Sunday, November 27, 2005

O PRÓXIMO HOMEM E A PRÓXIMA HISTÓRIA


Os motins em França e outras cidades francesas, que depois se estenderam episodicamente a Bruxelas e a outras cidades vizinhas, suscitaram aos analistas políticos um conjunto de explicações que, cumulativamente, incidem:

- no modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes;
- no modelo social europeu;
- nas elevadas taxas de desemprego de jovens;

- No modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes, nomeadamente dos muçulmanos, por oposição ao modelo americano do “melting pot”, tese esta defendida por F. Fukuyama em artigo publicado no “Público” de 6/11, de que se transcreve a seguir a parte final.

Muitos europeus asseguram que o “melting pot” americano não pode ser transplantado para solo europeu. A identidade, aqui, continua enraizada no sangue, na terra e em memórias antigas partilhadas. Isto pode ser verdade mas, se é assim, a democracia na Europa terá grandes problemas no futuro, á medida que os muçulmanos representam uma parte da população cada vez maior. E se a Europa é, hoje, um dos principais campos de batalha da guerra ao terrorismo, esta realidade terá importância para todo o mundo.”

Por outras palavras: ou temos “melting pot” na Europa ou entorna-se o caldo globalmente; se queremos as vantagens do liberalismo económico e da democracia, temos de adoptar políticas de integração por assimilação e não por compartimentação e, sobretudo, temos que obrigar os jovens a trabalhar.

O “The Economist”, na sua edição de 12/18 Novembro, 2005, faz questão de salientar que, a este respeito, na Europa, o Reino Unido se distingue notavelmente do modelo francês. Nestas coisas os britânicos não gostam de ser menos americanos que os próprios.

“ At the top end, the contrast with multicultural Britain is noticeable. There are now 15 British members of parliament from ethnic minorities, including Muslims …There are no black or brown mainland members of the National Assembly; hardly any black or brown faces on national television…As Nicolas Sarkosy, the interior minister and head of the ruling UMP party, often says, “If we want young Muslims offspring of immigrants to succeed we need examples of success, and not only from football.”
- O modelo social europeu como causa dos distúrbios é uma variante da tese anterior e atribui a culpa, em última instância, ao sistema social europeu que dá o peixe em vez de obrigar a pescar, isto é, se puserem os jovens a trabalhar eles irão sossegar.

- Daí que as elevadas taxas de desemprego de jovens são, ainda segundo o mesmo “The Economist”
“A much greater contributor than Islam to the malaise in the suburbs is the lack of jobs. Mr. Chirac promised in 1995 that unemployment would be his top priority, an assertion repeated ten years on by his new prime minister, Dominique de Villepin, when he took office last May. It is here, not in esoteric disputes over different models of assimilation, integration or multiculturalism, that the biggest differences between France and countries such as America and Britain are to be found. Over the past decade de British and American economies have generated impressive growth and plenty of new jobs; the French economy has failed on both counts.”
E refere os números do rastilho da revolta em França:

desemprego em França 10%
desemprego jovens 22%
desemprego jovens muçulmanos 40%

Os muçulmanos representam 10% da população total francesa
Mais de metade da população nas prisões francesas é muçulmana
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Segundo as mesmas fontes (Economist cit. Eurostat; US Bureau of Statistics ) o desemprego dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, apresentava noutros países os valores seguintes:

Itália 24%
Bélgica 23%
Espanha 21%
EU 25 18%
EUA 12% (entre 16 e 24 anos)



Quando, há 13 anos, foi editado “The End of History and the Last Man” de F. Fukuyama a obra foi muito aplaudida no seu lançamento mas viria a necessitar da parte do seu autor uma série de retoques mais ou menos profundos. Fukuyama, professor de Economia Política na Universidade de Johns Hopkins, foi, em certa medida, obrigado a dar o dito por não dito ou a dizer que afinal era outra coisa que queria ter dito.

