesso, para quem não acredita em diferenciações rácicas de qualquer espécie, tem como base de suporte o universo de recrutamento, qualquer que seja o campo de actividade humana, e realiza-se depois conforme as condições envolventes, isto é a cultura, a tradição, os recursos, entre outras.
Se o Ayrton Senna foi grande na fórmula 1, tal decorreu do facto de existir no Brasil um universo de candidatos que tem acesso à condução de bólides mas, geralmente, não nasceu nas favelas.
Se nos Estados Unidos da América os grandes campeões olímpicos são negros os que brilham no atletismo e brancos os que ganham medalhas em série na natação, é porque os negros têm desde que começam a andar acesso às ruas e os brancos são levados para as piscinas. Se os negros são grandes no basquetebol e no futebol americano é porque não foram para a escola quando deviam ou desistiram de ir antes de tempo. Se os brancos pontificavam no golfe e no ténis é porque essas actividades exigiam recursos e relações geralmente indisponíveis aos negros.
Mas todo o tempo é feito de mudança, já se sabe, e hoje o ranking do golfe é liderado, de forma incontestada há já algum tempo, por um negro, surgiram as manas negras campeãs de ténis, a secretária de estado norte americano é negra, o secretário de estado anterior da actual administração norte-americana negro era, depois de ter sido comandante supremo das forças militares norte-americanas.
No futebol a tendência continuará a ser ainda durante muito tempo para a preponderância dos jogadores brasileiros, para o declínio dos jogadores do norte da Europa, para a emergência de novos campeões a sul, nomeadamente de África.
O desporto de alta competição em geral, e o futebol em particular, vive do espectáculo que os novos gladiadores continuam a proporcionar às multidões de desportistas de bancada.
Mas não são apenas as equipas portuguesas e espanholas de futebol que se recheiam de craques brasileiros. Na Europa não há muitas equipas de futebol que não contem com vários brasileiros nos seus plantéis. Em Portugal, há equipas que podem alinhar onze brasileiros no jogo e ainda sentar alguns na bancada. Na Alemanha, que tem uma tradição de grande potência futebolística, os jogadores brasileiros começam a ter presença notória. Na Itália, o mesmo.
Não tenho dúvidas a este respeito: o Brasil é o maior viveiro de futebolistas de gama alta. O Brasil, será este ano, na Alemanha, novamente campeão.
A bola é redonda, e até podem acontecer surpresas. O campeonato do mundo joga-se, na fase a valer, em sistema de mata-mata como diz o Filipão. Trata-se de um torneio exige regularidade mas, principalmente, inspiração, e ás vezes a inspiração é volúvel e nem sempre se enrola aos melhores. Ainda que não seja Hexa este ano, o Brasil conta com os melhores jogadores do mundo na maior parte das onze posições.
O Brasil, este ano na Alemanha, será Hexacampeão, salvo grande perturbação.
E porquê?
Porque o Brasil tem, para o futebol, um universo de recrutamento enorme.
O Brasil é, ainda, um país de grandes contrastes. De forma involuntariamente irónica o título da obra de Stefan Zweig, “O Brasil, País do Futuro”, continua actual.
Há dois Brasis.
Pode argumentar-se, com grande fundamento, que essa dualidade se observa em muitas outras sociedades, mesmo nas mais economicamente desenvolvidas. No Brasil, contudo, o número de pessoas com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, é muito elevado e é neste universo de desesperados que germina o crime mas também se iniciam no jogo da bola os futuros heróis dos estádios de futebol.
O Brasil, esclarece-nos, Stefan Zweig, de forma muito sucinta mas também muito convincente, foi povoado por importações maciças de escravos porque Portugal, pequenino, não tinha gente que se deslocasse para lá, os poucos que havia corriam para a Índia atrás do cheiro da canela.
Como não há fome que não dê em fartura, a economia brasileira tornou-se escravo-dependente, dispensou os avanços tecnológicos na altura crítica e continuou a importação de negros mesmo quando já assumira acabar com ela.
Assim se explica o excedente de uma população que depois de deixar de ser escrava continuou, e continua, marginalizada, e alguns encontram no futebol uma saída que as escolas, por uma razão ou outra, lhes negam. Com excepção das escolas de samba, mas essa é outra história.
Em Portugal também temos problemas, graves, de requalificação de grande parte da nossa população activa. Entre nós também os níveis médios de escolaridade são os mais baixos da Europa. Também isso explica porque é que temos, no futebol, uma projecção internacional que está muito além das nossas dimensões totais.
O universo de recrutamento, contudo, não explica o sucesso todo. É uma condição necessária mas não é uma condição suficiente. Existem outras razões, sociais, culturais, que explicam, por exemplo, porque é que os chineses não são (ainda) campeões de ciclismo, eles que em muitos casos fazem da bicicleta quase uma parte integrante do seu corpo; ou porque é que os indianos, que são tantos, não dão uma para a caixa em matéria de pontapé na bola.
O sucesso, para quem não acredita em diferenciações rácicas de qualquer espécie, tem como base de suporte o universo de recrutamento, qualquer que seja o campo de actividade humana, e realiza-se depois conforme as condições envolventes, isto é a cultura, a tradição, os recursos, entre outras.
Se o Ayrton Senna foi grande na fórmula 1, tal decorreu do facto de existir no Brasil um universo de candidatos que tem acesso à condução de bólides mas, geralmente, não nasceu nas favelas.
Se nos Estados Unidos da América os grandes campeões olímpicos são negros os que brilham no atletismo e brancos os que ganham medalhas em série na natação, é porque os negros têm desde que começam a andar acesso às ruas e os brancos são levados para as piscinas. Se os negros são grandes no basquetebol e no futebol americano é porque não foram para a escola quando deviam ou desistiram de ir antes de tempo. Se os brancos pontificavam no golfe e no ténis é porque essas actividades exigiam recursos e relações geralmente indisponíveis aos negros.
Mas todo o tempo é feito de mudança, já se sabe, e hoje o ranking do golfe é liderado, de forma incontestada há já algum tempo, por um negro, surgiram as manas negras campeãs de ténis, a secretária de estado norte americano é negra, o secretário de estado anterior da actual administração norte-americana negro era, depois de ter sido comandante supremo das forças militares norte-americanas.
No futebol a tendência continuará a ser ainda durante muito tempo para a preponderância dos jogadores brasileiros, para o declínio dos jogadores do norte da Europa, para a emergência de novos campeões a sul, nomeadamente de África.
Todo o ser humano reage conforme os incentivos. Enquanto os incentivos favorecerem a bola e desfavorecerem a escola, o futebol será um dos grandes motivos de orgulho do Brasil.
E, já agora diga-se, de Portugal também.
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