JACQUES E O SEU AMO, de Milan Kundera, já cá mora em casa há muitos anos. Mas, de tamanho reduzido, quando passo a vista pelos livros à procura de algum que quero reler, este pequeno volume escapou sempre à minha atenção. Até ontem.
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"Era o terceiro dia da ocupação. Seguia no meu carro, entre Praga e Budejovice (a cidade onde Camus situou O Equívoco), Por toda a parte, nas estradas, nos campos, nas florestas, viam-se soldados russos. Mandaram-me parar. Três soldados revistaram o carro. Concluída a operação, o oficial que tinha dado as ordens, perguntou.me em russo "Kak tchouvstvouye-tyece?", ou seja, "Como se sente? Quais são os seus sentimentos?". A pergunta não era nem malévola, nem irónica. Pelo contrário, o oficial acrescentou. " Tudo isto é um grande equívoco. Mas vai resolver-se. Devem saber que nós amamos os Checos. Nós gostamos de vocês!"
A paisagem devastada por milhares de tanques, o futuro do país comprometido durante séculos, os homens de Estado checos detidos, e o oficial de ocupação a fazer uma declaração de amor! Entendam-se, ele não quis, de modo algum, manifestar a sua desaprovação face à invasão. Todos diziam mais ou menos o mesmo que ele, a sua atitude não era ditada pelo prazer sádico de violadores, mas tinha como base outro arquétipo - o do amor ferido. Por que razão os Checos (de quem gostamos tanto!) não querem viver connosco e como nós? Que pena ter sido necessário recorrer aos carros de assalto para lhes ensinarmos o que é o amor"
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Milan Kundera - JACQUES E O SEU AMO