Passou-se o mesmo com a “Nova Economia” e o anúncio precipitado do fim dos ciclos económicos.

E quem é que imaginaria, há ainda pouco tempo, que um vírus da gripe se vai modificar e pode matar milhões de vidas humanas? À medida que o conhecimento avança os deuses vão-nos colocando armadilhas no caminho.

Fukuyama, apesar do seu incontestado prestígio, já se tem enganado e não está provado que, apesar do “melting pot”, os Estados Unidos não possam vir a defrontar problemas idênticos aos que a França actualmente enfrenta. Sempre que a actividade económica abranda nos EUA aumentam os índices de criminalidade urbana.

Steven D. Levitt, da Universidade de Chicago, galardoado com a John Bates Clark Medal, atribuída de dois em dois anos ao melhor economista com menos de quarenta anos, publicou este ano “Freakonomics”, onde além do mais, dá conta dos resultados a que chegou acerca das consequências da adopção da lei do aborto nos Estados Unidos sobre a criminalidade urbana, concluindo que a lei do aborto teve efeitos decisivos na redução da taxa de criminalidade urbana por ter diminuído o número de adolescentes desintegrados.

Os recentes acontecimentos nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas, não ocorreram seguramente apenas porque, sendo os amotinados muçulmanos ou franceses filhos de emigrantes de outras origens e credos, não estão representados nos órgãos do poder, não fazem parte das forças da ordem, vivem acantonados e não em “melting pot”. O rastilho ateou-se no facto de se sentirem a mais. O “melting pot” poderá conter temporariamente a chama da revolta mas não a evita em definitivo se forem de mais os que se perguntarem,

que faço eu aqui?
Níveis de desemprego, a rondar os 40%, põem muita gente a pensar mesmo que tenham garantida casa, mesa e roupa lavada. E quando um homem se põe a pensar…



PRIMEIRO HOMEM E A PRIMEIRA HISTÓRIA

Toda a gente, ou quase, sabe que a primeira história começa no Jardim das Delícias, a única discussão possível acerca do assunto é onde ele ficava, mas é uma discussão peregrina porque ainda subsistem hoje recantos do tal jardim, onde o homem caça e pesca e come os frutos que a natureza lhe põe ao alcance da mão. O primeiro homem ter-se-á portado mal, o tal pecado original, foi expulso e obrigado a ganhar o pão com o suor do seu rosto.
Mas o mais certo é que se tenha posto a pensar e a pensar tenha complicado a sua vida.

Num dia de trovoada, caiu um raio que pegou fogo à floresta. Depois choveu, o fogo apagou-se e, no rescaldo, o homem encontrou a caça assada. O odor do assado arregalou-lhe as narinas e o primeiro homem concluiu que a caça no carvão era mais saborosa e tenra que a carne crua.

E pensou, pecado original, que melhor seria guardar o fogo aceso quando por lá caísse outro raio incendiário.

Depois concluiu que o fogo, além de assar a carne lhe aquecia a caverna. Tomou-lhe o gosto e tornou-se sedentário à volta do seu fogo. Passou a semear e a colher os seus frutos. Nasceram as comunidades e apareceram os chefes, depois os sacerdotes e os militares, as guerras, as pilhagens, as pragas, os sacrifícios aos deuses e aos outros.

Sem dar bem por isso, às tantas era escravo, depois servo da gleba, proletário, o mundo era outro e o homem pensou e revoltou-se, tinha trabalho a mais e frutos a menos.

O SEGUNDO HOMEM E A SEGUNDA HISTÓRIA

Foi então que alguém pensou: se o homem se revolta por trabalhar demais vamos inventar máquinas para produzir mais e pôr o homem a trabalhar menos.

