Thursday, March 12, 2020

REFLEXÃO : OS NÚMEROS COMPLICADOS DA PANDEMIA

No princípio desta semana, o Público transcrevia um aviso  do presidente do Instituto de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, Antony Fauci, aos norte-americanos:

"Não vá para sítios com muita gente, pense duas vezes antes de viajar de avião e, pelo amor de Deus, não faça um cruzeiro"

Muitos dos que, de fora ou dentro dos EUA, leram esta recomendação do sr. Antony Fauci, certamente que a consideraram patética.
O facto de nos EUA não existir um sistema nacional de saúde, obviamente por decisão da maioria dos norte-americanos, as epidemias encontram um terreno susceptível de propagação imparável.
Hoje, 13/03, ouço na rádio que Trump decidiu proibir durante 30 dias todos os voos para os EUA a partir da Europa, salvo do UK, invocando a necessidade de proteger os norte-americanos da incapacidade dos europeus de limitarem a expansão da doença infecciosa. E que as seguradoras se abstêm de cobrar as taxas de comparticipação dos segurados atacados pelo covid-19. Para aqueles que não têm seguro as análises e tratamentos serão gratuitos.

À primeira vista de um europeu, a proibição de voos entre a Europa, salvo o UK, é mais um acto de manifestação da diabólica vontade de Trump desagregar e acabar com a União Europeia. E é. É incontestável que é, de outro modo não teria excluído o UK do banimento.
E, no entanto, a afronta de Trump pode suscitar uma pergunta: podem os países conter a expansão da epidemia sem controlar entradas e saídas de pessoas nas suas fronteiras?
Dito de outro modo: até quando resistirá o acordo Schengen sem uma suspensão temporário por tempo indeterminado?

Ontem ouvimos Merkel afirmar que, segundo os especialistas, a Alemanha será confrontada com uma propagação do vírus de cerca de 75% da população do país (se bem me recordo Merkel referiu um intervalo entre 60 e 80%) o que significa mais de 60 milhões de infectados ainda que a maior parte, cerca de 80% deles, o seja de forma ligeira. Acrescentou que, ainda assim, não se justificava o encerramento de fronteiras. E, no entanto, para além da Itália, a confrontar-se com o maior surto na Europa, e o maior em todo o mundo, em termos relativos, a Áustria encerrou a fronteira. A Hungria e República Checa decidiram o mesmo.
A propósito: Espanha a epidemia coloca o país em sexto lugar do ranking maldito. Aproxima-se a Páscoa, altura em que muitos espanhóis nos visitam. Vamos manter as fronteiras sem nenhuma vigilância de importação do vírus? Algumas cadeias de infecção registados em Portugal têm origem em Espanha.
Se sim, o que faremos com as excursões de estudantes portugueses à  Costa Brava? É complicado, é, mas as instituições que velam pela contenção do surto em Portugal deveriam ser mais afirmativas.
Hoje o governo prepara-se para, seguindo orientação do Conselho de Saúde Pública, moderar
o encerramento das escolas conforme a situação observada pelos serviços de saúde em cada local do país e não antecipar as férias da Páscoa. Oxalá amanhã não seja tarde demais.

Hoje, às 8:20 ouço na rádio que o presidente chinês anunciou que o surto entrou e declínio em território chinês.
Nas estatísticas publicadas em contínuo pela Organização Mundial de Saúde, vd. aqui, ao meio dia o número de infectados em todo o mundo era 128.058 e o número de mortes 4.717.
Na China, dos 80.796 infectados, já foram recuperados 62.813. Hoje registou 18 novos casos e 11 mortos.
À mesma hora a Itália registava (números de ontem) 12462 infectados, 827 mortos, 1045 recuperados. À mesma hora, a Alemanha registava (números de ontem) 1.966 infectados, 3 mortos, 25 recuperados. Ainda à mesma hora, (números de ontem) a França e a Espanha, indicavam, respectivamente, 2.281 e 2.277 infectados, 48 e 55, mortos, 12 e  183 recuperados.
Na Suíça, vizinha do norte de Itália (números de hoje) há 865 infectados, 4 mortos e 4 recuperados.
Nos EUA registam-se 1.337 infectados, 38 mortos, 15 recuperados.

Olho para estes números e não consigo encontrar explicação para o facto de o presidente chinês, Xi Jinping anunciar o começo da inflecção do surto no seu país, quando o número de infectados se situa em cerca de 80 mil e a primeiro-ministro alemã anuncia que, segundo as previsões dos seus serviços de saúde pública calculam em 80 milhões o número de infectados.
Alguém sabe explicar-me porquê?

Ontem, o pneumolologista dr. Filipe Froes, membro da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, em entrevista da RTP1, com contactos desde há anos com colegas italianos, estes lhe disseram que havia hoje forte evidência que o vírus foi importado de Wuhan através de um cidadão chinês que se deslocou a uma clínica no norte de Itália para uma intervenção cirúrgica não correlacionada com o covid-19, de que o paciente ignorava ser portador numa altura em que a emergência do surto ainda não tinha sido anunciada pelo governo chinês.
O paciente chinês, muito provavelmente o paciente zero em Itália, infectou a equipa médica, enfermeiros e estes todo o pessoal do hospital. Como nesta altura do ano ocorrem aos hospitais (muito bons no norte de Itália, segundo F. Froes), por razões de gripe comum muitos pacientes idosos, com menos imunidade e, portanto, mais propensos a contrair a infecção, sendo muitos deles pessoas de rendimentos baixos a viver nos subúrbios, a epidemia encontrou terreno para se propagar. Depois (acrescento eu) a displicência inicial dos italianos deve ter contribuído para a situação de calamidade pública que hoje defrontam.

Em resumo: Trump tem razão quando, acintosamente, fecha as ligações da Europa, salvo o Reino Unido, porque os europeus são incompetentes para combaterem a pandemia dentro dos seus muros
derrubados?

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