Os motins em França e outras cidades francesas, que depois se estenderam episodicamente a Bruxelas e a outras cidades vizinhas, suscitaram aos analistas políticos um conjunto de explicações que, cumulativamente, incidem:
- no modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes;
- no modelo social europeu;
- nas elevadas taxas de desemprego de jovens;
- No modelo francês de acolhimento e integração de emigrantes, nomeadamente dos muçulmanos, por oposição ao modelo americano do “melting pot”, tese esta defendida por F. Fukuyama em artigo publicado no “Público” de 6/11, de que se transcreve a seguir a parte final.
“Muitos europeus asseguram que o “melting pot” americano não pode ser transplantado para solo europeu. A identidade, aqui, continua enraizada no sangue, na terra e em memórias antigas partilhadas. Isto pode ser verdade mas, se é assim, a democracia na Europa terá grandes problemas no futuro, á medida que os muçulmanos representam uma parte da população cada vez maior. E se a Europa é, hoje, um dos principais campos de batalha da guerra ao terrorismo, esta realidade terá importância para todo o mundo.”
Por outras palavras: ou temos “melting pot” na Europa ou entorna-se o caldo globalmente; se queremos as vantagens do liberalismo económico e da democracia, temos de adoptar políticas de integração por assimilação e não por compartimentação e, sobretudo, temos que obrigar os jovens a trabalhar.
O “The Economist”, na sua edição de 12/18 Novembro, 2005, faz questão de salientar que, a este respeito, na Europa, o Reino Unido se distingue notavelmente do modelo francês. Nestas coisas os britânicos não gostam de ser menos americanos que os próprios.
“ At the top end, the contrast with multicultural Britain is noticeable. There are now 15 British members of parliament from ethnic minorities, including Muslims …There are no black or brown mainland members of the National Assembly; hardly any black or brown faces on national television…As Nicolas Sarkosy, the interior minister and head of the ruling UMP party, often says, “If we want young Muslims offspring of immigrants to succeed we need examples of success, and not only from football.”
- O modelo social europeu como causa dos distúrbios é uma variante da tese anterior e atribui a culpa, em última instância, ao sistema social europeu que dá o peixe em vez de obrigar a pescar, isto é, se puserem os jovens a trabalhar eles irão sossegar.
- Daí que as elevadas taxas de desemprego de jovens são, ainda segundo o mesmo “The Economist”
“A much greater contributor than Islam to the malaise in the suburbs is the lack of jobs. Mr. Chirac promised in 1995 that unemployment would be his top priority, an assertion repeated ten years on by his new prime minister, Dominique de Villepin, when he took office last May. It is here, not in esoteric disputes over different models of assimilation, integration or multiculturalism, that the biggest differences between France and countries such as America and Britain are to be found. Over the past decade de British and American economies have generated impressive growth and plenty of new jobs; the French economy has failed on both counts.”
E refere os números do rastilho da revolta em França:
desemprego em França 10%
desemprego jovens 22%
desemprego jovens muçulmanos 40%
Os muçulmanos representam 10% da população total francesa
Mais de metade da população nas prisões francesas é muçulmana
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Segundo as mesmas fontes (Economist cit. Eurostat; US Bureau of Statistics ) o desemprego dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, apresentava noutros países os valores seguintes:
Itália 24%
Bélgica 23%
Espanha 21%
EU 25 18%
EUA 12% (entre 16 e 24 anos)
Quando, há 13 anos, foi editado “The End of History and the Last Man” de F. Fukuyama a obra foi muito aplaudida no seu lançamento mas viria a necessitar da parte do seu autor uma série de retoques mais ou menos profundos. Fukuyama, professor de Economia Política na Universidade de Johns Hopkins, foi, em certa medida, obrigado a dar o dito por não dito ou a dizer que afinal era outra coisa que queria ter dito.
Passou-se o mesmo com a “Nova Economia” e o anúncio precipitado do fim dos ciclos económicos.
E quem é que imaginaria, há ainda pouco tempo, que um vírus da gripe se vai modificar e pode matar milhões de vidas humanas? À medida que o conhecimento avança os deuses vão-nos colocando armadilhas no caminho.
Fukuyama, apesar do seu incontestado prestígio, já se tem enganado e não está provado que, apesar do “melting pot”, os Estados Unidos não possam vir a defrontar problemas idênticos aos que a França actualmente enfrenta. Sempre que a actividade económica abranda nos EUA aumentam os índices de criminalidade urbana.
Steven D. Levitt, da Universidade de Chicago, galardoado com a John Bates Clark Medal, atribuída de dois em dois anos ao melhor economista com menos de quarenta anos, publicou este ano “Freakonomics”, onde além do mais, dá conta dos resultados a que chegou acerca das consequências da adopção da lei do aborto nos Estados Unidos sobre a criminalidade urbana, concluindo que a lei do aborto teve efeitos decisivos na redução da taxa de criminalidade urbana por ter diminuído o número de adolescentes desintegrados.
Os recentes acontecimentos nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas, não ocorreram seguramente apenas porque, sendo os amotinados muçulmanos ou franceses filhos de emigrantes de outras origens e credos, não estão representados nos órgãos do poder, não fazem parte das forças da ordem, vivem acantonados e não em “melting pot”. O rastilho ateou-se no facto de se sentirem a mais. O “melting pot” poderá conter temporariamente a chama da revolta mas não a evita em definitivo se forem de mais os que se perguntarem,
que faço eu aqui?