Inventaram-se as máquinas e com elas a produtividade, um simples quociente entre o que é produzido e os meios utilizados nessa produção. Com as máquinas aumentaram as produções e as produtividades dos homens que as conduzem. Tanta produção gerou a concorrência, e a concorrência novas máquinas e outros meios de produção, maiores produções, melhores produções, outros produtos, maiores produtividades, maiores produções, mais concorrência, alargaram-se os mercados, o mundo tornou-se cada vez mais pequeno, globalizou-se.

E agora, homem?

O TERCEIRO HOMEM E A TERCEIRA HISTÓRIA

Agora cerca de 2% da população activa seria suficiente para produzir os bens alimentares suficientes para alimentar todos os habitantes do mundo. Se tal não acontece não é por falta de meios mas por outras razões.

Nas sociedades economicamente mais desenvolvidas o número de pessoas empregadas no sector primário ronda os 2% mas se forem removidos as barreiras alfandegárias aos produtos das nações mais desfavorecidas aquele valor, já muito baixo, vai reduzir-se.

No sector secundário, o tal que faz as máquinas e produz a energia que substituem o homem, a perseguição da produtividade vai, mais dia menos dia, determinar que não há lugar para mais de 3% da população activa para produzir tudo.

Os serviços terão, então, 95% da população activa ao seu dispor.


O FIM DO HOMEM E A ÚLTIMA HISTÓRIA


A concorrência entre produtores de serviços está em fase de globalização, mas não tão adiantada.
A produtividade dos mais eficientes determinará a localização da produção dos serviços e o número de servidores. Um dia destes haverá lugar, na produção de serviços, quanto muito, para 30% da população activa.

Que farão os 65% restantes?

O trabalho tornar-se-á um bem escasso, a procura (por parte de quem quer trabalhar por não saber fazer outra coisa) excederá brutalmente a oferta de oportunidades. Os manuais de Economia ensinam, logo nas primeiras páginas, que quando a procura excede a oferta os preços aumentam. Se assim é, um dia (sabe-se lá quando) quem quiser trabalhar terá de pagar para experimentar esse gozo limitado. Teremos a economia ao contrário.

Dito de outro modo: Os governos, quase todos os governos, inscrevem nas suas promessas eleitorais a prioridade na criação de empregos. Mas em geral falham. Mas falham, sobretudo, porque globalmente o trabalho está em vias de extinção

Há quem seja de opinião contrária: a produtividade não elimina o emprego, aumenta-o. E apontam, a título de exemplo, os Estados Unidos. A criação de emprego nos Estados Unidos é, contudo, outra história. O crescimento do número de empregos criados nos Estados Unidos, quando ocorre, não decorre substancialmente do aumento de produtividade mas do, até agora, inesgotável afluxo de poupanças provenientes dos grandes aforradores e gabirus do mundo. Voltaremos a ela.

Outros garantem que a descoberta de novas tecnologias induz a criação de novos produtos e de novos serviços. O que é certo. Nenhuma tecnologia, porém, aumenta mais um minuto sequer a cada dia: temos todos 24 horas por dia para consumir, seja o que for. Podemos é desperdiçar ou destruir a uma cadência que 24 horas podem chegar e sobrar.


O HOMEM E A HISTÓRIA, HOJE


Quem consultar http://hdr.undp.org/ terá diante de si o relógio do horror mundial:

CHILD MORTLITY: HUMAN COST OF MISSED TARGETS

CHILDS DEATHS SINCE JANUARY 1st. 2005 9096000 (às 15 horas de 27/11/2005)

Durante o minuto em que consultei o site morreram 20 crianças em todo o mundo, a maioria delas por fome. No mesmo minuto os programas de assistência das Nações Unidas conseguiram salvar 3 crianças.

É assim o mundo que habitamos: revoltam-se e incendeiam milhares de carros milhares de jovens que, sem trabalho, se sentem a mais; morrem milhões de crianças porque não trabalhamos o suficiente para as salvar.

O fim da história será o fim do homem; que ninguém se ponha à espera do último homem, mas invente o próximo. O próximo homem da próxima história.


