Anteontem, a rádio (RDP, Antena 2) dava conta do lançamento de mais uma editora no mercado português, desta vez suportada por um grupo italiano ligado a um dos principais jornais diários daquele país. O objectivo, segundo o responsável pela empresa, é o de explorar nichos de mercado até agora não explorados entre nós. E deu como exemplo os temas relacionados com a “História de Portugal”. Provavelmente não escutou o seu colega da Guerra & Paz na semana anterior.
De qualquer modo a história cá do sítio está na moda. O “Expresso” de Sábado passado (3/3) publicitava a edição de uma colecção de 12 histórias encomendadas (também estas, a literatura por encomenda parece estar ser outro novo filão a explorar pelas editoras) e dedicadas aos mais novos. Os textos, dirigidos a crianças até aos nove anos, serão biográficos de outros tantos reis de Portugal e a autora promete neles “ir ao encontro do universo infantil, do sonho, e da criatividade. Mostrar como os reis também foram crianças que brincaram e sonharam”. A Presidente da APH diz que é perfeitamente possível “conciliar o rigor histórico com uma linguagem mais acessível para crianças”.
Não se duvida da capacidade da autora em cumprir os objectivos mas é forçoso reconhecer que se trata de tarefa complicada.
Desde logo, e para começar, tem de contar às crianças que o rei primeiro, D. Afonso Henriques, o único aliás que punha o apelido no cartão de visita, vá lá saber-se porquê, andou a combater a mãe para obedecer à ordens que o pai lhe terá dado, quando estava a morrer, de manter o território herdado em suas mãos. Não parece que seja uma boa história para contar às crianças em idade tão tenra.
Depois, terá de contar que, uma vez resolvido o problema da herança, o conquistador decidiu vir por ali abaixo cortar o pescoço aos muçulmanos que não se rendessem ou não fugissem suficientemente depressa. Uma história políticamente incorrecta não só para as crianças como para os adultos quando a questão dos “cartoon” está a incendiar o mundo da forma que se tem visto.
Depois o D. Dinis, que fez tudo quanto quis, também fez mais bastardos que aqueles que a rainha santa desejaria. Como é que estas coisas se explicam às crianças? Os cantares de amigo são uma saída mas a verdade histórica fica diminuída. De qualquer modo o rei lavrador tem pontas por onde se pegar.
Quem não tem pontas que levem a histórias minimamente contáveis às crianças é D. Pedro I a menos que se conte apenas meia história da carochinha. Contar a história toda com corações arrancados como quem amanha um frango e rematá-la com a coroação de um cadáver, pode contar-se mas dará, seguramente, maus resultados.
E por aí fora.
No começo da década de 50 do século passado, há mais meio século, portanto, os Livros do Brasil encomendaram a Aquilino, para sua colecção de vidas célebres, a biografia de alguns “príncipes, reinantes, ou apenas caudilhos, que deixaram na história mais que uma passagem meteórica…”
“Aquilino Ribeiro olhou para esses grandes de Portugal e pintou-os, como Velásquez fazia, com as tintas do arco-íris. Tais como eram. Melhor, tais como lhe pareceram”.
Assim nasceu “Príncipes de Portugal, suas Grandezas e Misérias” que, pela sua extensão relativamente ao espaço que lhes estava pensado na colecção, saíram à parte dela.
Não era obra para crianças e o governo de então entendeu que também não era para adultos e condenou-a ao índex das obras proibidas. Talvez por excesso de rigor histórico.
Em matéria de histórias da História o mais difícil mesmo é o rigor histórico. Se existe.
Quem não tem pontas que levem a histórias minimamente contáveis às crianças é D. Pedro I a menos que se conte apenas meia história da carochinha. Contar a história toda com corações arrancados como quem amanha um frango e rematá-la com a coroação de um cadáver, pode contar-se mas dará, seguramente, maus resultados.
E por aí fora.
No começo da década de 50 do século passado, há mais meio século, portanto, os Livros do Brasil encomendaram a Aquilino, para sua colecção de vidas célebres, a biografia de alguns “príncipes, reinantes, ou apenas caudilhos, que deixaram na história mais que uma passagem meteórica…”
“Aquilino Ribeiro olhou para esses grandes de Portugal e pintou-os, como Velásquez fazia, com as tintas do arco-íris. Tais como eram. Melhor, tais como lhe pareceram”.
Assim nasceu “Príncipes de Portugal, suas Grandezas e Misérias” que, pela sua extensão relativamente ao espaço que lhes estava pensado na colecção, saíram à parte dela.
Não era obra para crianças e o governo de então entendeu que também não era para adultos e condenou-a ao índex das obras proibidas. Talvez por excesso de rigor histórico.
Em matéria de histórias da História o mais difícil mesmo é o rigor histórico. Se existe.
Contar com ele em contos para crianças, só em doses homeopáticas.
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