Níveis de desemprego, a rondar os 40%, põem muita gente a pensar mesmo que tenham garantida casa, mesa e roupa lavada. E quando um homem se põe a pensar…
PRIMEIRO HOMEM E A PRIMEIRA HISTÓRIA
Toda a gente, ou quase, sabe que a primeira história começa no Jardim das Delícias, a única discussão possível acerca do assunto é onde ele ficava, mas é uma discussão peregrina porque ainda subsistem hoje recantos do tal jardim, onde o homem caça e pesca e come os frutos que a natureza lhe põe ao alcance da mão. O primeiro homem ter-se-á portado mal, o tal pecado original, foi expulso e obrigado a ganhar o pão com o suor do seu rosto.
Mas o mais certo é que se tenha posto a pensar e a pensar tenha complicado a sua vida.
Num dia de trovoada, caiu um raio que pegou fogo à floresta. Depois choveu, o fogo apagou-se e, no rescaldo, o homem encontrou a caça assada. O odor do assado arregalou-lhe as narinas e o primeiro homem concluiu que a caça no carvão era mais saborosa e tenra que a carne crua.
E pensou, pecado original, que melhor seria guardar o fogo aceso quando por lá caísse outro raio incendiário.
Depois concluiu que o fogo, além de assar a carne lhe aquecia a caverna. Tomou-lhe o gosto e tornou-se sedentário à volta do seu fogo. Passou a semear e a colher os seus frutos. Nasceram as comunidades e apareceram os chefes, depois os sacerdotes e os militares, as guerras, as pilhagens, as pragas, os sacrifícios aos deuses e aos outros.
Sem dar bem por isso, às tantas era escravo, depois servo da gleba, proletário, o mundo era outro e o homem pensou e revoltou-se, tinha trabalho a mais e frutos a menos.
O SEGUNDO HOMEM E A SEGUNDA HISTÓRIA
Foi então que alguém pensou: se o homem se revolta por trabalhar demais vamos inventar máquinas para produzir mais e pôr o homem a trabalhar menos.
Inventaram-se as máquinas e com elas a produtividade, um simples quociente entre o que é produzido e os meios utilizados nessa produção. Com as máquinas aumentaram as produções e as produtividades dos homens que as conduzem. Tanta produção gerou a concorrência, e a concorrência novas máquinas e outros meios de produção, maiores produções, melhores produções, outros produtos, maiores produtividades, maiores produções, mais concorrência, alargaram-se os mercados, o mundo tornou-se cada vez mais pequeno, globalizou-se.
E agora, homem?
O TERCEIRO HOMEM E A TERCEIRA HISTÓRIA
Agora cerca de 2% da população activa seria suficiente para produzir os bens alimentares suficientes para alimentar todos os habitantes do mundo. Se tal não acontece não é por falta de meios mas por outras razões.
Nas sociedades economicamente mais desenvolvidas o número de pessoas empregadas no sector primário ronda os 2% mas se forem removidos as barreiras alfandegárias aos produtos das nações mais desfavorecidas aquele valor, já muito baixo, vai reduzir-se.
No sector secundário, o tal que faz as máquinas e produz a energia que substituem o homem, a perseguição da produtividade vai, mais dia menos dia, determinar que não há lugar para mais de 3% da população activa para produzir tudo.
Os serviços terão, então, 95% da população activa ao seu dispor.
O FIM DO HOMEM E A ÚLTIMA HISTÓRIA
A concorrência entre produtores de serviços está em fase de globalização, mas não tão adiantada.
A produtividade dos mais eficientes determinará a localização da produção dos serviços e o número de servidores. Um dia destes haverá lugar, na produção de serviços, quanto muito, para 30% da população activa.
Que farão os 65% restantes?
O trabalho tornar-se-á um bem escasso, a procura (por parte de quem quer trabalhar por não saber fazer outra coisa) excederá brutalmente a oferta de oportunidades. Os manuais de Economia ensinam, logo nas primeiras páginas, que quando a procura excede a oferta os preços aumentam. Se assim é, um dia (sabe-se lá quando) quem quiser trabalhar terá de pagar para experimentar esse gozo limitado. Teremos a economia ao contrário.
Dito de outro modo: Os governos, quase todos os governos, inscrevem nas suas promessas eleitorais a prioridade na criação de empregos. Mas em geral falham. Mas falham, sobretudo, porque globalmente o trabalho está em vias de extinção
Há quem seja de opinião contrária: a produtividade não elimina o emprego, aumenta-o. E apontam, a título de exemplo, os Estados Unidos. A criação de emprego nos Estados Unidos é, contudo, outra história. O crescimento do número de empregos criados nos Estados Unidos, quando ocorre, não decorre substancialmente do aumento de produtividade mas do, até agora, inesgotável afluxo de poupanças provenientes dos grandes aforradores e gabirus do mundo. Voltaremos a ela.
Outros garantem que a descoberta de novas tecnologias induz a criação de novos produtos e de novos serviços. O que é certo. Nenhuma tecnologia, porém, aumenta mais um minuto sequer a cada dia: temos todos 24 horas por dia para consumir, seja o que for. Podemos é desperdiçar ou destruir a uma cadência que 24 horas podem chegar e sobrar.
O HOMEM E A HISTÓRIA, HOJE
Quem consultar http://hdr.undp.org/ terá diante de si o relógio do horror mundial:
CHILD MORTLITY: HUMAN COST OF MISSED TARGETS
CHILDS DEATHS SINCE JANUARY 1st. 2005 9096000 (às 15 horas de 27/11/2005)
Durante o minuto em que consultei o site morreram 20 crianças em todo o mundo, a maioria delas por fome. No mesmo minuto os programas de assistência das Nações Unidas conseguiram salvar 3 crianças.
É assim o mundo que habitamos: revoltam-se e incendeiam milhares de carros milhares de jovens que, sem trabalho, se sentem a mais; morrem milhões de crianças porque não trabalhamos o suficiente para as salvar.
O fim da história será o fim do homem; que ninguém se ponha à espera do último homem, mas invente o próximo. O próximo homem da próxima história.