Saturday, November 26, 2005

NA REPÚBLICA DOS GAMBOZINOS

na república dos gambozinos
os gambozinos estão convencidos que não existem

há vários tipos de república, o mais bacano é o das bananas, mas esse não é o nosso género. a nossa república não é das bananas, a nossa república é dos gambozinos. nós, quanto muito, temos uma região das bananas, a região da madeira, o resto do país não tem condições para isso.

explico porquê:

numa república das bananas a sério se o presidente do supremo tribunal de justiça acusasse o executivo de ser imprudente, incorrecto e indelicado e de ter mentido aos portugueses, o presidente do stj era convencido com argumentos sem recurso, no minuto seguinte, a deixar de o ser.

na república dos gambozinos a pesca é sempre feita em águas turvas, dizem-se umas coisas, mas ninguém vai preso. a república das bananas caracteriza-se pelos sujos costumes, a república dos gambozinos pelos brandos e muitas vossas excelências.

na república dos gambozinos da mágoa faz-se reflexão, na república das bananas, explosão.

só numa república de gambozinos o mais alto magistrado da nação tira o tapete ao executivo, depois de o ajudar a pôr, com a maior displicência e convencido sentido de estado, e não se passa nada.

numa república dos gambozinos só há minúsculas.
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Segundo os jornais,
O Presidente da República disse ontem compreender a posição dos juízes em relação ao Governo e criticou a forma como o Executivo tem justificado algumas políticas para o sector e pediu aos juízes que "façam da mágoa reflexão", na sessão de abertur a do congresso dos juízes portugueses, que ontem começou no Algarve, sob o lema "Justiça, Garantia do Estado de Direito". Na abertura solene do congresso, Jorge Sampaio disse ser "o primeiro a compreender a mágoa" dos magistrados com a abordagem que o Governo tem dado às "relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade" dos juízes. "Ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das férias judiciais constitui, na 1.ª instância, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de atrasos de despachos de maior complexidade ou de decisões com maior fólego", frisou.O Presidente responsabilizou ainda o poder político pelos atrasos na Justiça "A maioria das vezes são causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino não são os juízes responsáveis", considerou.Recorde-se que o Governo diminuiu as férias judiciais de dois para um mês e retirou aos magistrados os serviços sociais do Ministério da Justiça, invocando a necessidade de aumentar a produtividade dos tribunais e acabar com alguns privilégios, de acordo com palavras várias vezes ouvidas ao ministro da Justiça, Alberto Costa.Apesar de ter promulgado os diplomas que introduziram estas alterações, Sampaio contrariou ontem os argumentos do ministro "O presidente da República compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razões para ser instituído e mantido, enquanto fosse financeiramente viável conferir um tratamento específico a quem muito dá à comunidade", disse, apelando aos juízes para que saibam "fazer da mágoa reflexão e projecto que contribua para a edificação da Justiça". Alberto Costa estará no encerramento dos trabalhos, no sábado.marcelo critica. Marcelo Rebelo de Sousa foi um dos oradores de um congresso participado por cerca de 350 juízes, na maioria jovens. O professor considerou que a justiça "nunca foi uma prioridade para o poder político nos últimos 10 anos" e que "é preciso sentido de Estado, humildade e bom senso para encontrar soluções para o sector".Num discurso inflamado, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Nunes da Cruz, acusou o Executivo de José Sócrates de ser imprudente, incorrecto e indelicado, e de ter mentido aos portugueses."O actual poder executivo passou a dizer que os tribunais fecham três meses por ano, o que não é verdade; passou a declarar que os juízes precisam de trabalhar mais para ter a justiça em dia, o que é inverdade; passou a afirmar que os juízes querem estar acima de tudo e de todos, o que não é verdade. Talvez outros o queiram", frisou.As palavras do presidente do STJ caíram mal no seio do partido no Governo. Vitalino Canas, porta-voz do PS para questões de justiça, qualificou o discurso como "crispado" e passível de "pôr em causa o relacionamento entre órgãos de soberania".

Thursday, November 24, 2005

A BOTA

Se um dia destes, neste País, um qualquer objectivo nacional for consensual ou quase, é quase certo que nos mudaram a todos as meninges ou estamos a falar de mais estádios de futebol. Os políticos mudam de opinião como quem muda de camisa, estando na oposição dizem branco, estando no governo, preto, e vice-versa. O pagode fica baralhado e anda de um lado para o outro sem saber bem onde param as modas.

Vejam só o caso da Ota:

O Governo concluiu que o aeroporto da Portela não aguenta mais de 10 anos. Os anteriores governos, ao que parece, também.

Manter a Portela e construir um segundo aeroporto é economicamente inviável.

De modo que das dezasseis hipóteses, sobraram três menos más: a Ota, o Montijo e Rio Frio. Como estas duas últimas não são apoiadas pela União Europeia por razões ambientais, sobra a menos menos má: a Ota.

Isto é, em síntese, o que diz o Governo.

Mas os do Turismo não concordam porque…

Os da CIP não concordam porque…

Os do Porto não concordam porque…

O Presidente da Câmara de Lisboa não concorda porque…

E quem não é especialista em aeroportos, nem tem pretensões, pergunta:

Afinal é preciso ou não sair da Portela dentro de 10 anos? Ou 15, ou 20.
Devíamos começar por aí. É uma questão de números, e muito prosaicamente de estatísticas e aritmética, não? É assim tão difícil porem-se os senhores políticos de acordo sobre este assunto? Ou teremos de concluir que não sabem fazer contas?
É do mais elementar bom senso que uma bota se descalça mais facilmente pressionando primeiro no calcanhar e só depois se empurra o cano e puxa na biqueira.

Sunday, November 13, 2005

MEA CULPA

A propósito de "A culpa é do barro ou dos oleiros?"

Desenvolve uma interessante análise em torno do conceito do barro e dos oleiros. Pena é que esteja suportado por uma falsa ideia. O texto nunca foi publicado no Público, muito menos escrito por EPC. O que é uma pena. Porque andou a construir um edifício teórico em torno de um boato. Ou seja perdeu tempo. E pior: ajudou a propalar um boato, uma falsidade, sem se preocupar com a verificação da sua autenticidade. Deixou-se enganar por uma das mil e uma pequenas fraudes que circulam pela internet ou diariamente entopem as caixas de correio electrónico. Verifique toda a história aqui: http://ablasfemia.blogspot.com.

Quando recebi o e-mail estranhei que o autor fosse EPC. Daí ter referido que de EPC esperava melhor. Mas como o e-mail tinha sido enviado por um amigo, confiei.
Contudo, é certo que muito boa gente acha que o País não anda porque o povo não presta.
E muitos acham que é necessário mais formação para o país progredir, o que é verdade, mas também é verdade que há, hoje, em Portugal milhares de licenciados sem colocação.
Afinal o que é que que faz falta? Bons oleiros, não?

Saturday, November 12, 2005

O FIM DAS ESPÉCIES

"Manuais escolares do estado do Kansas vão poder por em causa a teoria da evolução" - Público.

Há uns anos atrás, não teria acreditado, se me tivessem dito que estas seriam notícias de 10 de Novembro de 2005. Teria pensado em ficção de má qualidade, em devaneios irrealistas sobre a decadência ocidental, em cenários desviantes, marginais, em baterias mal apontadas... (AF)

Um Portugal que não se vê todos os dias atravessa neste momento Lisboa

Fora de Fátima, claro. Mas Fátima é um ecossistema. (JPP)
Abrupto


A forma desinformada como muitas vezes se retrata a sociedade norte-americana leva a uma generalizada convicção na Europa que os norte-americanos são geralmente pouco esclarecidos

Vem isto a propósito das notícias que, de vez em quando, aparecem na nossa Imprensa e que, propositadamente ou não, sublinham alguns aspectos aparentemente ininteligíveis do comportamento da sociedade norte-americana. Um dos mais batidos é a questão à volta do evolucionismo versus criacionismo.

Não pretendo divagar sobre o assunto que, aliás, não é susceptível de discussão científica, mas apenas referir o seguinte:

1 – Cerca de 50% dos norte-americanos está consciente que a espécie humana é resultado de um processo de evolução natural, tendo os desenvolvimentos científicos mais recentes concluído que existe uma similaridade genética da ordem dos 98,4% entre humanos e chimpanzés. O próprio Darwin, certamente, se espantaria com tão elevado grau de proximidade.

2 – Darwin, contudo, ficaria não menos espantado se soubesse que, passados 146 anos sobre a publicação da “Origem das Espécies”, cerca de 50% dos norte-americanos e uma percentagem idêntica de europeus ainda, intransigentemente, rejeita a sua teoria. Em Portugal, quantos? Não sabemos, mas a avaliar pelo que se vê à nossa volta, o número é seguramente muito superior.

3 – A principal razão pela qual o assunto é objecto de discussão, tão badalada, nos Estados Unidos decorre do facto da política tradicional de decisão dos conteúdos de ensino serem votados ao nível dos “town councils” e dos “local school boards”, encorajando uma larga variedade de opiniões que, naturalmente, tendem a competir entre si no sentido de ganhar influência e poder de decisão. Esta descentralização extrema não se faz sentir apenas ao nível do ensino e decorre do modo com os Estados Unidos se formaram.

4 – Tendo sido rejeitadas pelo Supremo Tribunal de Justiça diversas tentativas de validar o Criacionismo como Ciência, os adeptos do Criacionismo (e existem diversos ramos com diferentes perspectivas e diferentes nomes) evoluíram para uma plataforma que consiste grosso modo em afirmarem-se utilizando como contra-argumentos alguns aspectos científicos da teoria que ainda se encontram por confirmar.

5 – Em resumo: O criacionismo não é ensinado nas escolas norte americanas como ciência (por não ser legalmente consentido, enquanto tal) mas em algumas escolas de alguns Estados, o criacionismo é indicado como uma proposta que tem os seus defensores.

Não penso que venha grande mal ao mundo por isso.

Uma vantagem da controvérsia pode e está, aliás, a promover o avanço da confirmação da teoria da evolução natural.

E por cá? Quantos é que se preocupam com isto?

E já agora: Quantos se preocupam com o fim das espécies?

Thursday, November 10, 2005

A CULPA É DO BARRO OU DOS OLEIROS?



Enviou-me um amigo cópia de um artigo de Eduardo Prado Coelho publicado, suponho, na sua coluna diária de “O Público”, titulado “Precisa-se de matéria-prima para construir um País”.

Não li o artigo mas quem mo enviou certamente gostou. Com toda a consideração que me merece o meu amigo, tenho que dizer-lhe que o artigo de EPC me parece uma daquelas conversas de xaxa com que se rematam os almoços de amigos se o tema não se virou para o futebol.

De EPC exige-se mais.

Pertenço a um país onde as empresas privadas são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel. Lápis, …”
“ Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser compradas, sem se fazer qualquer exame …”
Na origem das lesões de civismo relatadas por EPC está, segundo EPC, a (má) qualidade da matéria-prima que ocupa o País.

E não está! Está nos oleiros!

“País, mas que país, onde qualquer pateta diz, não é para mim este país. O´Neill”
Parte do barro criado nesta País tem sido exportado ao longo dos séculos e, ao longo dos séculos tem, geralmente, dado boa obra lá fora. Em França, na Alemanha, no Luxemburgo, nas Américas, na África do Sul, as comunidades portugueses são, na generalidade dos casos tidas como das mais competentes, empreendedoras e cívicas.

Porquê? Porque lá fora há bons oleiros!
Em Portugal há alguns bons, mas são poucos.

Se o roubo de lápis numa empresa privada aflige EPC, não o aflige a notícia de ontem, 9/11, segundo a qual “O processo de extinção da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos, em 2002, deixou uma dívida de 368 mil euros e resultou em perda de bens patrimoniais públicos na ordem dos 100 mil euros”?

(E porquê empresa privada e não pública? Porquê da empresa e não do Estado? Porque não da Universidade? Porque não até dos Tribunais? Porque não até da Procuradoria Geral da República?)

Quase todos os dias temos notícias de casos em que o erário público é defraudado ou as Instituições são desonradas, não pelo barro mas pelos oleiros.

Quem são, então os oleiros? Pois, muito prosaicamente, os que trabalham o barro. Aqueles a quem por eleição, nomeação ou herança coube o privilégio, mas também a responsabilidade, de conduzir acções e opiniões, com probidade.

Se o Chico-Esperto paga a um médico um atestado falso, a culpa é do Esperto ou do Falsário? Convenhamos que nenhum deles será boa rês mas pedir não é crime ainda que possa ser, eventualmente, recriminável. Mas um falsário é um criminoso.

Perguntar-me-ão: mas então, o povão não tem culpas no cartório? A qualidade da matéria-prima, para voltar à terminologia de EPC, não é importante? Será, mas a capacidade do oleiro é determinante.

EPC é oleiro? Claro que é. Mas subliminarmente tira a água do capote. Os culpados somos nós, como Povo, diz ele. O Tanas! Digo eu. Os culpados são os oleiros, ou se preferirem, a maior parte deles. Somos todos culpados, dizem os que são realmente culpados.

E é patética a parte final do artigo de EPC. “Eu pecador me confesso…”,
A desgastada fórmula dos desculpados.

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A questão da formação académica, que alguns julgam, erradamente, ser essencial à formação cívica e também suporte essencial do crescimento económico, tem sido um razoável bode expiatório para a inabilidade dos nossos oleiros

Aliás, o problema está mais que diagnosticado e aplica-se igualmente a barros de outras origens. A título de exemplo, transcrevo um dos muitos textos que já se escreveram sobre o assunto, geralmente coincidentes nas conclusões.

“Many people believe that educational attainment of a nation’s current labor force is responsible for the success or failure of its economy. The importance of the education of the workforce has been taken way too far. In other words, education is not the way of the poverty trap. A high education level is no guarantee of high productivity. The truth of the matter is that regardless of institutional education level, workers around the world can be adequately trained on the job for high productivity… … …If illiterate Mexican immigrants can reach world-class productivity building apartments in Huston, there is no reason why illiterate Brazilian agricultural workers cannot achieve the same in São Paulo” – in The Power of Productivity – William W. Lewis – McKinsey Global Institute Reports
http://www.mckinsey.com


Precisa-se de matéria prima para construir um País
> >
> > Eduardo Prado Coelho - in Público
> >
> > A crença geral anterior era de que Santana Lopes
> não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que
> Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá
> para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no
> trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O
> problema está em nós. Nós como povo.
> Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a
> ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um
> país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada
> do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
> Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão
> ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos
> passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL,
> DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
> >
> > Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são
> fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que
> levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis,
> canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola
> dos filhos ... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas
> se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso
> da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar
> menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um
> hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital
> humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram
> lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.
> Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde
> não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é
> "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política,
> histórica nem económica. Onde os nossos políticos trabalham dois dias
> por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os
> pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
> >
> >
> > Pertenço a um país onde as cartas de condução e as
> declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer
> exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com
> uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro,
> enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o
> lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não
> para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos
> sempre a criticar os nossos governantes.
> Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor
> me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de
> trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é
> culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela
> manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar
> algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.
> >
> >
> > Como "matéria prima" de um país, temos muitas
> coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o
> nosso país precisa. Esses defeitos, essa "CHICO-ESPERTERTICE
> PORTUGUESA"
> congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e
> evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta
> de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou
> Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são
> portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra
> parte... Fico triste.
> Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o
> suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima
> defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer
> nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor,
> mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
> primeiro os v> ícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu
> Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, e nem serve Sócrates,
> nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um
> ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do
> terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não
> comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do
> centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente
> condenados, igualmente estancados....igualmente abusados! É muito bom
> ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um
> empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação,
> então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos,
> a ver se nos mandam um messias.
> >
> >
> > Nós temos que mudar. Um novo governante com os
> mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós
> que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o
> que anda a
> acontecer-nos: desculpamos a mediocridade de programas de televisão
> nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da
> desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente
> decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe
> exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça
> de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU
> SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO
> PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
> >
> > E você, o que pensa?.... MEDITE!
> >
> > EDUARDO PRADO COELHO
> >
> >
>

Tuesday, November 08, 2005

O PRIMA-DONA

Sempre que Mário Soares se candidatou e eu votei, votei em Mário Soares.
Mas nele, não voto mais.

Mário Soares demonstrou no seu segundo mandato que, mais do que os interesses do País, são, agora, os desígnios indisfarçáveis de afirmação pessoal que movem as suas intenções: o palco é dele e não o cede.

Mário Soares diz-se republicano e laico mas adoraria que o entronizassem e adorassem. Aliás, ele sente-se entronizado e crê-se adorado; podem as sondagens, eventualmente, dizer o contrário, mas ele está seguro que o Povo acabará, na altura própria, por recolher ao seu redil.

A ele tudo se consente, porque ele a tudo se sente consentido.

Qualquer outro político que arrotasse aos sete ventos que era “um homem de cultura”, “um homem culto”, “um humanista”, ou coisa parecida, seria trucidado na praça pública por gabarolice sonsa. Mário Soares, não: diz o que lhe dá na real gana, ninguém comenta.

E como prima-dona que não soube retirar-se a horas, nunca deixará de se sentir em palco.

Mais dia, menos dia, com palmas gravadas.

Friday, November 04, 2005

O DIABO DO TABULEIRO DE XADREZ


A Justiça é, inegavelmente, não só um dos pilares da democracia, mas o seu pilar central. A democracia não sobrevive fora de um Estado de Direito, quando a Justiça não se afirma a democracia dissolve-se. Reciprocamente, a ausência de democracia gera a arbitrariedade da Justiça, isto é, a sua contrafacção.

Por tudo isto é lamentável que se ridicularize a Justiça e que a Justiça se deixe ridicularizar. Quando tal situação ocorre é a democracia que é posta em causa.

Há dias a impagável “Contra Informação” relatava as aventuras de “Os Malucos da Justiça” à volta da evasão fiscal e do eventual branqueamento de capitais em bancos portugueses. É salutar a ironia inteligente mas esta tinha sabor a mel e a fel. Dava para rir se não desse para recear o pior.

Os casos burlescos são já tantos, os níveis de confiança dos portugueses na Justiça são tão baixos, que os pilares de sustentação da democracia já gemem, só não ouve quem é duro de ouvido ou prefere assobiar para o ar.

Quase todos os dias temos casos novos. Ontem saiu mais um da cartola do prestidigitador: O caso do Tabuleiro de Xadrez.

Porque bulas é que se o Diabo afirma que ofereceu um magnífico jogo de xadrez a um homem íntegro, a Polícia invade a casa do homem íntegro à procura do Tabuleiro, não havendo suspeita de crime do homem íntegro?

E se, como era de esperar, não foi encontrado o Tabuleiro na casa do homem íntegro, porque continua o Diabo à solta? Porque é que o homem íntegro se contenta com a anunciação que, da parte dele, não há suspeita de crime e não exige á Justiça a condenação do Diabo por perjúrio?